quinta-feira, 19 de julho de 2018

SILVA, Jackson Ronie Sá da. “Homossexuais são...”: revisitando livros de medicina, psicologia e educação a partir da perspectiva queer.





SILVA, Jackson Ronie Sá da. “Homossexuais são...”: revisitando livros de medicina, psicologia e educação a partir da perspectiva queer. 2012. 400 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Universidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul.


RESENHA

Jackson Silva foi professor durante dez anos na Educação Básica do município de São Luís – MA, e se deparou com inúmeras representações de um preconceito aos homossexuais no ambiente escolar. O termo qualira ou qualihra se refere a homossexuais masculinos e que tenham comportamentos ditos “afeminados. (SILVA, 2012). 

Segundo Silva (2012):
A denominação qualira foi inventada durante as atividades de carnaval de rua de São Luís onde se apresentavam vários blocos. Dizem que em um desses blocos havia um rapaz afeminado que se destacava por tocar a lira (instrumento de cordas dedilháveis ou tocadas com plectro, de larga difusão na Antiguidade). Sempre que o rapaz aparecia, as pessoas gritavam: ‘lá vem ele com a lira’ e a repetição constante desse termo resultou na aglutinação das palavras, diminuindo a frase para “com a lira” até chegar em ‘qualira’.
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A representação do termo no ambiente escolar é pejorativa e multiforme, ou seja, são vastas as formas de preconceito existentes e algumas se manifestam em diferentes aspectos e esferas escolares. Agressões físicas, verbais, insultos, olhares, gestos, etc. são intencionais práticas de intolerância, algumas vezes até silenciosas. (SILVA, 2012). 

A gestão se escolar, por vezes, se mostrava indiferente quanto à construção e reprodução do preconceito dentro das escolas e nos ambientes educacionais. Preconceito velado e institucional, pessoas em sofrimento ignoradas, reforçando a ideia de que o “culpado” num conflito é o indivíduo homossexual. 

A visão médico-biologizante, historicamente, concebeu o termo homossexual com construções pejorativas e estigmatizantes, reforçando a ideia de que havia um “desvio” natural no curso do desenvolvimento e representação da sexualidade na infância-adolescência. 

Silva (2012), acrescenta um exemplo ocorrido numa escola de ensino médio em que um professor fala sobre um aluno qualira do 3º ano:


            Vocês já perceberam a qualiragem invadindo a escola? Os alunos do 3º ano estão tirando a sobrancelha. Isso é coisa de qualira, de veado, de maricas, de bicha, de gente pervertida, doente e safada. Parece que é uma febre. Todos querem tirar a sobrancelha, se arrumar bem, cuidar do corpo. Isso é coisa de qualira e de mulher. Quando saio de casa já tomo meu remédio contra essa febre. Estou vacinado. Não gosto de qualira e não nego. Que coisa é essa? Não dá para aceitar! Esses qualira têm que aprender a ser homem. Filho meu não faz isso. Se começar com essas qualiragens, eu dou é porrada mesmo. Já pensou: homem tirando sobrancelhas! É o fim dos tempos!                                                            

           

A construção da homofobia, historicamente, não é frágil e se trata praticamente de um “obelisco homofóbico”, dando a ideia de uma sólida e forte forma de consolidar um pensamento heteronormativo preconceituoso. 

A “Ética Vitoriana”, também influenciadora do preconceito contra os tidos como “anormais”, pode ser definida como: 


            [...] atitudes estereotipadas predominantes nas nações ocidentais, durante a época da rainha Vitória. [...] Por esse tempo, apregoava-se a noção de que a prática sexual em si é feia e animalesca, cabendo apenas às mulheres devassas admirá-la, enquanto que as mulheres ‘decentes’ deveriam até mesmo evitar sentirem-se sexualmente excitadas. Também era costume na época pensar que as mulheres apenas toleram as relações sexuais como um mal necessário e uma obrigação para com os maridos e, ainda, que sexo é algo de que não se deve falar, nem mesmo a portas fechadas. Como resultado [...] foram censurados livros [...], crianças eram mantidas em completa ignorância acerca de questões sexuais, os namorados eram vigiados, e as mulheres vestiam trajes de banho que cobriam as pernas até abaixo dos tornozelos (SILVA, 2012 apud GOLDENSON; ANDERSON, 1989, p.102).




Em “o olhar e as lentes” o autor inicia apresentando sua visão das representações sociais cuja finalidade, era descobrir a essência ou âmago do fenômeno homossexualidade, pois compreendendo sua totalidade acreditava chegar à solução para a homofobia na escola. 

