INTRODUÇÃO
O
conhecimento a despeito do câncer atualmente expõe relevância e popularidade
pelos altos índices de seu aparecimento em meio à população mundial e
especificamente, no Brasil. No entanto, esta doença não é nova e há registros
de sua presença na pré-história – antiguidade. Existem evidências a partir dos
estudos em fósseis de sítios pré-históricos, cuja presença de câncer no período
grego antigo é reconhecida, sendo nomeado de “carangueijo”. Contudo, é somente
no século XX, em 1950 que os estudos sobre o câncer têm início (ADAM,
2001).
A
primeira descrição feita desta doença ocorreu sob a ótica de Galeno que
relacionou os estados emocionais de uma pessoa ao surgimento de tumores corporais,
porém o pioneirismo do vernáculo karkínos (câncer) é referido a Hipócrates (460
a. C. - 377 a. C.), figura grega importante considerada “pai da medicina”
(COELHO, 1998; ADAM,
2001; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Neste
período o câncer começa então a ocupar espaços na consciência coletiva sendo
percebida como um flagelo semelhante ao das grandes epidemias como foi à
tuberculose e a lepra sendo, portanto um medo semelhante ao do passado gerando
uma obcessão por parte das populações, porque na representação coletiva está
relacionado à iminente morte. Por essa razão e com motivos é considerado um
modelo principal da doença do século moderno, também chamado de “flagelo
moderno” (ADAM,
2001, p. 26).
Para entendermos como a
hegemonia biomédica se consolidou, precisamos entender primeiro quais foram os
processos históricos que possibilitaram essa consolidação. Afinal, o tempo
presente nunca está isento de seu contexto político, econômico e sociocultural.
Como
vimos os homens sentiram-se impotentes diante da doença por um longo período.
Na antiguidade estava relacionada ao destino, na Idade Média passa a ser vista
como castigo divino. A prática médica ficava nas mães de curandeiros e
benzedores, cujos remédios eram empíricos, e os rituais eram mágicos e místicos
envolvendo poções de ervas, orações e penitências (ADAM,
2001).
A
medicina moderna rompe com as proximidades entre medicina, magia e religião
estabelecendo orientação científica e o papel do médico ganha forma pela busca
de saberes: racionalizados e lógicos. A medicina tradicional nasce baseada no
empirismo e na dissecação de corpos, ou seja, as causas deveriam ser
investigadas no campo biológico (ADAM,
2001).
O câncer é uma doença
que embora não seja contagiosa, não possuindo a característica da epidemia
coletiva é assustadora pela quantidade de incidências nas populações com
evolução rápida em alguns casos e em outros sendo mais prolongado o que gera
despesas e grande investimento, tanto financeiro quanto emocional e psicológico,
tanto do paciente quanto da área médica (ADAM,
2001).
Atualmente o câncer
está entre um dos principais males da sociedade e não depende de gênero, classe
social ou idade. Os principais cânceres e mais frequentes em homens estão
relacionados à próstata, pulmão, esôfago, estomago, cólon e reto. Em mulheres os mais comuns são os de mama,
útero, cólon, reto, pulmão e estômago (CHRISTO; TRAESEL, 2009).
Em crianças abaixo de
cinco anos, a leucemia - 30% dos casos - é predominante, sendo 0,5% a 3 %
leucemia, linfomas Hodgkin e não Hodgkin
e tumores do Sistema Nervoso Central (SNC).
Em 2008, a estimativa de câncer pediátrico foi de 3%, permanecendo a
mesma para 2018-2019, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em
relação a todos os outros tipos de cânceres aparentes na população brasileira.
Para o biênio 2018-2019 a estimativa é de 12.500 novos casos de câncer entre
crianças e adolescentes (até os 19 anos), destes 2.704 resultarão em morte (COHEN;
MELO, 2010; ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012; OLIVEIRA; PAZ, 2015; JOAQUIM ET AL.,
2017, BRASIL, 2018; BRASIL, 2019).
