quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Análise do Decreto 12.686/25: aspectos positivos e negativos


Decreto nº 12.686 foi promulgado no dia 20/10/2025 e institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, revogando o decreto 7.611 de 17/11/2011. Desde a data de sua publicação muitas controvérsias se levantaram contra o mesmo, principalmente no que tange as instituições como APAE's e afins, cujo funcionamento é sem fins lucrativos. Essa questão é antiga e esbarra na questão primeira, cuja razão aponta as dificuldades estruturais do setor público na garantia da inclusão total. Até o presente momento, há dois projetos de decreto para a revogação do decreto nº 12.686. São eles, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 845, de 2025 do senador Flávio Arns e o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 846/2025 do deputado federal Diego Garcia. 

Desde a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) em 1973, atual Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Empreendedorismo e Inclusão (SECADI), houve preocupação com a integração dos alunos com deficiência no sistema regular de ensino. Posteriormente, impulsionado pelas agências de fomento internacionais, com a determinação das Nações Unidas para o  Ano Internacional da Pessoa com Deficiência (AIPD), entre 1983-1992 e com gradual progressão para o movimento da educação inclusiva, essa preocupação tornou-se maior para a inclusão total das pessoas com deficiência em ambiente regular comum e para a diminuição progressiva das organizações sem fins lucrativos. 

No entanto, essa prerrogativa nunca foi totalmente alcançada, inclusive com aumento dos movimentos privatistas que descartam a inclusão, retornando-a ao lugar da segregação nas instituições especializadas e sem fins lucrativos. Fato observado na tentativa do PL Decreto 10.502, de 30 de setembro de 2020 no governo de Jair Messias Bolsonaro. Portanto, as alianças com o setor privado e com os incentivos financeiros de agências como o Banco Itaú, que se apropriam das agendas culturais de esquerda, tem se fortalecido e contraditoriamente à ideologia marxista fomentado a agenda desses interesses, tanto para a saúde como para a educação (Catini, 2021).