Ele informa o leitor de como a fenomenologia se propõe a resolver as questões enquanto intuição imanente pura que procura “descobrir as estruturas essenciais dos atos de consciência e as entidades objetivas que correspondem a eles”. Apresenta da mesma forma as representações sociais que seriam instâncias privilegiadas de investigação fenomenológica, já que elas podem se localizar perto da essência contendo um teor de verdade, porém em menor escala. Para o autor estudar as representações é produtivo e importante, no entanto por serem invenções e produção da sociedade deve-se considerar sua transitoriedade já que podem ser abandonadas conforme os interesses e necessidades. 

Várias são as definições para representações. Furlani (2005) expõe que é pela verbalização que categorias são significadas e diferenciadas num processo social, político e histórico. Louro (2007) afirma que elas são formas culturais de apresentação, palavras de e sobre alguém relacionado à vida comum. Estão em transformação e se diferenciam histórica e socialmente. Elas refletem a realidade. Já para Pollock (1990) a realidade não pode ser pura porque todo discurso social gera representações e essas são constituintes da dinâmica social que muitas vezes assumem uma verdade empoderada, óbvia e auto-evidente. Silva (2009) entende as representações como uma maneira de representar o outro dando a ele uma inscrição, já que naturalizamos o mundo e os sujeitos reais. 

O autor busca em Silva (2009) base teórica crítica para as representações, já que o mesmo vai abordar o assunto de uma forma mais similar ao seu pensamento. Para Silva (2009) a teoria e a realidade são vistas como algo que não se distinguem. Visão hegemônica naturalizante que exclui os processos de construção social e que dá a realidade um aspecto científico de caráter exterior que pode ser descoberto. Como se a teoria pudesse descobrir o real e ambas fossem equivalentes. 

Para Silva (2009) a realidade é impregnada de poder e interesse de quem as produz, ou seja, é intencional. Portanto, a “verdade teórica” nada mais é do que o resultado do movimento intencional enquanto ação e pensamento que busca impor verdades a serem reproduzidas. Para o autor a análise cultural está para desmistificar e desconstruir a naturalização das verdades. 

O autor procura trazer luz às formas de representações que impõem ideias naturalizantes sobre homossexualidade e heterossexualidade, levando o leitor a um olhar crítico sobre os discursos patologizantes de base empírica e biomédica, denominado por ele de “pedagogia dos manuais médicos”. Essa pedagogia seria o carro-chefe que direciona a maneira como a sexualidade é abordada na educação. 

A análise das literaturas de 1920/70 e as do séc. XX são intencionais e sob a metodologia da “desconfiança queer”, pois verifica que as concepções médicas antigas ainda permeiam o constructo atual em muitas literaturas. A desconstrução de tais ideias são importantes para entender os mecanismos de reprodução vigentes sobre o tema. Para tanto, ele se apropria de reflexões de Foucault e Derrida sobre discursos que inferiorizam e patologizam os que não se enquadram no status social. 

Muitos pesquisadores brasileiros tem se apropriado da teoria queer que atualmente “tem sido utilizada como perspectiva teórica para muitos pesquisadores/as brasileiros/as”. Ela tem tido forte influência no estudo do binarismo homo/hetero. Judith Butler, americana, colocou-se contra tudo aquilo que se evocava como essencial, questionando verdades biológicas e padrões normativos para gênero. A teoria queer adentra profundamente em conceitos pré-estabelecidos questionando aspectos comuns da vida social, rótulos, normas e heteronormatividade. Sua intenção é transpor a sexualidade do campo natural elevando-a ao campo social, não esquecendo que a mesma transpõe o campo político que é transpassado por relações de poder. Para esses teóricos a construção discursiva de uma sexualidade definida por um eu proveniente de uma essência natural deve ser desconstruída e reconstruída para uma realidade fluída que não é simples e é múltipla. 

Para o autor é a norma a responsável por incluir e excluir os sujeitos na esfera social e essa norma trabalha na ótica do binarismo heterossexualidade e homossexualidade enfatizando o princípio regulador que a ordem social impõe. Por isso, ao analisar as obras literárias da medicina, psicologia e educação o autor não deixa de lado os estudos da norma hetero para entender o discurso reorientador à condição padrão. 

Em “Do corpus investigativo” o autor se propõe em sua tese a interpretar e problematizar a homossexualidade a partir de uma análise histórico social, que nos permite compreender as “verdades” ideológicas, descriminalizantes e os pré-conceitos que se criaram em seu torno. Através dessa análise histórica é possível entender como o fenômeno existe hoje em dia. 

É impossível estudar a homossexualidade sem falar na concepção que cada época deu a sexualidade. Esta última é uma interação de seres e, portanto, uma relação social e histórica, esta é estudada pela história, antropologia, moral e evolução social. É através dessas filosofias que se deu o estudo descrito na tese. 