Embora no imaginário
popular o câncer seja entendido como uma sentença de morte, isso não é verdade,
pois atualmente a medicina oncológica é detentora de muitos recursos e
tratamentos que minimizam a ocorrência de morte relacionada ao câncer e, em
especial, às crianças; sabe-se que 70% delas se diagnosticadas precocemente
possuem a chance de cura e tratamento. O câncer em crianças possuem
características particulares e específicas, pois são rápidos em
desenvolvimento, porém respondem de forma mais positiva aos tratamentos
utilizados em seu combate com um bom prognóstico (COHEN; MELO, 2010; JOAQUIM ET
AL., 2017; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Pode-se afirmar que o
câncer está na origem do hospital moderno, pois os centros de tratamento do
câncer estão entre os serviços que encabeçam pesquisas e tratamentos,
caracterizando a sociedade contemporânea (ADAM,
2001). No entanto, para entendermos como o processo saúde e doença são
entendidos atualmente faz-se necessário revisarmos as diferentes visões que
marcaram a história do adoecimento. Nesta linha de pensamento pensar como a
medicina enxerga as causas e manifestações da doença ajuda a compreender as
concepções biomédicas a respeito da doença, incluindo o câncer.
Muitos foram os modelos
e teorias criados para definir saúde. Sempre foi uma preocupação do ser humano
conhecer, explicar o adoecimento, bem como curar, prevenir e prolongar a
existência. Como já observamos a produção de saberes e esclarecimentos sobre a
doença evoluiu do misticismo, da divindade para o conhecimento científico,
médico ou sanitário (REZENDE, 1986; ADAM,
2001).
Alguns foram os modelos
explicativos de saúde e doença, sendo os principais: 1) Teoria unicausal da
doença: No século XIX, com a descoberta do micróbio e o surgimento do conceito
de “agentes biológicos” passou-se a compreender a doença como tendo uma única
causa, ignorando-se as causas socioambientais; 2) Teoria da multicausalidade da
doença ou Teoria ecológica de Leavell-Clark das doenças infecciosas: neste
modelo, já no século XX, passou-se a entender a doença como múltiplas causas,
ou seja, causas coexistem e não podem ser explicadas. Buscou-se identificar as
causas possíveis e tratá-las. A ciência adota a postura positivista designada
por termos como normalidade e anormalidade. 3) Epidemiologia Social: a saúde e
doença passa a ser entendida como um processo biológico e social que possui uma
história própria. Não há prevalência da ideia de causa e efeito, mas de uma
estrutura que envolve tanto a filogênese, quanto a ontogêne e a sociogênese,
tendo influências do materialismo histórico (REZENDE, 1986).
Na década de 70
abriu-se, dessa forma espaço para os fatores de ordem social e econômica e
verificou-se a necessidade de saneamento básico. Os movimentos higienistas
influenciaram a relação entre saúde e doença e influências de fatores sociais,
ambientais sobre o processo de adoecimento. É na década de 30 que surge o estudo
dos fatores psicológicos, psicossociais e sociais, no entanto o reconhecimento
destes fatores não significava que se deveria substituir o biológico pelo
social, mas identificar como eles interagem mutuamente no processo (REZENDE,
1986).
A partir de estudos
feitos com doenças crônicas, principalmente coronarianas, do coração, vários
tipos de câncer e doenças mentais, ainda na década de 70, surgem uma nova
corrente de pesquisas que vão priorizar a compreensão dos caminhos de interação
social e biológica na produção da doença. Fica evidente a preocupação com as
variáveis individuais e singulares como, capacidades de enfrentar situações
difíceis, estresse, características subjetivas de personalidade e importância
do apoio e do suporte social (ADAM,
2001).
É neste momento
histórico que aparece a psicologia como uma ciência que se insere no campo de
estudos sobre a saúde. As explicações do processo saúde e doença vão englobar
uma perspectiva psicológica e a atuação do psicólogo torna-se importante nesta
área. Três serão as vertentes de estudos no campo da psicologia em contexto de
saúde: 1) Intra-individual: forte influência da psicanálise e de teorias da
personalidade. A ideia de que reprimir as emoções geraria câncer vem deste
período na década de 30. 2) Psicossocial: eventos estressantes estariam
correlacionados à doença e o estilo de vida passa a ser uma responsabilidade
individual, daí a importância da educação para prevenção, isto já na década de
50 e 60. 3) Construtivista ou Construcionista: nos anos 70 “ [...] não tem por
objetivo formular leis causais; a doença é vista como um fenômeno psicossocial,
historicamente construído, e, como tal - é, sobretudo, um indicador da
ideologia vigente sobre o adoecer e os doentes em uma determinada sociedade.”
(SPINK, 1992, p. 134).
