quinta-feira, 16 de abril de 2020

O Diabo Veste Prada (Análise de Filme)



O filme conta a história de Andrea ou “Andy” e sua escalada profissional dentro de uma grande organização que edita moda em Nova York. Andy é uma jornalista aspirante e de uma personalidade peculiar que ao iniciar seu convívio no ambiente cultural de uma grande Revista de Moda comandada por Miranda Priestly tem sua vida revolucionada e de ponta cabeça. 

Num primeiro momento Andy entra apenas para adquirir experiência profissional, mas aos poucos vai se afastando de seus ideais e sucumbindo à cultura organizacional da empresa que tem como mola propulsora a competitividade, agilidade, pressão do mercado de trabalho, complôs corporativos e ditatórios de perfil profissional. 

Aos poucos Andy vai sucumbindo aos encantos da moda nova-iorquina, despersonalizando-se. Isto é interessante porque: 

Cultura é um fenômeno dinâmico que nos cerca em todas as horas, sendo constantemente desempenhada e criada por nossas interações com outros e moldada por comportamento de liderança, e um conjunto de estruturas, rotinas, regras e normas que orientam e restringem o comportamento. (SHEIN, 2009, p.1). 

Dentro desta dinâmica corporativa estão às prioridades que impõem aos trabalhadores condições para nelas permanecerem. Ali naquela cultura organizacional não há espaço para subjetividades, já que existe um padrão a ser seguido. Para Shein (2009) a cultura permite a padronização ou integração dos elementos de um grupo em um paradigma maior que proporciona a previsão de como as coisas são e como deveriam ser. 

Ao analisar-se o enredo do filme, percebe-se que no mundo da moda as relações são superficiais e efusivas (glamourosas), ou seja; existe um padrão normativo. Não basta ser talentoso, é preciso vender uma imagem de glamour e feracidade, ou seja; a padronização fornece uma ordem que orienta as pessoas. 

A personagem Miranda expõe como neste mercado competitivo e feroz a palavra de ordem é a sobrevivência. Vários aspectos podem ser observados em seu comportamento, como a arrogância, exploração e uso de técnicas de humilhação e manipulação. De acordo com Shein (2009) é interessante atentar para o fato de que as normas da cultura organizacional definem como dada instituição organizacional estabelecerá seu estilo de liderança. 

De acordo com Shein (2009) o líder deve atuar no gerenciamento da cultura organizacional, podendo criá-la, mudá-la ou destruí-la, de acordo com as adaptações em relação aos membros do grupo, no entanto, no caso de Miranda existem aspectos macrossociais que lhe impõem um comportamento compatível com a selva do mercado a que ela propõe-se administrar. O seu comportamento de liderança impinge ao micro as normas do macro. Já que ao longo do enredo ela apresenta suas fragilidades individuais, como ter que lidar com a chegada da meia idade, lidar com a família e as questões existentes nas suas relações interpessoais como amizades e relacionamento conjugal. 

Logo, não se pode dizer que é fácil criar ou mudar a cultura, pois, é um dos elementos da organização com maior estabilidade e menor maleabilidade. Apenas quando o comportamento resultante alcança sucesso, ou seja, quando o grupo realiza sua tarefa e os membros se sentem satisfeitos sobre os relacionamentos mútuos, é que as crenças e valores do fundador são reconhecidos e compartilhados (Shein, 2009). 

Para Miranda o seu comportamento era o seu sucesso e isto de certa forma provocava em seus liderados “encantamento”. O sucesso de Miranda é bem observado por seus colaboradores ao longo da narrativa do filme e os encanta, tanto que Andy (Assistente Pessoal), Emily (Assistente Sênior) e Nigel (diretor de arte) fazem de tudo para obterem juntamente com ela toda a fama e glamour que a indústria da moda pode oferecer. 