Para o desenvolvimento da pesquisa descrita na tese, foi realizada uma investigação bibliográfica de documentos. A análise de documentos é rica de informações, e permite que o pesquisador tenha acesso ao que era discutido na época, a visão dos autores e o que era privilegiado e ocultado nas discussões. As fontes podem ser de primeira ou segunda pessoa, na tese foi pesquisado apenas em primeira pessoa. 

O material coletado foi dividido em dois grupos. Corpus1: Livros de medicina, psicologia e educação publicados no século XX (1920 a 1970); Corpus 2: Livros de sexualidade e educação sexual catalogados em escolas públicas do ensino médio da cidade de São Luís – MA no ano que a pesquisa foi realizada. O autor relacionou e problematizou as ideias do sec. XX (1920 a 1970), com os livros disponíveis atualmente nas bibliotecas públicas de São Luís – MA 

O Corpus 1 é composto por 32 livros, publicados entre 1920 e 1980. Neste material inúmeras teorias foram criadas para corrigir, patologias e discriminar os homossexuais. Dentro desse corpus foi analisado compêndio médico, livro médico, manual médico, ou ter sido escrito, literalmente por um médico. As Informações contidas eram estruturadas a partir de noções como saúde-doença, diagnóstico, prevenção, tratamento e cura. Ideias higienistas e eugenistas que perpassa a psiquiatria e adentra a psicologia e a prática psicológica. 

Já o Corpus 2: discursos sobre o/a homossexual veiculados em livros de sexualidade e educação sexual disponibilizados para consulta em bibliotecas de escolas públicas do ensino médio da cidade de São Luís-MA. 

Para catalogar as informações o autor construiu Quadros-Resumo. São tabelas com as sínteses dos conteúdos, porém, não são trechos retirados dos livros, mas sim uma compreensão que o autor teve sobre o assunto. 

O corpus 1 foi subdividido em 2 grupos: Corpus Medicina/ Psicologia: medicina, psicologia psiquiatria, criminologia, teologia; Corpus Educação: educação, orientação educacional, educação sexual e educação misturada a psicológica. 

Dos documentos quatro eram para público geral, sendo três de educação e um de medicina. Vinte e oito livros eram para público específico, sendo um para professor, dois para religiosos e dois para professores de direito. 

A Linguagem utilizada no Corpus medicina/ Psicologia, era fechada e específica. E no Corpus Educação apresentava uma linguagem simples e acessível embora ideias e proposições contidas sobre a homossexualidade fossem apresentadas em linguagem científica e médica. Havia quatro línguas estrangeiras utilizadas alemão, francês e inglês. No Corpus 1: 14 obras estrangeiras foram traduzidas para a língua nacional, sendo nove livros do Corpus Medicina/psicologia e cinco livros do Corpus Educação. 

No material de Sexualidade e Educação Sexual, vinte e três livros de sexualidade e educação sexual traziam em seu conteúdo uma discussão sobre a homossexualidade. Deste número, onze livros foram catalogados nos acervos das quatro bibliotecas de escolas públicas do ensino médio da cidade de São Luís – MA. 

Por fim o autor traz a explicação da estrutura da tese. Sendo elas: Aproximações; Escavação de ideias sobre a homossexualidade em livros de medicina, psicologia e educação dos anos 1920 aos anos 1950; Escavação de ideias sobre a homossexualidade em livros de medicina, psicologia e educação dos anos 1960; Escavação de ideias sobre a homossexualidade em livros de medicina, psicologia e educação dos anos 1970; Pedagogia dos manuais médicos. 

No tópico dois de sua dissertação o autor realiza uma escavação de ideias sobre a homossexualidade em livros de Medicina, Psicologia e Educação dos anos 1920 aos 1950. “Dos livros de medicina e psicologia - 1920 a 1950” o autor informa que esses foram escritos por médicos e direcionados a médicos psiquiatras além de psicólogos, criminologistas, psiquiatras forenses, teólogos, e públicos gerais, publicados entre 1928 a 1955, que aborda discursos sobre a homossexualidade. 

Os sete resumos dos livros apresentados entre 1920 a 1950 trazem uma explicação biologicista, baseado nas causas genéticas, entretanto, nem todos os autores se limitavam as epistemologias à hereditariedade. A homossexualidade era então tratada como uma patologia, e se uniam a medicina e a ciência jurídica para explicar fenômenos como a homossexualidade e o infrator criminoso, mesmo com os movimentos médicos e psicologizantes que tentavam retirar esse homossexual da análise jurídica. Segundo Silva (2012, p. 49): "a homossexualidade era uma patologia. Enfermidade do corpo e da alma onde hormônios, hereditariedade, anatomia e psique se encontravam em desordem." 

