sábado, 27 de agosto de 2022

Os vértices recônditos da decadência

 


Vi um homem descendo uma ladeirinha. Vestido de paletó e gravata. Vi um homem com os bolsos cheios de um algo qualquer subindo a ladeirinha com um semblante embotado. Vi milhares de homens a descer ladeirinhas, todos esfarrapados, retornando apavonados. Eram todos iguais, a mesma vestimenta, a aparência de uma mesma cor, o mesmo sapato, o mesmo brilho nos olhos, como de esperança. Retornavam todos da mesma maneira, testas cheias de suor, braços fortes segurando instrumentos de trabalho, e eles se dissipavam em todas as direções. Vi o primeiro homem que descera a ladeirinha com um sorrisinho matreiro em contentamento. Vi que do alto eles jogavam corpos e corpos ladeirinha abaixo. Pareciam extraviados, sujos e desalinhados. Foram fazendo uma cama de mortos na ladeirinha. Vi as máquinas se movimentarem sobre os corpos a cobrirem aquela ladeirinha com terra. Sobre os corpos, dos homens que esperançavam, vi passarem o pavimento. Observei o primeiro homem, que descera a ladeirinha, segurando uma placa na mão. Nela estava escrito em letras garrafais: PROGRESSO!

Das ladeirinhas que nós descemos, subimos aptos a explorar ou a sermos explorados. Compramos as mentiras que nos vendem sob a laje de muitos mortos, nos esquecendo que é ladeirinha abaixo que descemos, ladeirinha acima que esperançamos, mas que é, indubitavelmente, ladeirinha abaixo que retornaremos mortos, soterrados em nome do progresso.

Por Damaris Melgaço


Do palco pra vida, da vida ao palco: o limite da arte na promoção do pensamento.

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