Assim sendo, por interesses econômicos, observa-se que historicamente todas as principais legislações brasileiras mantiveram as parcerias com a escolarização ofertada por Escolas de Educação Especial, na Modalidade de Educação Básica. Logo, os defensores dessas instituições alegam que o presente decreto traz prejuízos aos direitos pré-estabelecidos no Decreto n. 7.611/2011, cujo teor está amparado pela LDBEN nº 9394/96. Veja,
A primeira constatação desse prejuízo decorre justamente da revogação do Decreto n. 7.611/2011, que em seu art. 8º, VII previa como diretriz do Poder Público no dever com a educação dos estudantes público alvo da educação especial o “apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializada e com atuação exclusiva em educação especial”. 
Ressalta-se que o decreto não dissolve as instituições especializados, mas reafirma a preferência da rede pública no oferecimento da vaga regular e de AEE e, somente em excepcionalidade às outras instituições. Também reafirma a preferência para os investimentos educacionais ao setor público no amparo da formação continuada de qualidade aos docentes e garantia de recursos materiais de tecnologias assistidas e adaptativas  ao público da educação especial (PEE).
Art. 9º O AEE na educação básica poderá, excepcionalmente, ser realizado em Centro de Atendimento Educacional Especializado da rede pública de ensino ou de instituições sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou com órgão equivalente dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Parágrafo único. Os Centros de Atendimento Educacional Especializado privados, sem fins lucrativos, conveniados, deverão atender aos requisitos estabelecidos pelo Conselho de Educação do respectivo sistema de ensino, para seu credenciamento, sua autorização de funcionamento e sua organização de AEE para a educação básica.
Portanto, deve-se observar que a atual legislação apresenta as seguintes afirmativas e não destitui as instituições especializadas. No entanto, ela retifica a preferencialidade da educação básica comum e a oferta do AEE na escola regular para a pessoa com deficiência, bem como o investimento prioritário das verbas públicas nas instituições da rede pública. Ela afirma:
§ 3º A garantia do sistema educacional inclusivo ocorre por meio da organização do sistema educacional geral, de forma a assegurar que os estudantes que são o público da educação especial estejam incluídos em classes e escolas comuns, com o apoio necessário à sua participação, permanência e aprendizagem.
VII - oferta de Atendimento Educacional Especializado - AEE, preferencialmente nas escolas comuns da rede regular dos sistemas de ensino.
II - universalizar a matrícula na educação básica para o público da educação especial, dos quatro aos dezessete anos de idade, em classes comuns da rede regular de ensino. 
§ 1º A modalidade da educação especial será oferecida de maneira transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, com vistas a assegurar recursos e serviços educacionais para apoiar, complementar e suplementar o processo de escolarização. 
Vivian Ribeiro (2020) e Dâmaris Melgaço (2024) em suas pesquisas no sudeste e sudoeste mineiro através do estudo de caso (campo de pesquisa) verificaram como o processo educacional ocorre na práxis educativa da pessoa com deficiência e concluíram que na prática escolar o trabalho pedagógico baseia-se na emissão de laudos e diagnósticos médicos o que dificulta o acesso ao AEE e, principalmente, ao professor de apoio (ACTLA). Esse recorte, adiciona-se a outros estudos e pesquisas de outros estados consubstanciando discrepâncias relativas ao padrão nacional, ferindo as legislações nacionais, como a Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015 e a Lei Berenice Piana nº 12.764/2012, Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, entre outras (Fontenele et.al., 2023). Desta maneira, o decreto nº 12.686/25 reafirma,
Art. 5º O Atendimento Educacional Especializado - AEE é atividade pedagógica de caráter complementar à escolarização de pessoas com deficiência e transtorno do espectro autista, e suplementar à escolarização de pessoas com altas habilidades ou superdotação, de acordo com o disposto nos art. 27 e art. 28 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
§ 2º A oferta do profissional de apoio escolar independerá de resultado de diagnóstico, laudo, relatório ou qualquer documento emitido por profissional de saúde.
O recente decreto nº 12.686/25 da atual gestão de Lula busca reafirmar essas legislações, inclusive garantindo a autonomia de atuação da equipe pedagógica na escola para o encaminhamento das crianças com deficiência e dificuldades de aprendizagem para o AEE e também para a solicitação de professor de apoio especializado através do estudo de caso essencialmente necessário ao Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) e ao Plano Individual de Desenvolvimento (PDI). O decreto nº 12.686/25 explica,
§ 7º A garantia da oferta do AEE ao estudante não será condicionada à exigência de diagnóstico, laudo, relatório ou qualquer outro documento emitido por profissional de saúde.
Art. 12. O PAEE é um documento obrigatório e individualizado de natureza pedagógica, com atualização contínua, que deriva do estudo de caso.

§ 4º Para realização do estudo de caso, quando necessário, será estabelecido diálogo com profissionais que compõem a rede de proteção social, como os da saúde, da assistência social e dos órgãos de proteção à criança e ao adolescente. 
Ao afirmar como objetivo do AEE (artigo 6º): "VII - fomentar e integrar as ações intersetoriais, notadamente entre as áreas que compõem a rede de proteção social", observa-se a preservação da liberdade nas ações de articulação e colaboração entre diferentes setores e políticas públicas (como saúde, educação, assistência social, trabalho, habitação, etc.) para resolver problemas complexos de forma mais eficaz do que cada setor faria isoladamente. Também o decreto 12.686 reitera e explicita como um objetivo da Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva no artigo 17: "II - efetivar a articulação intersetorial para promover atenção integral aos estudantes que são o público da educação especial". Ou seja, está claro que não há o descarte das equipes multidisciplinares dos vários setores públicos no trabalho articulado junto as pessoas com deficiência. Abaixo, quadro resumo com as principais problemáticas do Decreto 12.686/25:

