terça-feira, 27 de maio de 2025

REVISITANDO A INFÂNCIA: A ONDA REBORN.

A onda dos bebês reborn não é uma novidade, nem mesmo o uso dos objetos para coordenar em nível psíquico interno os significados. Sabemos que a vida começa por uma busca desenfreada pela sobrevivência e a afetividade é a arma com a qual lutamos para manter a humanidade intacta. Como integrantes da natureza (parte dela) somos movidos por instinto de sobrevivência que exige processos coletivos. Dentro dessa dinâmica, o ser humano cria uma rede de proteção, um aparato humano que se origina da necessidade de produção. Acredito que a linguagem é esta primeira necessidade, porque ela expressa aos outros o que precisamos para nos manter vivos. Inicialmente, esse processo não está definido pela palavra, mas por outras vias sensoriais, não verbais, por exemplo. Expressões corporais, comumente dizem com precisão o que estamos sentindo e experimentando na natureza. Obviamente que a comunicação é essencial para a manutenção do clã em segurança.

Note-se que para tanto a humanidade foi desenvolvendo maneiras de comunicar as necessidades coletivas adiante - a outros pares sociais. Podemos afirmar que os signos são essa ferramenta tão importante, como aparato de primeira grandeza, que garante a manutenção histórica da atividade de produção como evidência à sobrevivência das futuras gerações. Notemos que antes da escrita, a linguagem oral foi uma arma histórica poderosa.

O ser humano, portanto, precisa de interações sociais, isso é, pelo visto, um manual de sobrevivência psicofisiológica. No entanto, ao longo da história e com a ampliação tecnológica, o ser humano tem-se distanciado de relações reais para viverem as relações virtuais. Cada vez mais distantes dos processos naturais que envolvem a comunicação e a partilha das sensações, o ser humano a exemplo da máquina está se esquecendo de sua humanidade ao tentar tornar-se uma.

Estudiosos como Vigotski, Leontiev e Elkonin ao estudarem os processos de desenvolvimento cultural das crianças especificam o jogo ou as atividades de brincadeira na infância como um processo de interação que busca nas relações adultas a reprodução da atividade material e social. A brincadeira com bonecas, por exemplo, é uma forma de estabelecer e reproduzir as relações afetivas adultas com o objetivo de internalizar os sentidos e significados produzidos dentro da ação do cuidado. Afinal, quem de nós, pertencentes à sociedade ocidental, não brincou de papai, mamãe e filhinha?

Desde a pandemia, como exemplo do ápice do isolamento, estamos vivenciando um afastamento das atividades sociais mais comuns, que envolvem a interação humana em relação consigo e com a natureza. Cada vez mais dentro de pequenos espaços sociais, em frente aos tablets, ipods, notebooks, computadores, o ser humano se metaboliza num ser sem sentido, mas que sente. Antigamente, rodeados por uma família imensa, espaços amplos de interação, afastados da tecnologia e mais próximos da natureza éramos talhados na vida pela experiência da vivência comunitária. A gente aprendia a expressar os sentimentos, aprendia a abrandar as emoções e principalmente a ser humano com outro humano.

Atualmente, mais próximos das relações artificiais o ser humano adulto apresenta como sintoma, relações de interação inanimada, permeadas por um retorno à infância na justa forma da brincadeira, como exemplo temos a concretude da onda reborn. Claro, que há um marketing em cima dessa febre mercadológica, pois não há nenhuma evidência de que pessoas estejam por aí carregando reborn nos hospitais, farmácias e fóruns das cidades, mas essa hipótese levanta uma urgente necessidade em discutir as relações sociais e a necessidade humana de estar envolvida em relações afetivas de verdade. 

Antes da onda reborn, nós tínhamos o amor pelos pets, ou seja; relações afetivas com seres animados, que nos acolhem, esquentam e promovem carinho. É preocupante essa repentina necessidade de adultos jovens em regredir ao nível do pensamento por complexos. Isso denota uma grande ruptura com a realidade material e uma urgente necessidade de reorganizar o pensamento. Segundo Vigotski (1998) as crianças generalizam no pensamento aquilo que não experienciam na vida real, utilizando-se de recursos sensório-emocionais já experimentados em outra realidade e que estão acomodados em nível de psiquismo, ou seja; tendem às analogias.

Note-se que a criação de um pseudoconceito vem justamente da incapacidade momentânea de experimentar a vida concreta por meios materiais consistentes. A imaginação fica em alta, criando complexos associativos e imagens sincréticas.

A formação de complexos inicia-se quando uma mesma palavra tem diferentes significados em diferentes situações, desde que haja qualquer nexo associativo entre esses significados. Como as crianças com certa idade pensam por pseudoconceitos, haverá significados que não serão aceitos pela lógica dos adultos. Dependendo do que seja, ela pode ter diferentes atributos concretos, portanto pode ter vários nomes. A utilização de um ou de outro depende do complexo que seja ativado em um determinado momento (Vigotski, 1998 apud Dias et. al, 2014, p. 496).

Ao frigir os ovos, percebe-se que o mundo adulto está permeado por ausências e a palavra cada vez mais extinta. Isso expõe a urgente necessidade de revisitar a infância e as interações humanas presentes lá. Talvez, como insistente ânsia por reestabelecer conceitos antigos. Afinal, “(...) a palavra é o microcosmo da consciência” (Vigotski, 1998, p. 190). Dias et. al. (2014, p. 494) afirma que a palavra "... é um instrumento de análise da informação, visto que percorre um caminho até ser internalizada e adquirir a função de analisar e generalizar um objeto; o conceito é o mediador que permite adquirir o significado da palavra".

Parece-nos que o ser humano desaprendeu o significado dos conceitos, interação afetiva, reciprocidade e cuidado. Dessa maneira, quando diante da extrema solidão proporcionada por essa adoecida sociedade moderna, os sintomas psicológicos aparecem na retomada da brincadeira, talvez na tentativa de recuperar os conceitos antes apreendidos e em desuso. Estamos na adultice tentando ressignificar a vida através da imaginação, pois na falta do real tendemos a criar a imagem do real. Nada mais humano que isso.

REFERÊNCIAS:

DIAS, M. S. DE L. et al.. A formação dos conceitos em Vigotski: replicando um experimento. Psicologia Escolar e Educacional, v. 18, n. 3, p. 493–500, set. 2014.

Vygotsky, L., S.. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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