Esforçam-se além de suas possibilidades, sacrificando suas vidas pessoais para alcançarem seus objetivos. Andy ao mesmo tempo em que começa a alçar voos altos na carreira profissional, também acaba por tornar sua vida pessoal um caos. Perde seu namorado Nate e seus amigos. Envolve-se num relacionamento amoroso de interesse com Christian (um jovem escritor). Dentro da corporação acaba por passar uma rasteira em sua parceira Emily. Acaba por trair seus valores em benefício de outros mais objetivos e racionais (frieza corporativa). Observa-se que com o passar do tempo, os aspectos da cultura passam a fazer parte da identidade do grupo, predeterminando os elementos emocionais, cognitivos e comportamentais do funcionamento psicológico do grupo (Shein, 2009). 

Assim, para Shein (2009) a cultura de um grupo abarca um padrão de suposições básicas compartilhadas, que foi aprendido por um grupo, conforme foram sendo solucionados problemas de adaptação externa e de integração interna. O êxito desse padrão de suposições valida a forma como o grupo funciona, de modo que tais aspectos podem ser ensinados a novos membros. 

Zanelli (2014) expõe que como existem muitas variações de ordem física, estrutural, sociopolítica, funcional e econômica no ambiente da organização os indivíduos podem em detrimento da política empresarial desenvolver suas subjetividades na relação com este ambiente. Podem também se distinguirem uns dos outros no comportamento adotado pelo grupo, já que as formas de apego e identificação às suas atividades laborais são diferentes. “Ademais, a própria organização pode levar a sua força de trabalho a apresentar níveis diversificados de ligação, identificação ou internalização de normas, valores e princípios adotados pelo sistema.” (Zanelli, 2014, p. 300). 

Percebe-se esta dinâmica ocorrendo à medida que Andy vai se apercebendo das perdas que a carreira, agora, bem sucedida lhe impõe. Ela se dá conta do distanciamento de seu existir nesta relação. Apercebe-se disto quando nutre ainda sentimentos de confiabilidade e amizade por Miranda. Tenta alertá-la de um arquitetado complô que visa destituí-la de seu cargo. Surpreende-se com a frieza corporativa de sua editora-chefe e ao questionar o comportamento dela é confrontada com sua própria conduta na relação laboral com Emily. 

Desta forma sua leitura da dinâmica relacionada ao seu desempenho laboral é reavaliado por sua subjetividade. Ela reconhece que seus valores não coadunam com aqueles, embora por determinado tempo tenha sido seduzida pelos holofotes de uma carreira brilhante. Ali diante da objetividade exigida pela produção industrial, Andy decide dar novos rumos a sua profissionalização preferindo não negociar seus princípios mais básicos que envolvem a complexidade das variáveis no comportamento organizacional. 

Para Zanelli (2014) questões como satisfação no trabalho pode resultar em alta produtividade, alto desempenho, baixo absenteísmo e baixa rotatividade. Isto fica óbvio na relação entre a liderança de Miranda e suas constantes contratações de assistentes pessoais. Andy acaba sendo a que vai mais longe, porque de alguma forma possuía nela particularidades de identificação com Miranda. A satisfação no exercício laboral a levava a querer se superar a qualquer custo. No entanto, neste cargo, havia grande rotatividade de pessoas. Este detalhe corrobora para a premissa de que indivíduos satisfeitos geram melhor aproveitamento social e bem-estar, portanto “[...] o trabalho e as condições em que ele é realizado podem influir sobre o bem estar e a saúde de cidadãos. Ressaltam, também, a relevância de vínculos saudáveis no ambiente de trabalho para sustentar uma vida saudável no ambiente familiar e social.” (p. 303). 



