quinta-feira, 13 de abril de 2023

O que é construído pelo humano, no humano permanece

 
Santiago Bou Grasso, Animação El Empleo, Opusbou, 2008

Dâmaris Alcidia da Costa Melgaço 

Refletindo sobre o temporal na história humana, às vistas do momento e às suas produções no campo vasto das ciências, cuja reflexibilidade é a totalidade de um momento cultural, reificado humano; coloco-me a dimensionar a hermenêutica aplicada aqui e agora neste tempo, que é também outro, pois o que é do humano, no humano permanece. Como diria Benjamim: o velho que é sempre um novo, ou o novo que é sempre igual.

Ao olharmos para a história humana em um determinado tempo, pelos homens experienciada neste mesmo tempo e sabendo que a produção científica obedece a este tempo cultural e torna essa produção abstrata em materialidade humana, podemos interpretar um novo tempo, bem como a natureza humana e suas relações no ambiente e a forma como tendem a se repetir. É princípio exegético.

O capitalismo,  as ações humanas, todas as estruturas criadas pelos homens são produção de homens e; portanto,  pelos próprios homens mutáveis,  se assim o quiserem.  

Não são entidades pré-existentes. O próprio capitalismo é um fenômeno social. Marx investigou esse fenômeno em seu radical. 

O capitalismo é cultural e possui seus estratagemas e conceitos ideológicos que o definem. Nós somos essenciais para que a mudança aconteça, pois se nós fomos capazes de criar este sistema operante, nós também somos capazes de recriar - pela revolução - novas formas de viver em sociedade. Formas mais justas e igualitárias, que rompam o ciclo do novo sempre igual, ou seja; do novo que sempre aparece travestido do velho e vice e versa.

Mas - aqui entre nós - tenho refletido nas contrariedades existentes em nós mesmos. Nas coisas mais simples da vida. 

Hoje ouvi uma pergunta e uma afirmação. "Tem capitalista aqui? Creio que não". Obviamente que nao havia na plateia nenhum grande detentor do capital, mas a grosso modo eu diria, que têm, simbolicamente.  Nós somos capitalistas, vivemos no capitalismo, consumimos o capitalismo. Essa sociedade é a sociedade do capital. Talvez o que tenhamos é a consciência do que seja o capitalismo e de todos os seus efeitos nocivos, mas na práxis sempre há quem arrume os nossos lençóis.  Esses seres que andam pelos corredores sempre com a vassoura na mão, que entram em nossos quartos, limpam a nossa sujeira, servem as nossas mesas, limpam a nossa privada e nos observam de longe, a banhar-mo-nos nas piscinas, aproveitando o dia. E não me tomem por pretensiosa, porque eu me identifico como a um deles. 

Pois é,  caro leitor, alguma vez você já parou para olhar nos olhos deles? Eu já.  Eu vejo com que admiração nos olham. Nao sabem eles que eu os admiro ainda mais. 

Vivemos um verdadeiro avalanche de vaidades.

Pois é,  assim sou eu. Saio daqui pequena como cheguei e assim sempre serei. Vivo à sombra de um pequeno deleite: a minha nulidade e todas as outras. E a vida continua a dar passagem.







segunda-feira, 10 de abril de 2023

Tendas do caos

Fonte: Estado de Minas


Desde os últimos acontecimentos, ocorridos no dia 07 de abril de 2023, em Blumenau, ondas de terror tem-se espalhado nos campos escolares. As mídias e a cotidianidade dando eco às velhas vozes terroristas do caos iminente. Acreditem, embora haja uma corrente massiva para a não divulgação do caos, ela se materializa no meio das massas populares.

Escolas têm-se movimentado para trazer maior segurança aos seus alunos. Ontem mesmo, ouvi relatos de que as providências se intensificam na abertura e fechamento de portões, na recepção de encomendas e de tudo àquilo que fuja a rotina escolar. As salas e os burburinhos dão conta de historietas de massacre pré-datados para abril. Dia desses, foi noticiado que nos Estados Unidos da América, criaram sistemas de proteção, cujo esquema constrói uma sala a prova de balas dentro da sala de aula, vistas ao histórico considerável de invasões e assassinatos dentro das escolas norte americanas.

São vários os fatores que envolvem esta premissa oriunda da evolução de efeito destrutivo capitalista, entre eles a indústria das armas, financiamento às guerras e apologia ao armamentismo populacional. Outros fatores, referem-se às tecnologias e ao avanço destas ferramentas na colonização das mentes humanas. Cada vez mais os algoritmos dominam a vida humana e implantam seus chips consumistas e ideológicos na ação-reação dos humanos, cujo teor é humanoide.

O que pretendo dissertar não são exatamente estes fatores, embora conversem entre si, mas o fato ideológico, que aparelha duas instituições: a escolar e a prisional.  Temos um retrocesso ou um avanço sobre a estrutura escolar, que mais parece um sistema prisional? A escola brasileira - simbolicamente - vivenciou em sua constituição histórica vias disciplinadoras e de controle do corpo, pode-se dizer pareado às práticas já discutidas por Foucault (1975) em seu livro "Vigiar e Punir". 

