quinta-feira, 16 de abril de 2020

O Diabo Veste Prada (Análise de Filme)



O filme conta a história de Andrea ou “Andy” e sua escalada profissional dentro de uma grande organização que edita moda em Nova York. Andy é uma jornalista aspirante e de uma personalidade peculiar que ao iniciar seu convívio no ambiente cultural de uma grande Revista de Moda comandada por Miranda Priestly tem sua vida revolucionada e de ponta cabeça. 

Num primeiro momento Andy entra apenas para adquirir experiência profissional, mas aos poucos vai se afastando de seus ideais e sucumbindo à cultura organizacional da empresa que tem como mola propulsora a competitividade, agilidade, pressão do mercado de trabalho, complôs corporativos e ditatórios de perfil profissional. 

Aos poucos Andy vai sucumbindo aos encantos da moda nova-iorquina, despersonalizando-se. Isto é interessante porque: 

Cultura é um fenômeno dinâmico que nos cerca em todas as horas, sendo constantemente desempenhada e criada por nossas interações com outros e moldada por comportamento de liderança, e um conjunto de estruturas, rotinas, regras e normas que orientam e restringem o comportamento. (SHEIN, 2009, p.1). 

Dentro desta dinâmica corporativa estão às prioridades que impõem aos trabalhadores condições para nelas permanecerem. Ali naquela cultura organizacional não há espaço para subjetividades, já que existe um padrão a ser seguido. Para Shein (2009) a cultura permite a padronização ou integração dos elementos de um grupo em um paradigma maior que proporciona a previsão de como as coisas são e como deveriam ser. 

Ao analisar-se o enredo do filme, percebe-se que no mundo da moda as relações são superficiais e efusivas (glamourosas), ou seja; existe um padrão normativo. Não basta ser talentoso, é preciso vender uma imagem de glamour e feracidade, ou seja; a padronização fornece uma ordem que orienta as pessoas. 

A personagem Miranda expõe como neste mercado competitivo e feroz a palavra de ordem é a sobrevivência. Vários aspectos podem ser observados em seu comportamento, como a arrogância, exploração e uso de técnicas de humilhação e manipulação. De acordo com Shein (2009) é interessante atentar para o fato de que as normas da cultura organizacional definem como dada instituição organizacional estabelecerá seu estilo de liderança. 

De acordo com Shein (2009) o líder deve atuar no gerenciamento da cultura organizacional, podendo criá-la, mudá-la ou destruí-la, de acordo com as adaptações em relação aos membros do grupo, no entanto, no caso de Miranda existem aspectos macrossociais que lhe impõem um comportamento compatível com a selva do mercado a que ela propõe-se administrar. O seu comportamento de liderança impinge ao micro as normas do macro. Já que ao longo do enredo ela apresenta suas fragilidades individuais, como ter que lidar com a chegada da meia idade, lidar com a família e as questões existentes nas suas relações interpessoais como amizades e relacionamento conjugal. 

Logo, não se pode dizer que é fácil criar ou mudar a cultura, pois, é um dos elementos da organização com maior estabilidade e menor maleabilidade. Apenas quando o comportamento resultante alcança sucesso, ou seja, quando o grupo realiza sua tarefa e os membros se sentem satisfeitos sobre os relacionamentos mútuos, é que as crenças e valores do fundador são reconhecidos e compartilhados (Shein, 2009). 

Para Miranda o seu comportamento era o seu sucesso e isto de certa forma provocava em seus liderados “encantamento”. O sucesso de Miranda é bem observado por seus colaboradores ao longo da narrativa do filme e os encanta, tanto que Andy (Assistente Pessoal), Emily (Assistente Sênior) e Nigel (diretor de arte) fazem de tudo para obterem juntamente com ela toda a fama e glamour que a indústria da moda pode oferecer. 

Esforçam-se além de suas possibilidades, sacrificando suas vidas pessoais para alcançarem seus objetivos. Andy ao mesmo tempo em que começa a alçar voos altos na carreira profissional, também acaba por tornar sua vida pessoal um caos. Perde seu namorado Nate e seus amigos. Envolve-se num relacionamento amoroso de interesse com Christian (um jovem escritor). Dentro da corporação acaba por passar uma rasteira em sua parceira Emily. Acaba por trair seus valores em benefício de outros mais objetivos e racionais (frieza corporativa). Observa-se que com o passar do tempo, os aspectos da cultura passam a fazer parte da identidade do grupo, predeterminando os elementos emocionais, cognitivos e comportamentais do funcionamento psicológico do grupo (Shein, 2009). 