Análise Crítica Pessoal 



O filme é um chamado ao respeito da subjetividade individual de cada indivíduo existente no dinamismo laboral. Confronta as normatizações, a indústria e as relativizações dos valores e princípios éticos. Aponta para uma reavaliação do ‘vale tudo’ imposto pela indústria capitalista que impinge ao indivíduo padrões e regras selvagens. À medida que o capital dita a priori os valores mais essenciais aliena os cidadãos nas teias dessa padronização. Muitos trabalhadores validados na cultura organizacional que obedece ao macrossocial vendem-se às práticas comportamentais ilícitas e não tão éticas. Para a psicologia organizacional interessa o bem-estar do indivíduo e como as relações do trabalho afetam sua vida social, familiar e mental. Apresentar-lhes através de instruções e orientações estas possibilidades é primordial na tarefa laboral do psicólogo organizacional. 



Referências 



Finerman, W. (Produtor), & Frankel, D. (Diretor). (2006). O Diabo Veste Prada [Filme]. Estados Unidos: Twentieth Century Fox. 

O Diabo Veste Prada (filme). (fev. 2020). In. Wikipedia. Acessado Abril 03, 2020. Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Diabo_Veste_Prada_(filme)

Schein, E. H. (2009). Cultura Organizacional e liderança. São Paulo, SP: Atlas. 

Zanelli, J. C. et al.. (2014). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed.

O Diabo Veste Prada

Eu psicólogo e a crise Covid-19: implicações no cuidado humano frente as políticas do capital.

1 Introdução

O ano de 2020 trouxe, logo nos primeiros meses, impactos biológicos de ordem natural e inesperada no planeta, afetando a economia e a saúde mundial. O Covid-19 ou vírus Sars-CoV-2 teve origem na China, na cidade de Wuhan em 31/12/2019 (virada do ano). Este vírus passou a ser considerado perigoso pela grande proporção de infectados num curto espaço de tempo, pela ausência de tratamento e pelo alto índice de letalidade e implicações em comorbidade (câncer, hipertensão, doença respiratória crônica, diabetes e doença cardiovascular) (Sanar-Med., 2020). 
Ao final de três meses, após a descoberta dos primeiros casos, somam-se mundialmente 190 mil pessoas infectadas. No Brasil, as primeiras ações ligadas à pandemia tiveram início em fevereiro de 2020 com a repatriação dos brasileiros que viviam em Wuhan. Em quinze dias confirmava-se no Brasil o primeiro caso de Covid-19. Atualmente, no Brasil, registram-se 16.238 mil casos confirmados e 824 mortes (Sanar-Med., 2020).
Como este vírus possui alta taxa de transmissão trás consigo alto risco para os trabalhadores no campo da saúde que acabam por tornarem-se indispensáveis no exercício laboral. As estimativas de contágio entre profissionais contabilizam até o momento no Brasil 630, sendo 550 em São Paulo e 80 no Rio de Janeiro. Vários são os problemas que estes profissionais enfrentam. Entre eles: 1) falta de equipamentos de proteção, 2) falta de profissionais, 3) demora dos testes e 4) pressão psicológica. A falta de equipamentos profissionais e o descaso de alguns diretores que minimizam a doença e o contágio tem causado angústia entre estes trabalhadores. Cerca de (95%) das instituições de saúde no país constam na lista de falta de EPI’s (equipamentos de proteção individual) adequados. O índice de médicos disponíveis é muito baixo, cerca de (2,1) para cada 1000 brasileiros. Os testes além de limitados a profissionais de linha base e casos mais graves também contam com a demora pública no resultado (10 dias). As longas jornadas em decorrência dos outros fatores citados geram exaustão: 1) Dentro dos hospitais pelas tomadas de decisão custosas e responsabilidades de risco e 2) Fora do ambiente laboral enfrentam o preconceito pela profissão em ônibus e outros lugares e o afastamento das próprias famílias (Tu, 2020). 
Os enfermeiros são os mais atingidos por serem em maior número e por lidarem mais de perto no momento da triagem, por isso esses profissionais estão lutando bravamente contra um agente invisível que os ameaça e os mantém refém (Polakiewicz, 2020). 
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em uso de suas atribuições, constituiu um guia para orientar cuidados a saúde mental de diversos grupos, incluindo profissionais de saúde. Para os trabalhadores da saúde, o estresse e a pressão de lidar com o ofício, acrescido do risco de adoecer, provocam severos problemas de saúde mental, aumentando o turnouver e a síndrome de burnout, além de gerar graves problemas como ansiedade e depressão. (Polakiewicz, 2020, p.1).