A psicologia da saúde e
a hospitalar diferem-se pela condição histórica e cultural de cada país. De
forma geral, no mundo, a atuação do psicólogo em contexto hospitalar está
inserida na psicologia da saúde, sendo inexistente uma psicologia hospitalar,
mas no Brasil a psicologia hospitalar se estabelece, sendo possível
especializar-se neste contexto (CASTRO;
BORNHOLDT, 2004).
No entanto, elas não
são iguais, pois enquanto a psicologia da saúde estuda conceitos complexos que
envolvem a organicidade humana e seu funcionamento englobando tanto a atenção
primária, secundária e terciária, a psicologia hospitalar volta-se para a
instituição real cuja função está no tratamento de enfermidades que necessitam
de internação ou não, ou seja, a doença já está instalada, sendo possível,
apenas intervenções secundárias e terciárias para prevenir reações adversas de
ordem física, emocional ou social (CASTRO;
BORNHOLDT, 2004).
Enquanto o psicólogo da
saúde trabalha com equipe multiprofissional sanitário, atuando no campo das
pesquisas e na promoção de intervenção clínica e educativa, o psicólogo
hospitalar atua centralmente no contexto secundário e terciário da atenção
básica à saúde, em instituições de saúde. As suas atividades estão relacionadas
a atendimentos psicoterápicos em grupos psicoterapêuticos, psicoprofiláticos, ambulatoriais,
UTI’s (Unidades de Terapia Intensiva), pronto-socorro, enfermarias,
psicomotricidade no hospital, psicodiagnósticos e avaliação, consultorias e
interconsultorias (CASTRO;
BORNHOLDT, 2004).
A dinâmica Hospitalar
evoca urgência fisiológica e a marcação do tempo dá ênfase ao atendimento
pontual focado na necessidade aparente, cujo diagnóstico é objetivo e o
tratamento objetiva a cura. Pode-se afirmar que o mesmo ocorre com a abordagem
psicológica que deseja eliminar o mal estar emocional e psíquico, reforçando a
ideia equivocada de “mestre”, aquele que tudo sabe e pode resolver. Neste
contexto a lógica biomédica é objetivada na cura, pois o que foge disso é
revelador do limite de cada um, já que a morte é desafiadora para todos os
envolvidos no contexto hospitalar, inclusive o psicólogo (GUIMARÃES; PEREIRA,
2018).
Como estamos dissertando
sobre o câncer, em específico o infantil, e por ser este uma doença geralmente
já instalada e cuja descoberta pode ter ocorrido no início ou já em fase
avançada, faz-se necessário entender o contexto hospitalar, já que em sua maior
parte será lá que crianças acometidas por esta enfermidade serão atendidas e
tratadas. Logo, compreender a atuação do psicólogo neste contexto, bem como a
psico-oncologia é fundamental para apreensão das dinâmicas hospitalares que
envolvem o paciente, sua família, profissionais de saúde, incluso o psicólogo.
A Psico-Oncologia está
em comunicação com a psicologia e a oncologia. Ela aborda assuntos de natureza
psicossocial envolvidos no processo de adoecimento que o câncer impõe. Desta
forma as estratégias utilizadas na psico-oncologia buscam intervir para
auxiliar o paciente e a família na aceitação e enfrentamento da doença mediante
novas realidades objetivando melhores condições na qualidade de vida de todos
os envolvidos (VIANNA ET AL., 2011 APUD SCANNAVINO ET AL., 2013; OLIVEIRA; PAZ,
2015).
A psico-oncologia,
portanto, vai estudar os sentimentos e os comportamentos individuais humanos, a
fim de produzir saberes para auxiliar os profissionais psicólogos no
atendimento de seus pacientes com câncer. Vai estudar as variáveis existentes
no processo de adoecimento, tanto as psicológicas como as comportamentais. Irá
utilizar técnicas para dar dinâmica aos efeitos do tratamento, bem como
auxiliar no estabelecimento dos recursos psicológicos do paciente, focando no
processo do adoecimento, na cura e nas intervenções que melhorem as relações de
enfrentamento desta nova realidade (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
A portaria 3535 definiu
em 1998 que é obrigatório a presença de um profissional psicólogo em todos os
centros de tratamento oncológico, inserindo-o em equipes profissionais de saúde
a fim de acompanhar estes pacientes, já que pacientes com câncer e familiares se
encontram em condições de vulnerabilidade e insegurança (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
A vulnerabilidade
implica num agravamento de quadros adoecidos pela suscetibilidade a condições
físicas, emocionais, psicológicas e sociais e, portanto a garantia de proteção
e cuidado a essas pessoas é indispensável. Não é apenas uma medida probabilística
de risco, mas um acontecimento concreto, uma identidade social que se
estabelece como “grupos de risco”, e o câncer faz parte desta concretude
(PAIVA; AYRES; BUCHALLA, 2012).
