quinta-feira, 10 de outubro de 2019

IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO EDUCACIONAL PARA ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM CONTEXTO HOSPITALAR E ONCOLÓGICO


INTRODUÇÃO

            O conhecimento a despeito do câncer atualmente expõe relevância e popularidade pelos altos índices de seu aparecimento em meio à população mundial e especificamente, no Brasil. No entanto, esta doença não é nova e há registros de sua presença na pré-história – antiguidade. Existem evidências a partir dos estudos em fósseis de sítios pré-históricos, cuja presença de câncer no período grego antigo é reconhecida, sendo nomeado de “carangueijo”. Contudo, é somente no século XX, em 1950 que os estudos sobre o câncer têm início (ADAM, 2001).
            A primeira descrição feita desta doença ocorreu sob a ótica de Galeno que relacionou os estados emocionais de uma pessoa ao surgimento de tumores corporais, porém o pioneirismo do vernáculo karkínos (câncer) é referido a Hipócrates (460 a. C. - 377 a. C.), figura grega importante considerada “pai da medicina” (COELHO, 1998; ADAM, 2001; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
            Neste período o câncer começa então a ocupar espaços na consciência coletiva sendo percebida como um flagelo semelhante ao das grandes epidemias como foi à tuberculose e a lepra sendo, portanto um medo semelhante ao do passado gerando uma obcessão por parte das populações, porque na representação coletiva está relacionado à iminente morte. Por essa razão e com motivos é considerado um modelo principal da doença do século moderno, também chamado de “flagelo moderno” (ADAM, 2001, p. 26).
Para entendermos como a hegemonia biomédica se consolidou, precisamos entender primeiro quais foram os processos históricos que possibilitaram essa consolidação. Afinal, o tempo presente nunca está isento de seu contexto político, econômico e sociocultural.
            Como vimos os homens sentiram-se impotentes diante da doença por um longo período. Na antiguidade estava relacionada ao destino, na Idade Média passa a ser vista como castigo divino. A prática médica ficava nas mães de curandeiros e benzedores, cujos remédios eram empíricos, e os rituais eram mágicos e místicos envolvendo poções de ervas, orações e penitências (ADAM, 2001).
            A medicina moderna rompe com as proximidades entre medicina, magia e religião estabelecendo orientação científica e o papel do médico ganha forma pela busca de saberes: racionalizados e lógicos. A medicina tradicional nasce baseada no empirismo e na dissecação de corpos, ou seja, as causas deveriam ser investigadas no campo biológico (ADAM, 2001).
O câncer é uma doença que embora não seja contagiosa, não possuindo a característica da epidemia coletiva é assustadora pela quantidade de incidências nas populações com evolução rápida em alguns casos e em outros sendo mais prolongado o que gera despesas e grande investimento, tanto financeiro quanto emocional e psicológico, tanto do paciente quanto da área médica (ADAM, 2001).
Atualmente o câncer está entre um dos principais males da sociedade e não depende de gênero, classe social ou idade. Os principais cânceres e mais frequentes em homens estão relacionados à próstata, pulmão, esôfago, estomago, cólon e reto.  Em mulheres os mais comuns são os de mama, útero, cólon, reto, pulmão e estômago (CHRISTO; TRAESEL, 2009).
Em crianças abaixo de cinco anos, a leucemia - 30% dos casos - é predominante, sendo 0,5% a 3 % leucemia, linfomas Hodgkin e não Hodgkin e tumores do Sistema Nervoso Central (SNC).  Em 2008, a estimativa de câncer pediátrico foi de 3%, permanecendo a mesma para 2018-2019, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em relação a todos os outros tipos de cânceres aparentes na população brasileira. Para o biênio 2018-2019 a estimativa é de 12.500 novos casos de câncer entre crianças e adolescentes (até os 19 anos), destes 2.704 resultarão em morte (COHEN; MELO, 2010; ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012; OLIVEIRA; PAZ, 2015; JOAQUIM ET AL., 2017, BRASIL, 2018; BRASIL, 2019).