Um estudo Chinês aponta para índice alto de ansiedade e depressão entre profissionais que tratam pacientes com Covid-19. Ao entrevistarem 1.257 profissionais da cidade de Wuhan, sendo 493 médicos e 760 enfermeiros, dos quais (60,5%) trabalhavam em hospitais em Wuhan e (41,5%) eram profissionais de saúde da linha de frente, os pesquisadores apuraram que (70%) dos profissionais relataram sentir angústia, (50,4%) depressão, (44,6%) ansiedade e (34%) insônia. Portanto, concluíram que pessoas envolvidas na linha de frente do combate ao vírus tiveram maior probabilidade de relatar sintomas. “"Em conjunto, nossos resultados suscitam preocupação com o bem-estar psicológico de médicos e enfermeiros envolvidos no surto de Covid-19", alertaram eles.” (Carroll, 2020, p. 1).
Diante de todas as implicações apontadas acima e relativas à saúde mental do trabalhador, suas condições de trabalho e bem-estar laboral elenca-se a importância do psicólogo organizacional e sua atuação neste processo que envolve a atuação profissional do psicólogo organizacional em meio a emergências e desastres e ações práticas que minimizem os efeitos da pressão social sobre os profissionais de saúde. Considerando-se também os aspectos referentes à bioética e a evidenciação dos conflitos existentes na relação do trabalho que mantém a égide do capital versus a priorização e preservação da vida humana.