Quadro - Resumo 1: Livro A Questão Sexual, escrito por um médico e publicado em 1928, dirigida à médicos e psiquiatras. Baseia-se na explicação biológica, a influência do eugenismo e explica a homossexualidade pela teoria hormonal. Temas centrais do livro: doenças venéreas, psicopatologia sexual, masturbação, perversões sexuais (sadismo, masoquismo, homossexualismo masculino e feminino, voyeurismo, zoofilia, etc.), álcool e drogas, prostituição, religião e vida sexual, divórcio, aborto, eugenismo e sexo, educação sexual, vida sexual e arte. Enquadra a homossexualidade como patologia de cunho hereditário e que poderia ser medicada por administração de hormônios. O autor acredita que fatores ambientais são reforçadores das práticas homossexuais como contatos em internatos e prisões. E por fim, como proposição pedagógica que os pais falassem com as crianças desde cedo sobre o sexo, de forma, a aprenderem a educar seus desejos. 

Quadro – Resumo 2: Livro Crime e Psico-Análise, escrito por médicos na área de criminologia e psicanálise, publicado em 1933, público alvo: médicos, psiquiatras, advogados e psicólogos forense, Baseia- se nas proposições da psicanálise freudiana clássica. O livro apresenta o papel da psicanálise na compreensão de crimes variados: homicídios, suicídios e crimes sexuais; A discussão empreendida pelos autores tem o objetivo de caracterizar os aspectos educacionais a serem aplicados nos referidos crimes por entenderem que hereditariedade e ambiente andam juntas quando alguém se envolve em delitos; as ideias de Freud são utilizadas para explicar o crime e o criminoso. Não há capítulo que trata do tema da homossexualidade e os autores não abordam o tema. No entanto, discutem, em detalhes, a importância da psicanálise no processo pedagógico de recuperação do criminoso. 

Quadro – Resumo 3: Livro Atentados ao Pudor, escrito por médicos, publicado em 1943, público alvo: médicos, psiquiatras forenses, psicólogos forenses e criminologistas. Baseia-se no pressuposto de homossexualidade como um vício e crime, com viés biologizante. O livro discute o tema da sexualidade utilizando as teorizações da patologia orgânica, da criminologia e da psicopatologia; discorre sobre uma série de aberrações do instinto sexual: exibicionismo, hermafroditismo, tribadismo, prostituição, pederastia, sadismo, masoquismo, voyeurismo, etc. A homossexualidade é nomeada como inversão sexual, pederastia ou uranismo. A homossexualidade é percebida como uma condição congênita (uranismo). No entanto, o autor não descarta a possibilidade de haver indivíduos que praticam o homossexualismo por mero vício. Chama esses indivíduos de debochados. Tais pessoas não devem ser categorizadas como doentes. Assim, os ditos debochados e viciados devem ser presos e condenados. Os comprovadamente doentes precisam ser tratados. Não há explicitamente proposições pedagógicas defendidas pelo autor. Todavia, a obra discute os aspectos da penalidade e punição para quem comete o ato pederástico. 

Quadro – Resumo 4: Livro Psiquiatria Pastoral, escrito por um padre médico em 1944, público alvo: médicos e teólogos. Explicita que a perversão pode estar ligada a contextos familiares e outros ambientes de interação. Não existe abordagem específica sobre a homossexualidade, mas em determinados trechos discute o tema; Aponta que ambientes de confinamento como internatos facilitam o aparecimento de práticas homossexuais entre os internos; descreve como reconhecer o homossexual. Aponta que o afeminado é fácil de ser reconhecido e descreve algumas características para reconhecê-lo como a delicadeza e a falta de força física. Suas proposições pedagógicas são que: Acredita na mudança de comportamento da criança que adquiriu o hábito perverso, sendo a educação um mecanismo eficiente para a mudança do mau hábito; e enfatiza o discurso do cuidado que a sociedade e os pais devem ter com as crianças para não se tornarem delinquentes e pervertidos sexuais. 

Quadro – Resumo 5: Livro Homossexualismo Estudos Psico-Sexuais, escrito por um médico em 1953, tendo seu público alvo geral. Fixada em bases biológicas e endócrinas, homossexualismo como problema do cérebro e glândulas. A homossexualidade é tida como um fenômeno complexo. Mas, para o autor envolve determinantes hereditários e hormonais; expressa que a condição homossexual leva indubitavelmente ao ostracismo e solidão; os sujeitos devem procurar o médico para obter tratamento e cura. Condena o homossexualismo e enquadra-o como patologia; A homossexualidade é um distúrbio neuro-endocrinológico; produz em seu discurso a tipologia do homossexual: efeminado, de voz fina, delicado, frágil, solitário, sofredor e mentiroso. Proposições pedagógicas são: se a homossexualidade for diagnosticada como congênita ou constitucional deve o pai e a mãe, e o próprio sujeito, se conformar porque ninguém pode transformar um homossexual constitucional em heterossexual. No entanto, sugere que um método eficiente para corrigir o homossexualismo neuro-endocrinológico é a educação dos desejos: o anormal deve evitar e rejeitar sua condição, exercer o autocontrole e praticar a castidade; os filhos devem ser constantemente vigiados, sobretudo na puberdade. 