Embora no imaginário popular o câncer seja entendido como uma sentença de morte, isso não é verdade, pois atualmente a medicina oncológica é detentora de muitos recursos e tratamentos que minimizam a ocorrência de morte relacionada ao câncer e, em especial, às crianças; sabe-se que 70% delas se diagnosticadas precocemente possuem a chance de cura e tratamento. O câncer em crianças possuem características particulares e específicas, pois são rápidos em desenvolvimento, porém respondem de forma mais positiva aos tratamentos utilizados em seu combate com um bom prognóstico (COHEN; MELO, 2010; JOAQUIM ET AL., 2017; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Pode-se afirmar que o câncer está na origem do hospital moderno, pois os centros de tratamento do câncer estão entre os serviços que encabeçam pesquisas e tratamentos, caracterizando a sociedade contemporânea (ADAM, 2001). No entanto, para entendermos como o processo saúde e doença são entendidos atualmente faz-se necessário revisarmos as diferentes visões que marcaram a história do adoecimento. Nesta linha de pensamento pensar como a medicina enxerga as causas e manifestações da doença ajuda a compreender as concepções biomédicas a respeito da doença, incluindo o câncer.
Muitos foram os modelos e teorias criados para definir saúde. Sempre foi uma preocupação do ser humano conhecer, explicar o adoecimento, bem como curar, prevenir e prolongar a existência. Como já observamos a produção de saberes e esclarecimentos sobre a doença evoluiu do misticismo, da divindade para o conhecimento científico, médico ou sanitário (REZENDE, 1986; ADAM, 2001).
Alguns foram os modelos explicativos de saúde e doença, sendo os principais: 1) Teoria unicausal da doença: No século XIX, com a descoberta do micróbio e o surgimento do conceito de “agentes biológicos” passou-se a compreender a doença como tendo uma única causa, ignorando-se as causas socioambientais; 2) Teoria da multicausalidade da doença ou Teoria ecológica de Leavell-Clark das doenças infecciosas: neste modelo, já no século XX, passou-se a entender a doença como múltiplas causas, ou seja, causas coexistem e não podem ser explicadas. Buscou-se identificar as causas possíveis e tratá-las. A ciência adota a postura positivista designada por termos como normalidade e anormalidade. 3) Epidemiologia Social: a saúde e doença passa a ser entendida como um processo biológico e social que possui uma história própria. Não há prevalência da ideia de causa e efeito, mas de uma estrutura que envolve tanto a filogênese, quanto a ontogêne e a sociogênese, tendo influências do materialismo histórico (REZENDE, 1986).
Na década de 70 abriu-se, dessa forma espaço para os fatores de ordem social e econômica e verificou-se a necessidade de saneamento básico. Os movimentos higienistas influenciaram a relação entre saúde e doença e influências de fatores sociais, ambientais sobre o processo de adoecimento. É na década de 30 que surge o estudo dos fatores psicológicos, psicossociais e sociais, no entanto o reconhecimento destes fatores não significava que se deveria substituir o biológico pelo social, mas identificar como eles interagem mutuamente no processo (REZENDE, 1986).
A partir de estudos feitos com doenças crônicas, principalmente coronarianas, do coração, vários tipos de câncer e doenças mentais, ainda na década de 70, surgem uma nova corrente de pesquisas que vão priorizar a compreensão dos caminhos de interação social e biológica na produção da doença. Fica evidente a preocupação com as variáveis individuais e singulares como, capacidades de enfrentar situações difíceis, estresse, características subjetivas de personalidade e importância do apoio e do suporte social (ADAM, 2001).
É neste momento histórico que aparece a psicologia como uma ciência que se insere no campo de estudos sobre a saúde. As explicações do processo saúde e doença vão englobar uma perspectiva psicológica e a atuação do psicólogo torna-se importante nesta área. Três serão as vertentes de estudos no campo da psicologia em contexto de saúde: 1) Intra-individual: forte influência da psicanálise e de teorias da personalidade. A ideia de que reprimir as emoções geraria câncer vem deste período na década de 30. 2) Psicossocial: eventos estressantes estariam correlacionados à doença e o estilo de vida passa a ser uma responsabilidade individual, daí a importância da educação para prevenção, isto já na década de 50 e 60. 3) Construtivista ou Construcionista: nos anos 70 “ [...] não tem por objetivo formular leis causais; a doença é vista como um fenômeno psicossocial, historicamente construído, e, como tal - é, sobretudo, um indicador da ideologia vigente sobre o adoecer e os doentes em uma determinada sociedade.” (SPINK, 1992, p. 134).