2 Saúde Mental e o Trabalho

Ao pensarmos a psicologia do trabalho precisamos entender que uma parte significativa dos fenômenos que a psicologia estuda tem sua origem, é determinada e/ou explicada no e pelo trabalho. O trabalho é objeto de estudo para se compreender o fenômeno psicológico, pois, o foco principal da Psicologia do Trabalho é a concepção do trabalho humano em todos os seus significados e manifestações (Codo, Soratto & Menezes, 2004).
A vida humana possui dois aspectos fundamentais: amar e trabalhar, os quais implicam na presença ou ausência de saúde mental. Quando um ou outro estiver prejudicado, certamente interferirá nos níveis de saúde e doença. Apontam-se três abordagens em Psicologia Mental e do Trabalho: Estresse, Psicodinâmica do Trabalho e Abordagem Epidemiológica (Codo, Soratto & Menezes, 2004). 
O estresse compreendido como reação às demandas sociopsicológicas, como estado intermediário entre saúde e doença, passa a ser um possível indicador das consequências do trabalho sobre seus trabalhadores, os quais podem estar sofrendo devido às condições e características de sua atividade (Codo, Soratto & Menezes, 2004).
Observa-se que o momento atual que envolve a epidemia Covid-19 expõe profissionais de saúde ao estresse, dados confirmados em pesquisas recentes. Os níveis estressores relacionados às condições precárias de trabalho como falta de EPI’s, pressão de decisão mediante conflito de escolha e priorização da vida, longas jornadas de trabalho, ausência de contato social com familiares, alto risco de contágio são comprovadamente geradores de angústia, ansiedades e depressão (Carroll, 2020; Polakiewicz, 2020; Tu, 2020). 
Dejours (1980/1987) apud Codo, Soratto & Menezes (2004) buscou a análise da dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do indivíduo com a realidade do trabalho. O foco das pesquisas vai do que adoece o trabalhador, para a ocorrência do não adoecimento, mesmo com a interferência de situações adversas, ou seja; as estratégias utilizadas pelo trabalhador para se manter mentalmente saudável (sublimação da criatividade).
O autor diferencia dois tipos de sofrimento: o sofrimento patogênico e o sofrimento criador. O primeiro surge quando todas as possibilidades de transformação, aperfeiçoamento e gestão da forma de organizar o trabalho já foram tentadas. Quando somente pressões fixas, rígidas, repetitivas e frustrantes, configuram uma sensação generalizada de incapacidade. O segundo surge quando as ações no trabalho são criativas, possibilitando a modificação do sofrimento, contribuindo para uma estruturação positiva da identidade, aumentando a resistência da pessoa às várias formas de desequilíbrios psíquicos e corporais (Dejours, 1980; 1987 apud Codo, Soratto & Menezes, 2004).
A epidemia Covid-19 surge de forma imperativa impedindo o sofrimento criador. Instala-se o sofrimento patogênico mediante as pressões ambientais de caráter social e político. Na leitura reflexiva dos relatos dos profissionais de saúde seja pela Pesquisa de Campo, seja pela notícia dada de suas realidades a entrevistadores percebe-se uma poda da liberdade. Uma tremenda pressão psicológica, física e social geradora de incapacidade mediante o inevitável.
A abordagem Epidemiológica é herdeira da lógica de epidemiologia geral que compreende a multicausalidade das doenças e busca seus determinantes e tem influencia de Le Guillant, precursor da psicoterapia institucional. No campo da Saúde Mental e do Trabalho, busca compreender os efeitos do trabalho com as características do que o modo de produção capitalista produz: separação produtor-produto e compra e venda de força de trabalho corporais (Codo, Soratto & Menezes, 2004). 
Compreende-se que a epidemia Covid-19 não só afeta as questões do trabalho, mas também a economia mundial e o sistema monetário que domina o mundo. Torna-se uma questão bioética já que confronta dois vieses contraditórios. Um que busca a mais valia na produção e manutenção do capital e outro que prioriza a manutenção da vida acima da produtividade. 
Valêncio (2011) expõe que nas várias civilizações as catástrofes eram familiares e as intervenções ocorriam mediante o afetamento grupal. A tragédia exigia envolvimento ético ou político, ou seja, exigia envolvimento no drama coletivo. Já na contemporaneidade esta familiaridade volta-se a fragilidade coletiva como um produto social, ou seja, algumas fragilidades originárias das tecnologias atemorizantes e outros de temores naturais que ilusoriamente as forças produtivas prometem controlar.
Esta proposição faz fronte à realidade vivida no Covid-19. O assunto volta-se novamente a fragilidade humana diante da ameaça natural, cujas tecnologias científicas apequenam-se. Um simples vírus põe em cheque sistemas de saúde em proporções gigantescas. As consequências mundiais são mais de 1,5 milhões de indivíduos infectados o que gerou, forçadamente, isolamento social; primeiramente, dentro dos países e subsequentemente na restrição de voos internacionais e nacionais, bem como locomoção territorial entre fronteiras, porém a mais agravante das consequências negativas, obviamente, é o reforçamento da desigualdade entre países pobres e ricos, pois muitos países subdesenvolvidos sem recursos financeiros ou patrimoniais acabarão sem recursos para quitar dívidas internacionais (Salek, 2020, Campos, 2020).
Conforme informações circuladas pela BBC Brasil em 10 de abril de 2020, beneficamente a estas medidas de isolamento, têm-se consequências positivas no ambiente natural que reforçam como as ações humanas contribuem negativamente para a biodiversidade, já que houve redução de poluição no norte da Itália e em Wuhan (Salek, 2020). Valêncio (2011) explica que se uma sociedade vai além do que o seu planeta comporta, ou seja; do que está diretamente relacionado aos processos físicos, bioquímicos e fisioquímicos para a sobrevivência da vida existente, terá como consequência a sua autodestruição. 
Criticamente, a autora expõe que a venda da ideia em pequena escala propaga uma promessa reduzida que quanto mais tecnologia uma sociedade possuir, mais ela estará protegida contra os impactos responsivos da natureza, porém o que se observa no ambiente urbano é que cada vez mais as hostilidades presentes no cotidiano permanecem e a impotência é uma sensação permanente na vida dos cidadãos (Valêncio, 2011).
Claro, que esta realidade neste momento “covídico” parece se consolidar, já que o temor e o medo diante do risco eminente de mortes em larga escala desmascaram as falsas promessas tecnológicas das grandes potências mundiais. Diante de um simples vírus as forças produtivas do capital que prometem controlar os danos parecem sucumbir a sua ineficaz tentativa, já que suas proposições nunca são sobre realmente prover a manutenção da vida, mas sobre obter os melhores resultados num processo de disputas e controles da força capitalista.
Verifica-se uma pressão constante contra a grande massa de trabalhadores. As pessoas se sentem ameaçadas temendo que a única ferramenta que possuem seja dispensada, ou seja, a sua força de trabalho. Tal fator pode levar a consequências drásticas para aqueles que têm em seu trabalho a principal ou única forma de sobrevivência. Além disso, exige-se qualificação especial para a força de trabalho, ou seja, espera-se um trabalhador complexo que saiba muito além do que seria preciso para a execução de determinada tarefa (Heloani; Capitão, 2003).