Muitas são as
experiências experimentadas pelo paciente oncológico infantil e seus
familiares. Dentre eles o medo da morte, a perda, a aniquilação física e
psíquica, a separação física e psicológica. O câncer infantil expõe a criança e
a família ao estresse por diversas razões, entre elas estarem privadas convívio
familiar e de amigos e colegas do âmbito escolar e social, terem que adaptar-se
a uma nova rotina de horários, aos cuidados paliativos, sendo privados de
brincarem com seus pares em contextos naturais de sua idade, cuidados com
alimentação e dieta nutricional às vezes restrita pelos efeitos de tratamentos
quimioterápicos, febre, dor, fraqueza, sonolência, quedas de cabelo, uso de
máscaras protetivas, desequilibração da estrutura familiar, gerando crises
complexas (COHEN; MELO, 2010; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Essas crises mediante o
diagnóstico inesperado evocam o surgimento de grandes problemas como
dificuldade de aproximação, crises financeiras, sacrifícios, angústias,
sentimentos de impotência diante do inevitável, luta pela superação da doença
que ocorre de forma dicotômica, já que a presença de sentimentos como amor e
ódio, esperança e descrença vão aparecendo durante as diversas fases do
tratamento (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Além disso, o câncer
tem como consequências o surgimento da dor e desconforto. A estima acaba por
ficar em baixa mediante as incertezas que o futuro lhe reserva. Ideias suicidas
aparecem junto ao medo, ao pânico alterando comportamentos, gerando transtornos
de ordem geral, dificultando relacionamentos no âmbito familiar e social,
gerando quadros depressivos e ansiógenos, entre outras coisas (COHEN; MELO,
2010; ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012; SCANNAVINO ET AL., 2013; OLIVEIRA; PAZ,
2015; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Crianças com câncer
enfrentam uma das piores condições humanas, a dor, sendo esta, um dos sintomas
mais comuns e angustiantes que elas podem experimentar. Os protocolos de
tratamento, inseridos em sua vida objetivando diagnosticar e tratar são
potencialmente dolorosos. Isto se agrava, porque a dor muitas vezes não pode
ser mensurada, principalmente em crianças abaixo dos três anos de idade
(ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Importante lembrar a
similaridade da dor infantil com a adulta, incluindo transdução, transmissão,
modulação ou percepção, sendo que a diferença está na interação entre estes
mecanismos, já que vários fatores podem influenciar a expressão da dor em
crianças, entre eles a hereditariedade, o gênero, a maturação do SNC, a
cognição, a personalidade, as experiências anteriores, a gravidade e o
autocontrole (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Mediante todo esse processo de vulnerabilidade
a atuação do profissional psicólogo é essencial na articulação entre o que é
sentido, vivido, experenciado pelo paciente, seus familiares e amigos, bem como
por todos os profissionais envolvidos na tarefa de possibilitar melhores
condições de vida mediante a humanização do sofrimento, pois se o sofrimento
psicológico e emocional destas pessoas for ignorado haverá implicações significativas
na qualidade de vida de todos os envolvidos afetando-os negativamente e
prejudicando a adesão aos tratamentos que podem reabilitar o indivíduo adoecido.