A psicologia da saúde e a hospitalar diferem-se pela condição histórica e cultural de cada país. De forma geral, no mundo, a atuação do psicólogo em contexto hospitalar está inserida na psicologia da saúde, sendo inexistente uma psicologia hospitalar, mas no Brasil a psicologia hospitalar se estabelece, sendo possível especializar-se neste contexto (CASTRO; BORNHOLDT, 2004).
No entanto, elas não são iguais, pois enquanto a psicologia da saúde estuda conceitos complexos que envolvem a organicidade humana e seu funcionamento englobando tanto a atenção primária, secundária e terciária, a psicologia hospitalar volta-se para a instituição real cuja função está no tratamento de enfermidades que necessitam de internação ou não, ou seja, a doença já está instalada, sendo possível, apenas intervenções secundárias e terciárias para prevenir reações adversas de ordem física, emocional ou social (CASTRO; BORNHOLDT, 2004).
Enquanto o psicólogo da saúde trabalha com equipe multiprofissional sanitário, atuando no campo das pesquisas e na promoção de intervenção clínica e educativa, o psicólogo hospitalar atua centralmente no contexto secundário e terciário da atenção básica à saúde, em instituições de saúde. As suas atividades estão relacionadas a atendimentos psicoterápicos em grupos psicoterapêuticos, psicoprofiláticos, ambulatoriais, UTI’s (Unidades de Terapia Intensiva), pronto-socorro, enfermarias, psicomotricidade no hospital, psicodiagnósticos e avaliação, consultorias e interconsultorias (CASTRO; BORNHOLDT, 2004).
A dinâmica Hospitalar evoca urgência fisiológica e a marcação do tempo dá ênfase ao atendimento pontual focado na necessidade aparente, cujo diagnóstico é objetivo e o tratamento objetiva a cura. Pode-se afirmar que o mesmo ocorre com a abordagem psicológica que deseja eliminar o mal estar emocional e psíquico, reforçando a ideia equivocada de “mestre”, aquele que tudo sabe e pode resolver. Neste contexto a lógica biomédica é objetivada na cura, pois o que foge disso é revelador do limite de cada um, já que a morte é desafiadora para todos os envolvidos no contexto hospitalar, inclusive o psicólogo (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Como estamos dissertando sobre o câncer, em específico o infantil, e por ser este uma doença geralmente já instalada e cuja descoberta pode ter ocorrido no início ou já em fase avançada, faz-se necessário entender o contexto hospitalar, já que em sua maior parte será lá que crianças acometidas por esta enfermidade serão atendidas e tratadas. Logo, compreender a atuação do psicólogo neste contexto, bem como a psico-oncologia é fundamental para apreensão das dinâmicas hospitalares que envolvem o paciente, sua família, profissionais de saúde, incluso o psicólogo.
A Psico-Oncologia está em comunicação com a psicologia e a oncologia. Ela aborda assuntos de natureza psicossocial envolvidos no processo de adoecimento que o câncer impõe. Desta forma as estratégias utilizadas na psico-oncologia buscam intervir para auxiliar o paciente e a família na aceitação e enfrentamento da doença mediante novas realidades objetivando melhores condições na qualidade de vida de todos os envolvidos (VIANNA ET AL., 2011 APUD SCANNAVINO ET AL., 2013; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
A psico-oncologia, portanto, vai estudar os sentimentos e os comportamentos individuais humanos, a fim de produzir saberes para auxiliar os profissionais psicólogos no atendimento de seus pacientes com câncer. Vai estudar as variáveis existentes no processo de adoecimento, tanto as psicológicas como as comportamentais. Irá utilizar técnicas para dar dinâmica aos efeitos do tratamento, bem como auxiliar no estabelecimento dos recursos psicológicos do paciente, focando no processo do adoecimento, na cura e nas intervenções que melhorem as relações de enfrentamento desta nova realidade (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