Assim, o mundo do trabalho torna-se, [...] um complexo monstruoso, que se por um lado poderia ajudar, auxiliar o homem em sua qualidade de vida, por outro lado patrocinado pelos que mantêm o controle do capital, da ferramenta diária que movimenta a escolha de prioridades, avassala o homem em todos os seus aspectos. Alguns são absorvidos, exigidos, sugados. Outros alçados a postos de poder e de liderança que reproduzem o capital virtual. Outros, por assim dizer, alguns milhões, são jogados como a escória cuja água benta do emprego, da possibilidade do trabalho, não veio a salvar (Heloani; Capitão, 2003, p.103).
Diante desta demanda como deveria atuar o psicólogo do trabalho? Quais proposições práticas poderiam amenizar este período aterrorizante que é a lida das emergências e desastres naturais? 
Ramirez & Silveira (2011) explicam que ultimamente no Peru a ação interventiva de psicólogos quando estão diante de enfrentamento de situações emergenciais adquiriram grande importância, pois proporcionam neste período treinamentos e capacitações para realização de abordagens adequadas no enfrentamento da crise. Os autores apontam também para as experiências interventivas no estado de Santa Catarina que frequentemente enfrentam grandes enchentes. 
Neste contexto, a capacitação dos psicólogos de grandes áreas é imprescindível para a construção da competência técnica, já que estes profissionais devem colocar-se em prol da promoção de ações que dinamizem o tempo, criar redes de informação a fim de facilitarem o trânsito de informações importantes sobre as realidades tanto a apoiadores como a população em geral. Desta forma podem referenciar e possibilitar a reorganização social, bem como a psicológica do individuo subjetivo e coletivo. Uma grande rede de suporte social que contribui para ações protagonistas da sociedade, o que gera ganho significante para a saúde coletiva (Ramirez & Silveira, 2011).
O CFP (Conselho Federal de Psicologia) obediente às recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde) outorga aos profissionais psicólogos que o momento “constitui possibilidade de exercício profissional a atuação em emergências e desastres, em contextos clínicos, de assistência social e de políticas públicas.”, porém sugere alguns cuidados, dentre eles; resguardar-se e isolar-se, prestar o serviço em local amplo e arejado mantendo a distancia necessária e fazer uso de tecnologias no atendimento on-line (CFP, 2020, s/n).
As ações da(o) psicóloga(o) devem contribuir para: – orientar sobre aspectos de higiene que visem a minimizar riscos de contaminação. – conscientizar sobre eventuais mudanças de hábitos e possíveis implicações emocionais advindas dessas mudanças; – abordar, quando necessário, implicações emocionais de uma possível quarentena e de aspectos psicológicos do isolamento, em especial de pessoas idosas; – exercer a profissão segundo os princípios do Código de Ética Profissional do Psicólogo, prestando informações precisas de modo a não causar pânico (CFP, 2020, s/n).
Nesse sentido, abre-se ao psicólogo e demais profissionais de saúde mental, um amplo campo de estudo e prática, não apenas de denúncia, mas de ação reflexiva em momentos de crise.