Quadro – Resumo 6: Livro Psicoses do Amor, escrito por um médico em 1954 e tem como público alvo médicos e psiquiatras. Sua base é biologicista, higienista e patologizante. O livro apresenta de forma minuciosa uma série de comportamentos classificados pelo autor como psicopatológicos: onanismo (masturbação), clitorismo, pederose (pedofilia), zoofilia, homossexualidade (inversão sexual), voyeurismo, necrofilia, etc. Além de apresentar a teoria sobre a anomalia homossexual, o autor discorre sobre casos característicos e a possível forma de tratamento. Discute sobre fatores mesológicos (ambientais) que podem influenciar no desenvolvimento e prática da homossexualidade entre eles: quartéis, internatos, nas prisões e em todos os lugares onde indivíduos do mesmo sexo estão em contato íntimo (invertidos acidentais); Divide os homossexuais em ativos e passivos; Classifica os homossexuais passivos como os difíceis de corrigir; O afeminamento é discutido pelo autor. Tal característica é usada para classificar e marcar os homossexuais tidos como verdadeiros: são iguais a mulheres, preferem vestimentas e profissões femininas. Enfim, descreve uma tipologia detalhada do invertido. 

Quadro – Resumo 7: Livro Erotologia Feminina, escrito por um médico em 1955 tendo como público alvo médicos, psiquiatras e psicólogos. O livro apresenta informações sobre a sexualidade feminina numa linguagem estritamente médica. Diferentes temas são abordados na obra: anatomia e fisiologia feminina, doenças ginecológicas, prostituição feminina, a sexualidade normal e anormal da mulher. A obra apresenta um capítulo sobre o homossexualismo feminino. A homossexualidade feminina é descrita como patologia. Safismo e lesbianismo são as denominações dadas pelo autor ao tratar da homossexualidade feminina. O tema é minuciosamente apresentado: história e definição de safismo; homossexualismo feminino – a mulher-macho ou invertida; O confinamento de mulheres deve ser evitado porque o homossexualismo se desenvolve nesses ambientes; Proposições pedagógicas: A mãe tem papel fundamental na orientação da filha para que ela não se desvirtue; Crianças ocupadas dispersam pensamentos libidinosos. Por isso, os pais e professores devem ocupá-las sempre e conduzi-las em inúmeras atividades. 

Na tópica “Eugenismo e higienismo, ferramentas médicas para a pedagogização dos/as homossexuais?” o autor informa que a saúde, nas primeiras décadas do século XX, é colocada como uma “metáfora de saúde” e, ela é tanto física como moral estabelecendo hierarquia e status, onde o corpo burguês (homem branco) é sadio, e o melhor. A medicina e o médico passaram a ter um papel importante nesta etapa, sendo eles os responsáveis pelo “ajuste” da saúde, impondo tratamentos, exercícios, dietas e etc. Eles seriam os responsáveis em afastar as doenças e consequentemente trazer o bem-estar à população. O termo cura também foi introduzido nesta época através das medidas preventivas. 

Ainda nesta época, a hanseníase, tuberculose e sífilis atingiu toda a população e, então, depositavam toda a confiança nos médicos para promover a cura. Assim, a educação foi a ferramenta chave para esse processo da “ascensão médica” e fizerem uma aliança entre ambas (educação e medicina). Com a proclamação da República a medicina trouxe teorias higiênicas contribuindo com a formação do caráter racial, que explicava sobre a brasilidade. 

Os livros de psicologia e medicina dos períodos de 1920 a 1950 traziam o tema homossexualidade, discorriam que era necessário examinar os corpos e descobrir em seus relevos traços de uma possível desordem interna; perceber indícios morfológicos que denunciassem um desacordo no comando hereditário; examinar minuciosamente as ações e hábitos dos indivíduos. Este era o período em que a eugenia e higienismo andavam juntos e se afirmavam com acessórios do saber médico. Só que eles ultrapassavam os temas médicos, adicionando conteúdos de ordem moral. 