A portaria 3535 definiu em 1998 que é obrigatório a presença de um profissional psicólogo em todos os centros de tratamento oncológico, inserindo-o em equipes profissionais de saúde a fim de acompanhar estes pacientes, já que pacientes com câncer e familiares se encontram em condições de vulnerabilidade e insegurança (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
A vulnerabilidade implica num agravamento de quadros adoecidos pela suscetibilidade a condições físicas, emocionais, psicológicas e sociais e, portanto a garantia de proteção e cuidado a essas pessoas é indispensável. Não é apenas uma medida probabilística de risco, mas um acontecimento concreto, uma identidade social que se estabelece como “grupos de risco”, e o câncer faz parte desta concretude (PAIVA; AYRES; BUCHALLA, 2012).
Muitas são as experiências experimentadas pelo paciente oncológico infantil e seus familiares. Dentre eles o medo da morte, a perda, a aniquilação física e psíquica, a separação física e psicológica. O câncer infantil expõe a criança e a família ao estresse por diversas razões, entre elas estarem privadas convívio familiar e de amigos e colegas do âmbito escolar e social, terem que adaptar-se a uma nova rotina de horários, aos cuidados paliativos, sendo privados de brincarem com seus pares em contextos naturais de sua idade, cuidados com alimentação e dieta nutricional às vezes restrita pelos efeitos de tratamentos quimioterápicos, febre, dor, fraqueza, sonolência, quedas de cabelo, uso de máscaras protetivas, desequilibração da estrutura familiar, gerando crises complexas (COHEN; MELO, 2010; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Essas crises mediante o diagnóstico inesperado evocam o surgimento de grandes problemas como dificuldade de aproximação, crises financeiras, sacrifícios, angústias, sentimentos de impotência diante do inevitável, luta pela superação da doença que ocorre de forma dicotômica, já que a presença de sentimentos como amor e ódio, esperança e descrença vão aparecendo durante as diversas fases do tratamento (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Além disso, o câncer tem como consequências o surgimento da dor e desconforto. A estima acaba por ficar em baixa mediante as incertezas que o futuro lhe reserva. Ideias suicidas aparecem junto ao medo, ao pânico alterando comportamentos, gerando transtornos de ordem geral, dificultando relacionamentos no âmbito familiar e social, gerando quadros depressivos e ansiógenos, entre outras coisas (COHEN; MELO, 2010; ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012; SCANNAVINO ET AL., 2013; OLIVEIRA; PAZ, 2015; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Crianças com câncer enfrentam uma das piores condições humanas, a dor, sendo esta, um dos sintomas mais comuns e angustiantes que elas podem experimentar. Os protocolos de tratamento, inseridos em sua vida objetivando diagnosticar e tratar são potencialmente dolorosos. Isto se agrava, porque a dor muitas vezes não pode ser mensurada, principalmente em crianças abaixo dos três anos de idade (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Importante lembrar a similaridade da dor infantil com a adulta, incluindo transdução, transmissão, modulação ou percepção, sendo que a diferença está na interação entre estes mecanismos, já que vários fatores podem influenciar a expressão da dor em crianças, entre eles a hereditariedade, o gênero, a maturação do SNC, a cognição, a personalidade, as experiências anteriores, a gravidade e o autocontrole (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
 Mediante todo esse processo de vulnerabilidade a atuação do profissional psicólogo é essencial na articulação entre o que é sentido, vivido, experenciado pelo paciente, seus familiares e amigos, bem como por todos os profissionais envolvidos na tarefa de possibilitar melhores condições de vida mediante a humanização do sofrimento, pois se o sofrimento psicológico e emocional destas pessoas for ignorado haverá implicações significativas na qualidade de vida de todos os envolvidos afetando-os negativamente e prejudicando a adesão aos tratamentos que podem reabilitar o indivíduo adoecido. Há segundo Linden et al. (2009) apud Scannavino et al. (2013) grandes possibilidades do aparecimento da depressão entre pacientes com câncer em relação a população saudável, sendo necessário intervenção profissional precoce reforçando a importância do atendimento psicológico (COHEN; MELO, 2010; ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012;  SCANNAVINO ET AL., 2013; OLIVEIRA; PAZ, 2015; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