A questão problema, na atualidade, é a seguinte: A contraposição entre a segurança e a insegurança gerada por esta forma - acima explicitada -, de viver em sociedade tornará a escola numa prisão literal, cuja entrada por seus muros se dará sob extrema vigilância, controle de força humana armada e revistas escolares, retificando processos autoritários e disciplinadores?  

No Brasil, o movimento de institucionalização escolar ocorreu ao longo do Império Brasileiro e primeira República do Brasil - séc. XIX, com observância às especificidades e modalidades educativas, período concomitante o qual desenvolvia-se, na Inglaterra, a teoria de Francis Galton (1869), a de que "a capacidade humana decorria da hereditariedade mais do que da própria educação." Nas primeiras décadas do século XX, influenciada pela ideologia eugenista/higienista,  nas cidades do Brasil - em especial na cidade de São Paulo -, além das áreas médicas e sociais, a educação brasileira também sofreu a imposição ideológica dessa teoria, que  compreendia a população brasileira como degenerada -  por conta da sua miscigenação - e que; portanto, necessitava de uma purificação. 

Resumidamente, a eugenia aplicada no Brasil teve como objetivo selecionar os homens através do aumento gradual da saúde mental e física e da subtração da fraqueza, da doença e da degeneração. Quer-se-ia homens fortes, belos e sadios. A educação, portanto, foi elencada como uma das formas de propagar estes ideais. Ela tinha a função específica de estimulação de habilidades dos eugenizados. No entanto, acreditava-se que os fatores hereditários - disgênicos - eram impossíveis de serem modificados e; portanto, a educação e seu ideal transformador da sociedade era inatingível.

O ideal: "quem é bom, já nasce pronto" carregava a insigne do fracasso e havia a defesa de que a educação era limitada em relação aos educandos, por esta razão cada indivíduo possuia atributos que deveriam ser considerados no processo educativo. Cabia a educação fazer florescer estas boas características pessoais, qualidades próprias do ser, habilidades e tendências vocacionais que ainda não haviam sido exploradas. 

Ressalta-se que, fatalista, a educação nesse momento histórico brasileiro, desejava a promoção da consciência do ideal eugênico nos jovens escolares, cuja mistura racial era condenada pelo risco de degeneração racial. Era propagada a ideia de união corpórea e filiação apenas entre iguais - raça e classe social -, pois isto contribuiria para que uma elite nacional sadia e consistente se estabelecesse. 

Quanto as reformas educacionais neste período a proposta continha moralidade, bons costumes e melhoria no condicionamento físico humano - raça forte e padrão estético eram uma prioridade.  As constituições brasileiras de 1934 e 1937 continham dentro de si o ideal eugênico como política nacional, que tinha como objetivo condicionar moralmente e disciplinar os corpos através da educação física. Esse movimento era imprescindível para a formação de um estado totalitário e populista. Em relação ao adestramento, Foucault explica:

“Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais — pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 1987, p. 195).

Fazendo a intersecção destes pontos da história da educação nacional brasileira e a formação do sistema prisional de Foucault (1975), podemos inferir semelhanças ideológicas que se perpetuam ao longo da história e das forças produtivas presentes no campo histórico, comum às sociedades capitalistas e a ordem das classes. Em ambos os movimentos percebe-se a necessidade da disciplinarização dos corpos para a máxima cooptação humana do estado. Ao analisar o sistema prisional este autor explicita a interioridade destes aparelhos repressores e punitivos, que estão para além da punição da psiquê, elas se propõe na regulação do corpo individual, coagindo e estimulando uma educação total do indivíduo e regulamentando todos os movimentos do corpo. 

Neste sentido, ele continua, além de retirar dos indivíduos as suas liberdades, o sistema prisional os transforma tecnicamente e politicamente. No entanto, essa transformação passa despercebida por causa de suas cristalizações diversas. Não é violenta e nem explícita, é infiltrada sutilmente como uma microfísica do poder, que se interpõe entre a instituição e o próprio corpo. Afinal, existe um ideal de ortopedia social a ser alcançado, cuja vigilância atinge o esperado. Na prisão, a corporeidade dócil é produzida: para a economia - produtivo, para a sociedade - civilizado, para a política - disciplinado e devotado a prática e ordem estatal.

Walhausen, bem no início do século XVII, falava da “correta disciplina”, como uma arte do “bom adestramento”.1 O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes (FOUCAULT, 1987, p. 195).

 Resultantes da nossa história na história dos homens percebemos o adestramento como obra supernal do Estado.  

Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades, procedimentos menores, se os compararmos aos rituais majestosos da soberania ou aos grandes aparelhos do Estado. E são eles justamente que vão pouco a pouco invadir essas formas maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus processos (FOUCAULT, 1987, p. 195).

Retomando a questão primeira, levantada nesta discussão, vemos um retrocesso paradoxal aos sistemas educacionais, e supomos não haver como fragmentar o espaço escolar da totalidade histórica do controle, já que a educação, assim como todas as outras ciências retroagem a sua base estrutural, que é acima de tudo econômica e política.

Continua (...)








Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...