Há segundo Linden et al. (2009) apud Scannavino et al. (2013) grandes
possibilidades do aparecimento da depressão entre pacientes com câncer em
relação a população saudável, sendo necessário intervenção profissional precoce
reforçando a importância do atendimento psicológico (COHEN; MELO, 2010; ARAÚJO;
OLIVEIRA; SILVA, 2012; SCANNAVINO ET AL.,
2013; OLIVEIRA; PAZ, 2015; GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
O psicólogo é aquele
que pode proporcionar ao paciente, e junto a ele, suporte para lidar com a vida
e a morte. Não somente a criança precisa de auxílio, mas seus familiares e
cuidadores, já que enfrentam a impotência e a culpa por não darem conta da
possível morte, já que estar diante a morte traz à luz a consciência da mortalidade:
sou mortal, sou finito (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
A ajuda profissional
muitas vezes é evocada para estancar problemas psíquicos do paciente e da
família, porém ao se depararem com a realidade apresentada nas queixas percebem
que a demanda está em suas limitações de enfrentamento do que propriamente no
que está diante deles inevitavelmente (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Por ser o psicólogo
oncológico pediátrico aquele que cuida dos fatores psíquicos da criança cabe a
ele “[...] desenvolver recursos de apoio aos cuidadores, profissionais ou não,
para que atuem como coparticipantes de todo o tratamento [...] estratégias de
autocuidado e fortalecimento, visando a manutenção de sua própria saúde física
e mental” (OLIVEIRA; PAZ, 2015, p. 181). Desta forma a intervenção realizada
pelo psicólogo faz uma enorme diferença no contexto hospitalar porque trabalha
a subjetividade da dor diante das emoções experimentadas pelo paciente pediátrico
e familiares, bem como auxilia o cuidador do mesmo a assegurá-lo e apoiá-lo (OLIVEIRA;
PAZ, 2015).
O objetivo deste
profissional é trabalhar para a prevenção, minimização dos sofrimentos humanos
oriundos da doença, compreensão dos símbolos que auxiliam na ressignificação do
processo, levando em consideração que geralmente é a mãe a cuidadora principal,
por isso faz-se necessário potencializá-la em todas as escalas da doença. Essa
mãe deve ser vista pelo profissional psicólogo com imenso carinho, porque é ela
que muitas vezes participa de todo o processo terapêutico e ajudá-la é ajudar o
paciente, culminando na melhora da qualidade de vida reafirmando, desta forma,
a integralidade de seu trabalho profissional (OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Os grupos de apoio são
importantes para o fortalecimento dos vínculos de afeto entre os pares e é o
profissional que reforça esses vínculos nesses grupos. Conhecer, portanto a
teoria da doença oncológica ajuda também na atuação do psicólogo junto à equipe
multiprofissional. No âmbito hospitalar, em específico em relação aos pacientes
oncológicos, é de suma importância que a psicologia e a medicina trabalhem
juntas e integradas e as equipes interdisciplinares merecem destaque, pois o
paciente com câncer carece ser atendido numa totalidade que envolve aspectos físicos,
psicológicos e sociais (CHRISTO,
TRAESEL, 2009; OLIVEIRA; PAZ, 2015).
Muitos são os trabalhos efetuados com crianças em processo de adoecimento
relacionado ao câncer, tanto em cuidados paliativos, como em ações sociais que
buscam salvaguardar a infância e as singularidades deste período. Em relação
aos cuidados paliativos que priorizam uma sobrevida não sofrida, restabelecendo
a lógica do cuidado com o corpo infantil como sinal de sensibilização para com
o outro, pode-se afirmar que esses escamoteiam o “ser” doente em função de
procedimentos e ações emergentes, negando a ela a integralidade que envolve a
escuta real de suas necessidades que está mais no âmbito biopsicossocial da
criança adoecida (GUIMARÃES; PEREIRA, 2018).
Os tratamentos
medicamentosos ainda são os que apresentam melhor eficácia, embora possuam
efeitos colaterais incômodos como a quimioterapia – causa de dores
neuropáticas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconizou em 1986 uma
escada analgésica para o tratamento da dor no corpo (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012). Esta escada analgésica pode ser assim entendida, conforme quadro abaixo:
Quadro
1. Dados obtidos e organizados a partir de informações de Araújo, Oliveira e Silva (2012,
p. 27) sobre a escada analgésica, conforme determinação da Organização Mundial
da Saúde - OMS.
1. DOR FRACA
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Analgésicos
comuns: dipirona, paracetamol e anti-inflamatório não esteroide (AINES).
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2. DOR PERSISTENTE
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Opióide
fraco mais os anteriores.
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3. DOR INTENSA
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Opióide de
alta potência – morfina mais os anteriores. Anestesia tópica local: EMLA
mistura eutética de lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5%. A dose em crianças é de
1 a 2 gramas aplicadas em intervalos de 40 a 60 minutos.
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4. PROCEDIMENTOS INVASIVOS
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Neurocirurgias,
bloqueios nervosos e neurólises.