O psicólogo é aquele que pode proporcionar ao paciente, e junto a ele, suporte para lidar com a vida e a morte. Não somente a criança precisa de auxílio, mas seus familiares e cuidadores, já que enfrentam a impotência e a culpa por não darem conta da possível morte, já que estar diante a morte traz à luz a consciência da mortalidade: sou mortal, sou finito (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
A ajuda profissional muitas vezes é evocada para estancar problemas psíquicos do paciente e da família, porém ao se depararem com a realidade apresentada nas queixas percebem que a demanda está em suas limitações de enfrentamento do que propriamente no que está diante deles inevitavelmente (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Por ser o psicólogo oncológico pediátrico aquele que cuida dos fatores psíquicos da criança cabe a ele “[...] desenvolver recursos de apoio aos cuidadores, profissionais ou não, para que atuem como coparticipantes de todo o tratamento [...] estratégias de autocuidado e fortalecimento, visando a manutenção de sua própria saúde física e mental” (OLIVEIRA; PAZ, 2015, p. 181). Desta forma a intervenção realizada pelo psicólogo faz uma enorme diferença no contexto hospitalar porque trabalha a subjetividade da dor diante das emoções experimentadas pelo paciente pediátrico e familiares, bem como auxilia o cuidador do mesmo a assegurá-lo e apoiá-lo (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
O objetivo deste profissional é trabalhar para a prevenção, minimização dos sofrimentos humanos oriundos da doença, compreensão dos símbolos que auxiliam na ressignificação do processo, levando em consideração que geralmente é a mãe a cuidadora principal, por isso faz-se necessário potencializá-la em todas as escalas da doença. Essa mãe deve ser vista pelo profissional psicólogo com imenso carinho, porque é ela que muitas vezes participa de todo o processo terapêutico e ajudá-la é ajudar o paciente, culminando na melhora da qualidade de vida reafirmando, desta forma, a integralidade de seu trabalho profissional (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Os grupos de apoio são importantes para o fortalecimento dos vínculos de afeto entre os pares e é o profissional que reforça esses vínculos nesses grupos. Conhecer, portanto a teoria da doença oncológica ajuda também na atuação do psicólogo junto à equipe multiprofissional. No âmbito hospitalar, em específico em relação aos pacientes oncológicos, é de suma importância que a psicologia e a medicina trabalhem juntas e integradas e as equipes interdisciplinares merecem destaque, pois o paciente com câncer carece ser atendido numa totalidade que envolve aspectos físicos, psicológicos e sociais (CHRISTO, TRAESEL, 2009; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Muitos são os trabalhos efetuados com crianças em processo de adoecimento relacionado ao câncer, tanto em cuidados paliativos, como em ações sociais que buscam salvaguardar a infância e as singularidades deste período. Em relação aos cuidados paliativos que priorizam uma sobrevida não sofrida, restabelecendo a lógica do cuidado com o corpo infantil como sinal de sensibilização para com o outro, pode-se afirmar que esses escamoteiam o “ser” doente em função de procedimentos e ações emergentes, negando a ela a integralidade que envolve a escuta real de suas necessidades que está mais no âmbito biopsicossocial da criança adoecida (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Os tratamentos medicamentosos ainda são os que apresentam melhor eficácia, embora possuam efeitos colaterais incômodos como a quimioterapia – causa de dores neuropáticas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconizou em 1986 uma escada analgésica para o tratamento da dor no corpo (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012). Esta escada analgésica pode ser assim entendida, conforme quadro abaixo:

Quadro 1. Dados obtidos e organizados a partir de informações de Araújo, Oliveira e Silva (2012, p. 27) sobre a escada analgésica, conforme determinação da Organização Mundial da Saúde - OMS.

1. DOR FRACA



Analgésicos comuns: dipirona, paracetamol e anti-inflamatório não esteroide (AINES).
2. DOR PERSISTENTE


Opióide fraco mais os anteriores.
3. DOR INTENSA

Opióide de alta potência – morfina mais os anteriores. Anestesia tópica local: EMLA mistura eutética de lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5%. A dose em crianças é de 1 a 2 gramas aplicadas em intervalos de 40 a 60 minutos.
4. PROCEDIMENTOS INVASIVOS
Neurocirurgias, bloqueios nervosos e neurólises.

A utilização de medicina alternativa complementar (MAC) é uma das formas de minimizar o sofrimento, em cuidados paliativos, durante o processo saúde e doença e está em crescimento sendo estimada em 31% e 84%. A hipnose e a acupuntura são as que apresentam melhores resultados e maior eficácia nos tratamentos de câncer (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012). 
A terapia com massagens minimizam efeitos psicológicos e colaterais. A hipnose pode ser um tratamento coadjuvante da dor e da ansiedade. A acupuntura pode liberar encefalinas, serotonina, endorfinas, além de regularem o Sistema Nervoso Autônomo (SNA), bem como auxiliam nos vômitos e náuseas. A musicoterapia ajuda no alívio da dor e ansiedade, redução de cortisol, aumento de ocitocina e bem estar pessoal. Todas essas alternativas melhoram as condições de vida de pacientes oncológicos, mas necessitam ainda de pesquisas que reafirmem a sua eficácia (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Outros recursos utilizados são de ordem social e priorizam a não exclusão da criança de seu mundo particular. Geralmente as crianças acometidas pelo câncer estão em idade escolar e muitas vezes são retiradas de seu ambiente educacional por todas as implicações relativas à doença. A utilização de projetos dentro dos hospitais possibilita amenização dos impactos da doença nos relacionamentos interpessoais. A utilização do lúdico ajuda a criança a lidar com as sensações ruins que permeiam o ambiente hospitalar que muitas vezes é inóspito e a coloca no protagonismo através do diálogo e da brincadeira obtendo mudanças diárias de rotina (PEDROSA ET AL., 2007; COHEN; MELO, 2010; AZEVEDO, 2011; INSTITUTO DESIDERATA, 2015; ABRALE, 2019; SANTOS ET AL., 2013).
 A classe hospitalar ao trazer os conteúdos pragmáticos para o hospital ajuda a diminuir as consequências desse afastamento da rotina escolar e ajuda de forma significativa à criança no acesso a educação e a experimentar a possibilidade de não ter sua vida escolar fracassada. As diretrizes da Educação Especial garantem o atendimento pedagógico-educacional das crianças hospitalizadas, com organização de classes escolares, e em caso de internações o professor deve propiciar adequação do programa vigente na rede regular de ensino à classe especial hospitalar. Desta forma a criança se sente parte da escola, pertencimento social – amenizando os prejuízos acadêmicos (COHEN; MELO, 2010).
O projeto “Dodói” foi criado em parceria com a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – ABRALE - fundada em 2002 e o Instituto Mauricio de Sousa e tem como objetivo trazer de volta a infância de crianças com câncer através do sonho, da brincadeira, da criatividade e da humanização do atendimento, a fim de que haja um restabelecimento mais rápido e feliz de sua saúde. Esse projeto está há mais de dez anos atuando pela humanização do câncer infantil e até 2017 já atendeu 4560 crianças gratuitamente, capacitou 194 profissionais em 40 instituições hospitalares de 14 estados brasileiros, entre elas o Hospital Regional de Passos/MG - 60 crianças atendidas; o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/SP - 60 crianças atendidas e o Hospital de Câncer de Barretos/SP - 200 crianças atendidas (ABRALE, 2019).
