sábado, 28 de agosto de 2021

Ópio ou Cocaína?


"Sua suposta religião age simplesmente como um ópio: excitante, estonteante, acalmando os sofrimentos dos fracos." (NOVALIS, 1798)

A religião é o ópio do povo, disse Marx. Em se tratando dos contextos existentes e da perspectiva histórica vivenciada deste pensador, há de se compreender esta afirmação. Particularmente, eu traduziria na contemporaneidade, dentro de alguns contextos religiosos, que a religião não é o ópio, é a cocaína do povo.

À época do pensador, a religião que outrora fora aliada ao estado totalitário, e que na sua realidade histórica representava a égide da soberana governança, oriundas da junção entre a fé e a prosperidade mundana, representava a classe dominante burguesa. 

Ora, se antes a religião proibia a riqueza material dos fiéis, agora nas mãos do protestantismo reafirmava as bençãos materiais e o domínio econômico das nações, herança judaica da promessa abraâmica.

Sendo a religião uma aliada dos processos mundanos, era também um entorpecente do pensar. Ópio das massas. Em contrapartida, um alívio às tensões do existir em sofrimento. Alguns destes propiciados pelo sistema político e monetário e outros oriundos do próprio ato de existir no mundo, cujo fim é a fatídica morte. 

Criticamente pensando, a religião quando associada as relações intramundanas perde o seu valor essencial. Crítica esta já prevista nos escritos originais da fé cristã. Afinal, para um bom leitor das escrituras, os erros teológicos compreendem todo espaço existente entre uma teologia terrena e uma espiritual.

Em se tratando da fé cristã, o apego as coisas mundanas, entre elas o dinheiro é a raiz de todos os males. Contrariedades da fé teológica. Dentro desta realidade material, que toma a fé como processo material de produção humana, Marx tem sua razão. A fé, naquele momento histórico era sim, uma droga lícita, capaz de amortecer os sentidos, alienando os homens da ação, tendo como geratriz material o medo. Um temor utilizado na égide da inquestionabilidade dos dogmas, que depois se transmutaram em obediência cega as autoridades, dotadas de um caráter divino.

Na contemporaneidade, o ópio tornou-se a cocaína, o êxtase hiperprodutivo seguido da depressão acompanhada de mais doses letais. Dentro dessa saga religiosa moderna, podemos falar de uma religião do capital, cada vez mais impregnada das ideias faraônicas de um deus que exige a subserviência dos fiéis, sob a égide da inquestionabilidade de seus líderes. Os que se atrevem a fazê-lo estão sob a anátema infernal.

Há um culto aos faraós babilônicos dentro das religiosidades. Estes por sua vez, propagam a olhos nus a teologia da prosperidade, a teologia da determinação, subordinando seu deus aos seus objetivos canastrões, cujo único fim é a obtenção de favores financeiros. 

Há um desprezo a ideia de pobreza e uma verdadeira exaltação a ideia de riqueza. Ser agradável a deus é ser rico ou próspero. Essa massificação da ideia nababesca é contagiosa porque toma a faceta da ambição, própria dos seres sociais, construída no imaginário popular, como essencial. Loucos por uma dose de adrenalina as massas iludem-se na corrida por um lugarzinho aqui e agora. Consumir é o preceito decadente desta religiosidade morta.

A luz de sua teos, liderados e liderandos coadunam-se na busca pelo poder, que é encontrado, nesta sociedade de classes, no ter posses (propriedade privada). Contraditoriamente, liderados encontram seu lugar ao sol dentro de suas religiosidades, pois já que dentro da sociedade burguesa são considerados escória ou ralé, no exercício da fé, são reconhecidos, ouvidos, aplaudidos pelas suas histórias, alcançando dentro da hierarquia religiosa cargos e lugares de destaque. Finalmente, ali são gente. A carência social é preenchida. Cenário próprio para sanguessugas da fé beberam o sangue da "ralé". 

Dentro de algumas religiosidades contemporâneas encontram-se as miniaturas das estruturas capitalistas sob uma nova linguagem espiritual. A única objetividade é a exploração da fé. Uma teologia terrena nas mãos de vendilhões do templo e de mercadores da fé. Nesse sentido, é ópio do povo para um estado de alienação de sua própria produção mítica que, a priori conclama um cisma entre materialidade e espiritualidade.

Ser espírito é; portanto, um vivência material cuja essência rompe com a ideologia humana. No campo da espiritualidade deve prevalecer a partilha, a humildade, a igualdade, a paz com todos, a auto resignação e o total desprezo as produções negativas humanas. É a dialética entre viver para o ventre ou viver para o outro. Essa ideia não cabe na sociedade capitalista, que tem como base a exploração do outro.

No entanto, o que se observa na atualidade é uma adaptação desta fé genuína aos intentos do capital. Encalhando a religiosidade cristã na tumba da existência intramundana. A religiosidade é produção material tanto quanto o trabalho é, pois é fruto da construção humana. Haja vista, estar presente ao longo da história em quase todas as civilizações. 

É um processo histórico. Da história do homem e de sua construção social. Negar o direito a fé é infração, tanto quanto é a negação do usufruto laboral. Infelizmente, no projeto do capital a fé cristã foi expropriada de seu contexto real, para servir aos objetivos abjetos dos mecanismos de produção capitalistas.

A fé, inegavelmente, é um fenômeno que se mostra ao longo do tempo importante para os homens, tendo um valor em si. A obrigatoriedade do ateísmo é um afronte as liberdades humanas. Ações que pretendem eliminar a fé, ou obrigar humanos a negarem seus preceitos espirituais é crime humanitário. A questão principal não deveria ser o exercício das religiosidades, mas a forma com que estas são utilizadas pelo estado para fins políticos.

Seres que buscam exercer suas religiosidades genuinamente possuem avanços significativos no sentido humanitário, assim como àqueles que pautam a vida na ética também o fazem. Para alguns, somente a ética, enquanto produção social, lhes basta. Para outros; não, pois ela precisa vir acompanhada do ser mítico. São necessidades semelhantes, porque preocupam-se com as injustiças sociais, porém de forma distintas. Como dizia Descartes, a ideia de um Deus já é em si uma prova de que ele existe. Isso é campo subjetivo, mas também coletivo.

Portanto, sabe-se que não é, na atualidade; preocupação das ciências provar a existência de Deus, embora tentem. Trata-se de buscar na realidade material as determinações de um objeto. Deus é um conceito que não necessita ser provado. Ele existe na ideia, no pensamento e nas experiências místicas (subjetivismos) que não podem, por agora; serem comprovadas cientificamente.

Enfim, com relação aos mercadores da fé, resta uma total repulsa. Náuseas que não são contidas. Aos comparsas da atividade exploradora, da reafirmação das lógicas excludentes, da hegemonia do estado eclesiástico, meus pêsames. Estão mortos junto com o sistema. O seu mais valor jaz aqui, junto com os abutres sociais, que esperam os resquícios da carnificina humana.


 





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