As táticas higienistas foram bem mais a fundo que combater doenças infecciosas e sanear o meio ambiente, ela controlava e delimitava as famílias. As ideias eugênicas partiram de uma visão macro para uma visão micro. Isto ocorreu para que, o Estado brasileiro colocasse em prática alguns projetos, e seria necessário a colaboração das famílias, pois elas eram as responsáveis pela educação e socialização dos sujeitos. 

O papel dos médicos no contexto familiar passou a ter importância, pois contribuía no processo de disciplinamento da família, fazendo assim, com que esta, se aliasse ao projeto de modernização criado pelo Estado brasileiro, sendo que este projeto visava uma ordem civilizada nos trópicos que visava ao capitalismo. Era a ordem de ter um Brasil sem atraso, sem pobreza, uma ordem de limpar o passado. 

Através das teorias higienistas, o médico, além de ser o agente em todo o processo de diagnóstico, e etc., também passou a ser um orientador, articulador, um estrategista, ou seja, uma pessoa que influenciava. Ele então, passou a impor sua autoridade em vários níveis, inclusive na sexualidade dos cidadãos. Foi então quando criaram rigorosos modelos de boa conduta moral. 

Alguns autores estudaram a patologia sexual e foram os primeiros a inventarem uma suposta sexualidade perversa, considerada anormal. O criminologista Cesar Lombroso foi referência para médicos e juristas nacionais e internacionais. Para ele o homossexual não era um pecaminoso, e sim que deveria ser punido pela lei, afastando então, a religião desse tema homossexual dentro do campo do direito e da medicina. 

Assim, a medicina e o direito começaram a disputar este tema, e surgiu um subconjunto significativo em termos de atualização de um modo de falar que, fundava a discussão moderna sobre a sexualidade no Brasil. 

Ao tratar a homossexualidade como patologia e trazerem uma possível cura à esta patologia, a medicina, passa então, a ser vista como uma prática pedagógica, havendo um método, intenções, e que este método conduz a mudanças. E com este discurso o médico passa então, a ser o médico dos médicos. 

Conhecer a homossexualidade deveria ser um tema conhecido pelos médicos em seus detalhes, contudo, este tema era complexo para os profissionais da época. 

Em “A homossexualidade pode ser uma patologia psicológica?” Silva aponta que as teses e análises biológicas, não são abandonadas , porém operadas e avaliadas de outras formas. Fatores como o ambiente; as relações intrafamiliares e as necessidades individuais são conteúdos adicionados para se pensar a causação do fenômeno homossexual. Os fatores externos constituem-se em novas substâncias investigadas e grande importância será dada para as análises dos hábitos sujeitos. 

As teorias psicológicas e educacionais foram de grande importância nesse processo de reconhecimento, diagnóstico, tratamento e (re) condução. No entanto, livros de psicologia que tratavam de homossexualidade eram descritos principalmente a partir da década de 1940, tendo como guia as interpretações de autores estrangeiros ou nacionais que descreviam o pensamento psicanalítico de Freud ou mesmo das conclusões que se tratavam da leitura das obras de Freud. 

Os pressupostos da psicologia foram utilizados para construir o discurso de que além das determinações orgânicas e constitucionais do individuo existiam fatores externos ao sujeito que reforçavam o aparecimento da homossexualidade. O ambiente como um fator, envolvendo interações familiares, convivências em espaços, começavam a ser interpretados como potencias operadores do ‘’problema’’. 

Ambientes como prisões, internatos, quartéis, conventos e colégios internos eram apontados como locais que facilitavam a expressão do ‘’ pervertido sexual homossexual’’. Os homossexuais congênitos pela circunstancias do confinamento e das restrições em não ter acesso o sexo oposto acabavam se entregando á sexualidade anormal. O cuidado maior deveria ser dirigido para os homossexuais verdadeiros. Eles eram a ameaça que poderiam ‘’contaminar’’ os outros com sua mobilidade sexual. 

Em “O afeminado e sua produtividade pedagógica” o autor inicia informando que autores de livros médicos criavam “tipos” para definir e operar com o possível desviado sexual. Segundo eles os homossexuais gostavam de ambientes confinados e de profissões que lhes permitiam interagir com pessoas do mesmo sexo. Era muito presente nessa época em livros médicos a ideia do invertido afeminado. A marca do “afeminado” era construída a partir de diversas qualificações que eram entendidas como pertencentes ao universo feminino. 

Os conteúdos das produções escritas entre 1928 e 1954 demonstravam que essas operações de tipificação do homossexual eram utilizadas como um artifício pedagógico para ensinar a família e a escola a conduzirem quem se apresentava ou se apresentaria com essas características. 