O Kit Dodói é composto por bonecos: Mônica e Cebolinha Dodói, manual de orientação da equipe de saúde, um gibi contendo três histórias, uma revista de atividades, cinco cartazes, jogos e avisos de porta, escala de dor, cartões de diagnóstico, livro ilustrado - o câncer infantil, arte adesivo, arte para máscara hospitalar, cartilha dos pais, caixa de histórias, aplicativo Dodói e botton. Todos esses recursos auxiliam nas atividades escolares e lúdicas que enriquecem o dia-a-dia das crianças com câncer (ABRALE, 2019).
Outro projeto inaugurado em 2007, no Rio de janeiro é o “Aquário Carioca”, cujo objetivo é “[...] contribuir para o fortalecimento de políticas públicas que garantam diagnóstico precoce, acesso rápido e tratamento de qualidade para crianças e adolescentes com câncer [...] humanizar o tratamento nos hospitais públicos.” O “Aquário Carioca” aposta que a prevalência de um ambiente cheio de alegria, percepções sensoriais e ludicidade podem ser benéficas ao clima hospitalar influenciando-o de forma positiva. (INSTITUTO DESIDERATA, 2015, p. 05).
 São oferecidos aos que esperam brinquedos, livros e computadores e poltronas coloridas e confortáveis. Na sala de quimioterapia optou-se por cores pastéis a fim de proporcionar tranquilidade na realização do tratamento. “As salas de quimioterapia abraçadas pelo Aquário Carioca são ambientadas com uma cenografia de fundo do mar, símbolo de aconchego e recolhimento”. O tomógrafo ganha um design de brinquedo – Submarino Carioca e realiza cerca de 925 exames por ano. A hospedaria infantil abriga meninas e meninos entre 12 e 16 anos disponibilizando tecnologias e jogos, beneficiando cerca de 60 adolescentes por ano (INSTITUTO DESIDERATA, 2015, p. 13).
Projetos esporádicos também ocorrem como iniciativas particulares como o do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), com 60 crianças portadoras de neoplasias malignas. Durante o projeto que durou um ano (2004-2005) as crianças tiveram acesso a recursos lúdicos em um carrinho itinerante com livros e brinquedos doados que a cada 15 dias eram reciclados e desinfectados. Esse projeto “[...] atingiu o objetivo, na medida em que tornou o ambiente hospitalar mais agradável à criança e permitiu, de forma favorável, a continuidade do desenvolvimento humano, através do prazer de ler e de brincar” (PEDROSA, 2007, p. 105).
No Hospital Infantil Varela Santiago Natal (RN), o projeto “Lazer e tratamento” busca ajudar crianças em tratamento oncológico disponibilizando atividades de lazer e cultura e momentos lúdicos. “A brinquedoteca é um bom espaço para a realização e a excitação do lazer para/com essas crianças, pois nela, elas exercem o seu importante e grande direito que é o brincar. Este momento de lazer torna-se um aliado combatendo o processo de depressão infantil [...]” (SANTOS ET AL., 2013, p. 03).
Esses são alguns exemplos de trabalho hospitalar em projetos que visam à melhora da qualidade de vida de pacientes oncológicos infantil e seus familiares. Verifica-se que o lazer, a brincadeira, o lúdico, a ambientação são ferramentas importantes no auxílio do cuidado das crianças com câncer, podendo ser realizados por todos os envolvidos no contexto hospitalar, incluindo o psicólogo. Essas ações mobilizam a socialização, a melhora de sintomas, distraem a criança mudando o foco da dor e do medo, une as famílias e equipes multiprofissionais, proporcionam conforto, apoio, servem de incentivo ao tratamento e ajudam na mudança de quadros clínicos (PEDROSA, 2007; INSTITUTO DESIDERATA, 2015; ABRALE, 2019; SANTOS ET AL., 2013).
A inserção do graduando em psicologia “in lócus” é imprescindível para a formação profissional, visto que é na realidade investigativa e radical que o profissional internaliza as teorias e pode assim relacioná-las a prática. Dessa forma a aprendizagem não se resume a teoria e a técnica, mas também se apropria do mundo e da realidade social em que determinada profissão está inserida (CHRISTO, TRAESEL, 2009). Castro e Bornholdt afirmam:

Para que o psicólogo esteja capacitado a trabalhar em saúde, é imprescindível refletir se sua formação lhe dá as bases necessárias para essa prática. A aprendizagem não deve ser só teórica e técnica, pois o psicólogo tem que ser comprometido socialmente, estar preparado para lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de atuar em equipe com outros profissionais. (CASTRO e BORNHOLDT, 2004, p. 51).


O atendimento deve se voltar para a pessoa com câncer a fim de trazer a luz, diariamente, sua perspectiva de vida, enquanto ser presente no mundo, independentemente de todos os procedimentos técnicos que envolvem o paciente e o tratamento da doença.  É importante a continuação dos estudos referentes à temática explorada em estudos mais aprofundados como pós-graduação. É preciso que dar ênfase a importância da pesquisa-ação e da formação reflexiva e prática, enquanto base para uma práxis que seja de fato investigativa e transformadora, além de produtora de novas culturas (SPINK, 1996; CASTRO E BORNHOLDT, 2004; CHRISTO, TRAESEL, 2009).

REFERÊNCIAS

ABRALE. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia: Projeto Dodói. Disponível em: <https://projetododoi.com.br/>. Acesso em: 08 mai. 2019.

ABRALE. Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia: Projeto Dodói na integração entre crianças com câncer e equipe multiprofissional. Disponível em: <https://projetododoi.com.br/ downloads/resultados.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2019.

ADAM, P.; H, C. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: EDUSC, 2001 (15-65 pp.).

ARAÚJO, C. M.; OLIVEIRA, B. M.; SILVA, Y. P. Avaliação e tratamento da dor em oncologia pediátrica. Revista Médica de Minas Gerais, MG, v. 22, nº 07, 22-31 p.; 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2018: Incidência de Câncer no Brasil. <http://www1.inca.gov.br/estimativa/2018/sintese-de-resultados-comentarios.asp>. Acesso em: 08 mai. 2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Ministério da Saúde alerta responsáveis e profissionais de saúde para o câncer em crianças. Publicado em 15/02/2019. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/noticias/ministerio-da-saude-alerta-responsaveis-e-profi ssionais-de-saude-para-o-cancer-em-criancas>. Acesso em: 08 mai. 2019.

CASTRO, E. K.; BORNHOLDT, E. Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 24, nº 03, 48-57 p., 2004.

CHRISTO, Z. M. de; TRAESEL, E. S.. Aspectos Psicológicos do Paciente Oncológico e a atuação da Psico-Oncologia no Hospital. Disc. Scientia. Série: Ciências Humanas, S. Maria, v. 10, n. 1, 75-87 p., 2009.

COELHO, F. R. G. Controle do câncer (In) BRENTANI, M. M.; COELHO, F. R. G.; IYEYASU, H. & KOWALSKI, L. P. (Eds.). Bases da Oncologia. São Paulo: Ed. Marina, 1998 (pp. 1-21).

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Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...