Referências 

Campos, S. (Março, 2020). Consequências do coronavírus nos países mais ricos e mais pobres do mundo. FDR, Economia Simplificada (digital). Acesso 13 de abril de 2020. Recuperado de https://fdr.com.br/2020/03/25/consequencias-do-coronavirus-nos-paises-mais-ricos-e-mais-pobres-do-mundo/.


Carroll, L. (Março, 2020). Ansiedade e depressão acometem profissionais da saúde enfrentando Covid-19 na China. Medscape. Acesso 12 de abril de 2020. Recuperado de https://portugues.medscape.com/verartigo/6504626.


CFP - Conselho Regional de Psicologia (Março, 2020). Coronavírus: Comunicado à categoria: CFP orienta psicólogas e psicólogos sobre o papel da Psicologia e as estratégias de atuação profissional em função da pandemia da Covid-19. Acesso 12 de abril de 2020. Recuperado de https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-a-categoria/.


Codo, W. ; Soratto, L.; Menezes, I. V. (2004). Saúde Mental e Trabalho (pp. 276-299). Em Zanelli, J. C., Andrade, J. E. B., Bastos, A. V. B. Porto Alegre: Artmed. 


Heloani, J. R.; Capitão, C. G. (Junho, 2003). Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo Perspec. , São Paulo, v. 17, n.2, p.102-108.


Polakiewicz, R. (Abril, 2020). Saúde mental de profissionais de enfermagem na pandemia de coronavírus. Portal PEBMed. Acesso 12 de abril de 2020. Recuperado de https://pebmed.com.br/saude-mental-de-profissionais-de-enfermagem-na-pandemia-de-coronavirus/.


Salek, S. (Dir.) (Abril, 2020). Coronavírus: 11 gráficos que mostram as consequências da pandemia pelo mundo. Agência BBC Brasil. Acesso em 13 abril de 2020. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52239099.


Sanar-Med. (Março, 2020). Coronavírus (COVID-19): origem, sinais, sintomas, achados, tratamento e mais. Acesso 10 de abril de 2020. Recuperado de https://www.sanarmed.com/coronavirus-origem-sinais-sintomas-achados-tratamentos.


Sanar-Med. (Março, 2020). Linha do tempo do Coronavírus no Brasil. Acesso 10 de abril de 2020. Recuperado de https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil.


Ramírez, D. S.; Silveira, M. C. (2011). O papel do psicólogo como operador de emergências e desastres: contribuições para uma prática cidadã. Em Duarte, Y. (Coord.). Psicologia de emergências e desastres na América Latina: promoção de direitos e construção de estratégias de atuação / Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP.


Tu, N. N. (Abril, 2020). Como o coronavírus sobrecarrega os profissionais da saúde: Falta de mão de obra, testes e equipamentos de proteção individual compromete a capacidade de médicos e enfermeiros e reduz equipes de combate ao novo coronavírus. São Paulo: Jornal Nexo (digital). Acesso 11 de abril de 2020. Recuperado de https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/03/Como-o-coronav%C3%ADrus-sobrecarrega-os-profissionais-da-sa%C3%BAde.


Valêncio, N. (2011). A sociologia dos desastres: perspectivas para uma sociedade de direitos. Em Duarte, Y. (Coord.). Psicologia de emergências e desastres na América Latina: promoção de direitos e construção de estratégias de atuação / Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP.

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...