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A utilização de medicina alternativa complementar (MAC) é uma das formas
de minimizar o sofrimento, em cuidados paliativos, durante o processo saúde e
doença e está em crescimento sendo estimada em 31% e 84%. A hipnose e a
acupuntura são as que apresentam melhores resultados e maior eficácia nos
tratamentos de câncer (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
A terapia com massagens minimizam efeitos psicológicos e colaterais. A
hipnose pode ser um tratamento coadjuvante da dor e da ansiedade. A acupuntura
pode liberar encefalinas, serotonina, endorfinas, além de regularem o Sistema
Nervoso Autônomo (SNA), bem como auxiliam nos vômitos e náuseas. A
musicoterapia ajuda no alívio da dor e ansiedade, redução de cortisol, aumento
de ocitocina e bem estar pessoal. Todas essas alternativas melhoram as
condições de vida de pacientes oncológicos, mas necessitam ainda de pesquisas
que reafirmem a sua eficácia (ARAÚJO; OLIVEIRA; SILVA, 2012).
Outros recursos utilizados são de ordem social e priorizam a não exclusão
da criança de seu mundo particular. Geralmente as crianças acometidas pelo
câncer estão em idade escolar e muitas vezes são retiradas de seu ambiente
educacional por todas as implicações relativas à doença. A utilização de
projetos dentro dos hospitais possibilita amenização dos impactos da doença nos
relacionamentos interpessoais. A utilização do lúdico ajuda a criança a lidar
com as sensações ruins que permeiam o ambiente hospitalar que muitas vezes é
inóspito e a coloca no protagonismo através do diálogo e da brincadeira obtendo
mudanças diárias de rotina (PEDROSA ET AL., 2007; COHEN; MELO, 2010; AZEVEDO,
2011; INSTITUTO DESIDERATA, 2015; ABRALE, 2019; SANTOS ET AL., 2013).
A classe hospitalar ao trazer os
conteúdos pragmáticos para o hospital ajuda a diminuir as consequências desse
afastamento da rotina escolar e ajuda de forma significativa à criança no
acesso a educação e a experimentar a possibilidade de não ter sua vida escolar
fracassada. As diretrizes da Educação Especial garantem o atendimento
pedagógico-educacional das crianças hospitalizadas, com organização de classes
escolares, e em caso de internações o professor deve propiciar adequação do
programa vigente na rede regular de ensino à classe especial hospitalar. Desta
forma a criança se sente parte da escola, pertencimento social – amenizando os
prejuízos acadêmicos (COHEN; MELO, 2010).
O projeto “Dodói” foi criado em parceria com a Associação Brasileira de
Linfoma e Leucemia – ABRALE - fundada em 2002 e o Instituto Mauricio de Sousa e
tem como objetivo trazer de volta a infância de crianças com câncer através do
sonho, da brincadeira, da criatividade e da humanização do atendimento, a fim
de que haja um restabelecimento mais rápido e feliz de sua saúde. Esse projeto
está há mais de dez anos atuando pela humanização do câncer infantil e até 2017
já atendeu 4560 crianças gratuitamente, capacitou 194 profissionais em 40
instituições hospitalares de 14 estados brasileiros, entre elas o Hospital Regional
de Passos/MG - 60 crianças atendidas; o Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto/SP - 60 crianças atendidas e o Hospital de Câncer de Barretos/SP - 200
crianças atendidas (ABRALE, 2019).
O Kit Dodói é composto por bonecos: Mônica e Cebolinha Dodói, manual de
orientação da equipe de saúde, um gibi contendo três histórias, uma revista de atividades, cinco cartazes, jogos e avisos de porta, escala de
dor, cartões de diagnóstico, livro ilustrado - o câncer infantil, arte adesivo, arte para máscara hospitalar, cartilha dos pais, caixa de
histórias, aplicativo Dodói e botton.
Todos esses recursos auxiliam nas atividades escolares e lúdicas que enriquecem
o dia-a-dia das crianças com câncer (ABRALE, 2019).
Outro projeto inaugurado em 2007, no Rio de janeiro é o “Aquário
Carioca”, cujo objetivo é “[...] contribuir para o fortalecimento de políticas
públicas que garantam diagnóstico precoce, acesso rápido e tratamento de qualidade
para crianças e adolescentes com câncer [...] humanizar o tratamento nos
hospitais públicos.” O “Aquário Carioca” aposta que a prevalência de um
ambiente cheio de alegria, percepções sensoriais e ludicidade podem ser
benéficas ao clima hospitalar influenciando-o de forma positiva. (INSTITUTO
DESIDERATA, 2015, p. 05).