Assim, para Shein (2009) a cultura de um grupo abarca um padrão de suposições básicas compartilhadas, que foi aprendido por um grupo, conforme foram sendo solucionados problemas de adaptação externa e de integração interna. O êxito desse padrão de suposições valida a forma como o grupo funciona, de modo que tais aspectos podem ser ensinados a novos membros. 

Zanelli (2014) expõe que como existem muitas variações de ordem física, estrutural, sociopolítica, funcional e econômica no ambiente da organização os indivíduos podem em detrimento da política empresarial desenvolver suas subjetividades na relação com este ambiente. Podem também se distinguirem uns dos outros no comportamento adotado pelo grupo, já que as formas de apego e identificação às suas atividades laborais são diferentes. “Ademais, a própria organização pode levar a sua força de trabalho a apresentar níveis diversificados de ligação, identificação ou internalização de normas, valores e princípios adotados pelo sistema.” (Zanelli, 2014, p. 300). 

Percebe-se esta dinâmica ocorrendo à medida que Andy vai se apercebendo das perdas que a carreira, agora, bem sucedida lhe impõe. Ela se dá conta do distanciamento de seu existir nesta relação. Apercebe-se disto quando nutre ainda sentimentos de confiabilidade e amizade por Miranda. Tenta alertá-la de um arquitetado complô que visa destituí-la de seu cargo. Surpreende-se com a frieza corporativa de sua editora-chefe e ao questionar o comportamento dela é confrontada com sua própria conduta na relação laboral com Emily. 

Desta forma sua leitura da dinâmica relacionada ao seu desempenho laboral é reavaliado por sua subjetividade. Ela reconhece que seus valores não coadunam com aqueles, embora por determinado tempo tenha sido seduzida pelos holofotes de uma carreira brilhante. Ali diante da objetividade exigida pela produção industrial, Andy decide dar novos rumos a sua profissionalização preferindo não negociar seus princípios mais básicos que envolvem a complexidade das variáveis no comportamento organizacional. 

Para Zanelli (2014) questões como satisfação no trabalho pode resultar em alta produtividade, alto desempenho, baixo absenteísmo e baixa rotatividade. Isto fica óbvio na relação entre a liderança de Miranda e suas constantes contratações de assistentes pessoais. Andy acaba sendo a que vai mais longe, porque de alguma forma possuía nela particularidades de identificação com Miranda. A satisfação no exercício laboral a levava a querer se superar a qualquer custo. No entanto, neste cargo, havia grande rotatividade de pessoas. Este detalhe corrobora para a premissa de que indivíduos satisfeitos geram melhor aproveitamento social e bem-estar, portanto “[...] o trabalho e as condições em que ele é realizado podem influir sobre o bem estar e a saúde de cidadãos. Ressaltam, também, a relevância de vínculos saudáveis no ambiente de trabalho para sustentar uma vida saudável no ambiente familiar e social.” (p. 303). 



Análise Crítica Pessoal 



O filme é um chamado ao respeito da subjetividade individual de cada indivíduo existente no dinamismo laboral. Confronta as normatizações, a indústria e as relativizações dos valores e princípios éticos. Aponta para uma reavaliação do ‘vale tudo’ imposto pela indústria capitalista que impinge ao indivíduo padrões e regras selvagens. À medida que o capital dita a priori os valores mais essenciais aliena os cidadãos nas teias dessa padronização. Muitos trabalhadores validados na cultura organizacional que obedece ao macrossocial vendem-se às práticas comportamentais ilícitas e não tão éticas. Para a psicologia organizacional interessa o bem-estar do indivíduo e como as relações do trabalho afetam sua vida social, familiar e mental. Apresentar-lhes através de instruções e orientações estas possibilidades é primordial na tarefa laboral do psicólogo organizacional. 



Referências 



Finerman, W. (Produtor), & Frankel, D. (Diretor). (2006). O Diabo Veste Prada [Filme]. Estados Unidos: Twentieth Century Fox. 

O Diabo Veste Prada (filme). (fev. 2020). In. Wikipedia. Acessado Abril 03, 2020. Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Diabo_Veste_Prada_(filme)

Schein, E. H. (2009). Cultura Organizacional e liderança. São Paulo, SP: Atlas. 

Zanelli, J. C. et al.. (2014). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed.

O Diabo Veste Prada

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