Esses livros deveriam ser lidos por médicos, por psicólogos e também por profissionais da educação que por sua vez aplicariam tais ensinamentos juntos aos sujeitos da higienização e daqueles que poderiam também agir no processo educativo como os pais. Os discursos médicos descreviam os homossexuais detalhadamente, pois tinham como intenção: categorizá-lo, formatá-lo, moldá-lo. Era necessário dizer quem eles eram, conhecê-los. 

O autor do texto afirma que as ideias inscritas nos livros que por ele foram analisados mostram um “esforço da biomedicina e da psicologia em querer conhecer, caracterizar, analisar, corrigir, tratar, curar e gerir esse objeto considerado incômodo, perturbador, esquisito”. 

As teorias e ideias sobre os homossexuais expostas em inúmeras produções médicas foram sendo incorporadas por outras produções, como os livros que compõem o “corpus educação” que incorporaram essas teses médicas e as transformaram em discursos didaticamente assimiláveis. A população em geral era convidada para praticar os ensinamentos dessa “pedagogia dos manuais médicos”. 

O dispositivo da sexualidade que foi construído através de discursos da psiquiatria, da sexologia, do direito e da religião foi responsável pela classificação, divisão de indivíduos, criando “tipos” e, ao mesmo tempo, formas de controlar a sexualidade. Dessa forma a pratica relações sexuais e amorosas entre pessoas do mesmo sexo que eram vista como sodomia, passava a caracterizar um tipo diferente de sujeito, que era nomeado como desvio da norma. (Louro, 2009 apud Silva, 2012). 

O discurso médico que categorizou, manipulou, esquadrinhou, reprimiu, higienizou e patologizou os/as homossexuais a partir do século XIX, foi interpretado por diversos autores como Silva, Louro, Bento, Furlani, como ações que estruturam uma pedagogia da sexualidade, pode se constituir também em um “discurso político e teórico que produz a representação ‘positiva’ da homossexualidade”. O autor não acredita que o discurso homofóbico tenha sido estruturado exclusivamente pelo texto médico, mas defende que a medicina utilizou de um discurso que pelo decorrer de anos veio sendo formado pela cultura, para fortalecer seu poder nas instituições sociais que sociais em que ele se encontrava. 

Na tópica “Dos conselhos médicos: educar para prevenir” o autor apresenta um levantamento informativo de que os conteúdos dos livros médicos dos anos de 1920 a 1950 traziam a educação como um mecanismo preventivo do comportamento homossexual e de outras questões consideradas problemáticas como doenças venéreas e a masturbação. As principais ideias médicas são consideradas pelo autor como proposições pedagógicas, que orientavam pais e professores como deveriam agir preventivamente frente a uma suposta homossexualidade de filhos ou alunos. 

“Instruir”, “descrever longamente”, “conhecer a fundo”, “regularizar o desejo sexual anômalo e canalizá-lo para outra atividade ou para a orientação considerada normal”, “a educação como tática para evitar os excessos” palavras e frases que pertencente a pedagogia influenciou autores da área educacional a produziram argumentos sobre o papel da educação na prevenção da homossexualidade.  

Em a “Educação, faca de dois gumes? Freud explica?” o autor segue informando que os olhares médico/patologizante inundavam a conceituação do que seria o ser homossexual e autores se desdobravam para explicar a ocorrência de comportamentos tidos como desviantes. Na área da educação, a criança, muitas vezes, era tida como um problema à ordem “natural” da sexualidade. 

Segundo Arthur Ramos (1949), o mais plausível seria conceber a homossexualidade como um fenômeno multifatorial, em que a Biologia e Psicologia se uniam para explicar tal fenômeno, escorados pelos pressupostos da teoria hormonal e hereditária. 

A visão biologizante se valeu do termo caractere para exemplificar estruturas fisiológicas/genéticas que determinavam o comportamento e manifestação da sexualidade na criança, e que sob este fundamento orgânico, a homossexualidade era representada pela hipertrofia de caracteres. (RAMOS, 1949). 

Ainda segundo Ramos (1949), neste período da história – séc. XIX a XX – seria necessária uma Pedagogização da sexualidade, amparada pela teoria e fases da sexualidade de Sigmund Freud, para impedir o desvio para a homossexualidade; para tal, a educação, alinhada à visão médico-patologizante, deveria exercer um papel fundamental de adequação do indivíduo, não reprimindo totalmente, mas parcialmente os desejos e instintos primitivos/sexuais da criança em seu período de desenvolvimento psicossexual; o binarismo sexual era louvado. 

O Movimento da Escola Nova exerceu função importante no cenário da educação brasileira, acreditando numa renovação educacional que previa uma tríade funcional saúde-moral-trabalho, e tinha por missão:
“ensinar crianças e jovens com o propósito de colocar o educando em condição de responder aos requisitos da nova sociedade e a via para a obtenção desse fim seria a compreensão metódica e objetiva das características psicológicas, biológicas e sociais do indivíduo submetido à situação escolar.” (SILVA, 2012 apud CUNHA, 2010).