São oferecidos aos que esperam brinquedos,
livros e computadores e poltronas coloridas e confortáveis. Na sala de quimioterapia
optou-se por cores pastéis a fim de proporcionar tranquilidade na realização do
tratamento. “As salas de quimioterapia abraçadas pelo Aquário Carioca são
ambientadas com uma cenografia de fundo do mar, símbolo de aconchego e
recolhimento”. O tomógrafo ganha um design de brinquedo – Submarino Carioca e
realiza cerca de 925 exames por ano. A hospedaria infantil abriga meninas e
meninos entre 12 e 16 anos disponibilizando tecnologias e jogos, beneficiando
cerca de 60 adolescentes por ano (INSTITUTO DESIDERATA, 2015, p. 13).
Projetos esporádicos também ocorrem como iniciativas particulares como o
do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), com 60
crianças portadoras de neoplasias malignas. Durante o projeto que durou um ano
(2004-2005) as crianças tiveram acesso a recursos lúdicos em um carrinho
itinerante com livros e brinquedos doados que a cada 15 dias eram reciclados e
desinfectados. Esse projeto “[...] atingiu o objetivo, na medida em que tornou
o ambiente hospitalar mais agradável à criança e permitiu, de forma favorável,
a continuidade do desenvolvimento humano, através do prazer de ler e de brincar”
(PEDROSA, 2007, p. 105).
No Hospital Infantil Varela Santiago Natal (RN), o projeto “Lazer e
tratamento” busca ajudar crianças em tratamento oncológico disponibilizando
atividades de lazer e cultura e momentos lúdicos. “A brinquedoteca é um bom
espaço para a realização e a excitação do lazer para/com essas crianças, pois
nela, elas exercem o seu importante e grande direito que é o brincar. Este
momento de lazer torna-se um aliado combatendo o processo de depressão infantil
[...]” (SANTOS ET AL., 2013, p. 03).
Esses são alguns
exemplos de trabalho hospitalar em projetos que visam à melhora da qualidade de
vida de pacientes oncológicos infantil e seus familiares. Verifica-se que o
lazer, a brincadeira, o lúdico, a ambientação são ferramentas importantes no
auxílio do cuidado das crianças com câncer, podendo ser realizados por todos os
envolvidos no contexto hospitalar, incluindo o psicólogo. Essas ações mobilizam
a socialização, a melhora de sintomas, distraem a criança mudando o foco da dor
e do medo, une as famílias e equipes multiprofissionais, proporcionam conforto,
apoio, servem de incentivo ao tratamento e ajudam na mudança de quadros
clínicos (PEDROSA, 2007; INSTITUTO
DESIDERATA, 2015; ABRALE, 2019; SANTOS ET AL., 2013).
A inserção do graduando em psicologia “in lócus” é imprescindível para a
formação profissional, visto que é na realidade investigativa e radical que o
profissional internaliza as teorias e pode assim relacioná-las a prática. Dessa
forma a aprendizagem não se resume a teoria e a técnica, mas também se apropria
do mundo e da realidade social em que determinada profissão está inserida
(CHRISTO, TRAESEL, 2009). Castro e Bornholdt afirmam:
Para que o psicólogo esteja
capacitado a trabalhar em saúde, é imprescindível refletir se sua formação lhe
dá as bases necessárias para essa prática. A aprendizagem não deve ser só teórica
e técnica, pois o psicólogo tem que ser comprometido socialmente, estar
preparado para lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de
atuar em equipe com outros profissionais. (CASTRO e BORNHOLDT, 2004, p. 51).
O atendimento deve se voltar para a pessoa com câncer a fim de trazer a
luz, diariamente, sua perspectiva de vida, enquanto ser presente no mundo,
independentemente de todos os procedimentos técnicos que envolvem o paciente e
o tratamento da doença. É importante a
continuação dos estudos referentes à temática explorada em estudos mais
aprofundados como pós-graduação. É preciso que dar ênfase a importância da
pesquisa-ação e da formação reflexiva e prática, enquanto base para uma práxis
que seja de fato investigativa e transformadora, além de produtora de novas
culturas (SPINK, 1996; CASTRO E BORNHOLDT, 2004; CHRISTO, TRAESEL, 2009).
REFERÊNCIAS
ABRALE.
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia: Projeto Dodói. Disponível em: <https://projetododoi.com.br/>. Acesso em: 08 mai. 2019.
ABRALE.
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