segunda-feira, 10 de abril de 2023

Tendas do caos

Fonte: Estado de Minas


Desde os últimos acontecimentos, ocorridos no dia 07 de abril de 2023, em Blumenau, ondas de terror tem-se espalhado nos campos escolares. As mídias e a cotidianidade dando eco às velhas vozes terroristas do caos iminente. Acreditem, embora haja uma corrente massiva para a não divulgação do caos, ela se materializa no meio das massas populares.

Escolas têm-se movimentado para trazer maior segurança aos seus alunos. Ontem mesmo, ouvi relatos de que as providências se intensificam na abertura e fechamento de portões, na recepção de encomendas e de tudo àquilo que fuja a rotina escolar. As salas e os burburinhos dão conta de historietas de massacre pré-datados para abril. Dia desses, foi noticiado que nos Estados Unidos da América, criaram sistemas de proteção, cujo esquema constrói uma sala a prova de balas dentro da sala de aula, vistas ao histórico considerável de invasões e assassinatos dentro das escolas norte americanas.

São vários os fatores que envolvem esta premissa oriunda da evolução de efeito destrutivo capitalista, entre eles a indústria das armas, financiamento às guerras e apologia ao armamentismo populacional. Outros fatores, referem-se às tecnologias e ao avanço destas ferramentas na colonização das mentes humanas. Cada vez mais os algoritmos dominam a vida humana e implantam seus chips consumistas e ideológicos na ação-reação dos humanos, cujo teor é humanoide.

O que pretendo dissertar não são exatamente estes fatores, embora conversem entre si, mas o fato ideológico, que aparelha duas instituições: a escolar e a prisional.  Temos um retrocesso ou um avanço sobre a estrutura escolar, que mais parece um sistema prisional? A escola brasileira - simbolicamente - vivenciou em sua constituição histórica vias disciplinadoras e de controle do corpo, pode-se dizer pareado às práticas já discutidas por Foucault (1975) em seu livro "Vigiar e Punir". 

A questão problema, na atualidade, é a seguinte: A contraposição entre a segurança e a insegurança gerada por esta forma - acima explicitada -, de viver em sociedade tornará a escola numa prisão literal, cuja entrada por seus muros se dará sob extrema vigilância, controle de força humana armada e revistas escolares, retificando processos autoritários e disciplinadores?  

No Brasil, o movimento de institucionalização escolar ocorreu ao longo do Império Brasileiro e primeira República do Brasil - séc. XIX, com observância às especificidades e modalidades educativas, período concomitante o qual desenvolvia-se, na Inglaterra, a teoria de Francis Galton (1869), a de que "a capacidade humana decorria da hereditariedade mais do que da própria educação." Nas primeiras décadas do século XX, influenciada pela ideologia eugenista/higienista,  nas cidades do Brasil - em especial na cidade de São Paulo -, além das áreas médicas e sociais, a educação brasileira também sofreu a imposição ideológica dessa teoria, que  compreendia a população brasileira como degenerada -  por conta da sua miscigenação - e que; portanto, necessitava de uma purificação. 

Resumidamente, a eugenia aplicada no Brasil teve como objetivo selecionar os homens através do aumento gradual da saúde mental e física e da subtração da fraqueza, da doença e da degeneração. Quer-se-ia homens fortes, belos e sadios. A educação, portanto, foi elencada como uma das formas de propagar estes ideais. Ela tinha a função específica de estimulação de habilidades dos eugenizados. No entanto, acreditava-se que os fatores hereditários - disgênicos - eram impossíveis de serem modificados e; portanto, a educação e seu ideal transformador da sociedade era inatingível.

O ideal: "quem é bom, já nasce pronto" carregava a insigne do fracasso e havia a defesa de que a educação era limitada em relação aos educandos, por esta razão cada indivíduo possuia atributos que deveriam ser considerados no processo educativo. Cabia a educação fazer florescer estas boas características pessoais, qualidades próprias do ser, habilidades e tendências vocacionais que ainda não haviam sido exploradas. 

Ressalta-se que, fatalista, a educação nesse momento histórico brasileiro, desejava a promoção da consciência do ideal eugênico nos jovens escolares, cuja mistura racial era condenada pelo risco de degeneração racial. Era propagada a ideia de união corpórea e filiação apenas entre iguais - raça e classe social -, pois isto contribuiria para que uma elite nacional sadia e consistente se estabelecesse. 

Quanto as reformas educacionais neste período a proposta continha moralidade, bons costumes e melhoria no condicionamento físico humano - raça forte e padrão estético eram uma prioridade.  As constituições brasileiras de 1934 e 1937 continham dentro de si o ideal eugênico como política nacional, que tinha como objetivo condicionar moralmente e disciplinar os corpos através da educação física. Esse movimento era imprescindível para a formação de um estado totalitário e populista. Em relação ao adestramento, Foucault explica:

“Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais — pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 1987, p. 195).

Fazendo a intersecção destes pontos da história da educação nacional brasileira e a formação do sistema prisional de Foucault (1975), podemos inferir semelhanças ideológicas que se perpetuam ao longo da história e das forças produtivas presentes no campo histórico, comum às sociedades capitalistas e a ordem das classes. Em ambos os movimentos percebe-se a necessidade da disciplinarização dos corpos para a máxima cooptação humana do estado. Ao analisar o sistema prisional este autor explicita a interioridade destes aparelhos repressores e punitivos, que estão para além da punição da psiquê, elas se propõe na regulação do corpo individual, coagindo e estimulando uma educação total do indivíduo e regulamentando todos os movimentos do corpo. 

Neste sentido, ele continua, além de retirar dos indivíduos as suas liberdades, o sistema prisional os transforma tecnicamente e politicamente. No entanto, essa transformação passa despercebida por causa de suas cristalizações diversas. Não é violenta e nem explícita, é infiltrada sutilmente como uma microfísica do poder, que se interpõe entre a instituição e o próprio corpo. Afinal, existe um ideal de ortopedia social a ser alcançado, cuja vigilância atinge o esperado. Na prisão, a corporeidade dócil é produzida: para a economia - produtivo, para a sociedade - civilizado, para a política - disciplinado e devotado a prática e ordem estatal.

Walhausen, bem no início do século XVII, falava da “correta disciplina”, como uma arte do “bom adestramento”.1 O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes (FOUCAULT, 1987, p. 195).

 Resultantes da nossa história na história dos homens percebemos o adestramento como obra supernal do Estado.  

Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades, procedimentos menores, se os compararmos aos rituais majestosos da soberania ou aos grandes aparelhos do Estado. E são eles justamente que vão pouco a pouco invadir essas formas maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus processos (FOUCAULT, 1987, p. 195).

Retomando a questão primeira, levantada nesta discussão, vemos um retrocesso paradoxal aos sistemas educacionais, e supomos não haver como fragmentar o espaço escolar da totalidade histórica do controle, já que a educação, assim como todas as outras ciências retroagem a sua base estrutural, que é acima de tudo econômica e política.

Continua (...)








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