Segundo Silva (2012):
               “...por se tratar de um distúrbio que muito tinha a ver com o ambiente social desses sujeitos, o ideal era chamar os responsáveis pela sua educação para promoverem a correção: pais e educadores/as. A família e a escola agora se constituíam como instituições fundamentais a serem incluídas no processo de pedagogização para a prevenção das práticas homossexuais.”





GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.





GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2013. 158 p.


RESUMO


Goffman, sociólogo e escritor, esclarece qual a relação do “estigma e desvio social”. Para o autor essa relação é determinada pelo contexto sociocultural no qual os indivíduos estão inseridos. Ele reexamina os conceitos de estigma e os discute relacionando-os com a informação social que os indivíduos transmitem sobre si, ou seja, busca uma compreensão de como as relações sociais se estabelecem e sua permanência como ideia normatizada na sociedade. Em seu livro “Estigma [...]” o autor traz cinco perspectivas que pretende elucidar: Estigma e identidade social, controle de informação e identidade, alinhamento grupal e identidade do eu, o eu e o seu outro e desvios e comportamento desviante. Num primeiro momento faz um apanhado histórico para o termo “estigma” a fim de introduzir como esse conceito se atualizou e estabeleceu. O estigma poderia ser o que determinaria “a priori” da identidade ou identificação, pois isento de contato o juízo moral já estaria pré-estabelecido aos indivíduos. O papel social estaria consolidado. Para o autor o estigma é uma situação em que o indivíduo está indisponibilizado de defesa porque já estaria condenado e, portanto, a sua aceitação social não poderia ser plena. A sociedade possui em sua estrutura categorizações pré-definidas, por isso estigma seria uma qualidade que torna sem efeito o direito já que impõe sobre o outro uma imagem social prévia, sendo logicamente um mecanismo que executa um controle social. Segundo o autor “O normal e o estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro.” (p.148-149). Logo, o estigma está para diferenciar sempre de forma negativa um ou vários indivíduos grupais em equivalências. Deseja, então, determinar pela comparação a “normatividade”. Por essa causa muitos indivíduos acabam, por tornarem-se reféns de um papel que define aceitação, pois se sentem obrigados a realizar a manutenção constante de sua identificação e da interação nos grupos a que pertencem, bem como as normas maiores (moral), tendo, assim sua liberdade de ação tolhida ou limitada. Dessa forma a inadequação as normas daquilo que se julga “normal” tornaria o indivíduo que não se enquadra, por assim dizer “estigmatizado”. A conduta para com esses seria a priori discriminatória e excludente. Daí vê-se a utilização de termos pejorativos em referência a essa inadequação ou “anormalidade”. Numa ação que clama por aceitação o estigmatizado se esforçaria para ser aceito pela maioria grupal ou em reação tornar-se combativo. Goffman afirma: “pode-se acrescentar que a pessoa estigmatizada algumas vezes vacila entre o retraimento e a agressividade, correndo de um para a outra, tornando manifesta, assim, uma modalidade fundamental na qual a interação face-to-face pode tornar-se muito violenta.” (p.27). Essas categorizações sociais pré-estabelecidas podem ser negativas ou positivas recebendo pelo indivíduo o caráter de maior ou menor prestígio influindo em sua autoestima e em como ele se relaciona consigo mesmo a depender de como o outro reage. Esse processo que envolve as funções psíquicas superiores vai se tornando determinante das interações sociais, visto que a autoimagem só poderia ser aceita se os outros indivíduos também a aceitassem. O ponto culminante de toda essa relação processual é que a depender de como o grupo reage ao estigmatizado modifica a leitura individual de si mesmo. Muitas vezes os indivíduos passam a se depreciarem e se auto-odiarem por não estar adequados à norma. A sociedade afirma que ele faz parte do grupo amplo, mas contraditoriamente lhe impõe a “diferença” como estigma, já que negar essa diferença seria absurdo. “A diferença, em si, deriva da sociedade, porque, em geral, antes que uma diferença seja importante ela deve ser coletivamente conceptualizada pela sociedade como um todo” (p. 134). Esse processo que inferioriza pessoas é matriz geradora de disque-me-disque, depreciações e maculações difundidas pelas culturas de massas reafirmando padrões e generalizações negativas que ao longo do caminho assumem caráter de “verdade” e minam qualquer chance de defesa e de unidade entre membros de grupos inferiorizados os quais, infelizmente, muitas vezes não esboçam reação assumindo a qualidade que lhes foi imputada.





Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...