ASPECTOS POSITIVOS DA LEGISLAÇÃO

ASPECTOS NEGATIVOS

 

1. Autonomia pedagógica no encaminhamento ao AEE.

1. Complicadores práticos.

2. O laudo é apenas complementar e não uma exigência.

2. Ausência de formação específica dos docentes.

3. Combate ao capacitismo.

 

3. Presença de atendimento generalista.

4. Retificação das principais leis nacionais da inclusão.

 

4. Prejuízos acumulados pela ausência de mediações no desenvolvimento cultural desde a primeira infância.

 

5. Retificação da garantia de matrícula da pessoa com deficiência na escola comum e no AEE (preferencialmente).

 

5. Falta de acesso aos materiais de produção humana acessíveis à todas as especificidades.

 

6. Reiteração do direito da pessoa com deficiência ao currículo básico comum.

 

6. Ausência de equipes da saúde e sociais como centros públicos de referência acessíveis às necessidades psicofisiológicas (não pedagógicas) dos alunos integrados e participativos na escola para complementar o desenvolvimento integral da pessoa com deficiência.

 

7. Compromisso com a Educação Especial e maior investimento público na formação profissional técnica.

 

7. O caráter da escolarização é pedagógico, NÃO DIAGNÓSTICO, mas a pessoa com deficiência é um ser integral que também necessita do atendimento de profissionais da saúde pública. Para muitos, esses atendimentos são essenciais.

 

8. Exigência de no mínimo 80 horas em formação técnica para ser profissional de apoio do aluno com deficiência.

 

8. O movimento para a privatização da educação e sua lógica in/excludente, meritocrática e mercadológica é um entrave grave.

 

9. Reiteração da necessidade de integração entre União, Estados e municípios.

9. Ausência de explicações mais específicas sobre a regulamentação e fiscalização dessas novas propositivas.

 

10. Padronização nacional do AEE.

 

10. O sistema capitalista e seus modos de produção.

    
11. Universalização do método: estudo de caso.

 

 

12. O AEE como parte indispensável na participação e construção do PPP escolar.

 

 

 

Muita coisa, neh?

Obs.: COM O MOVIMENTO DE CUNHO NEOLIBERAL PARA A REVOGAÇÃO DO DECRETO, AINDA TEM ÁGUA ROLANDO DEBAIXO DA PONTE 🤷‍♀️ AGUARDEMOS


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025. Institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. Diário Oficial da União. Edição 201, Seção 1, p. 4. Órgão: Atos do Poder Executivo. Publicado em 21/10/2025.

CATINI, Carolina de Roig. A educação bancária, "com um itaú de vantagens". Germinal: marxismo e educação em debate. Salvador, BA. v. 13, n. 1, p. 90-118, abr. 2021. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/VisualizadorPdf?codigoArquivo=577618&tipoMidia=0. Acesso em: 12 nov. 2025. 

FONTENELE, Luciana Queiroz; BESSA, Leticia Leite; LAVOR FILHO, Tadeu Lucas de; SOUZA FILHO, José Alves; MIRANDA, Luciana Lobo. Laudo e Diagnóstico como Dispositivos de (Ex)Inclusão Escolar: Uma Revisão Sistemática // Report and Diagnosis as Devices of School (Ex)inclusion: A Systematic Review. Revista de Psicologia, [S. l.], v. 14, p. e023009, 2023. DOI: 10.36517/revpsiufc.14.2023.e023009. Disponível em: https://periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/81699. Acesso em: 12 nov. 2025.

MELGAÇO, D. A. Concepções de deficiência presentes na práxis educativa dos educadores de uma "escola inclusiva" no sudoeste mineiro. 2024. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2024. Disponível em: https://www.repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1411013 Acesso em: 15 fev. 2025

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Ser esquizofrênico num mundo de "sãos"

Você sabe que é a luta antimanicomial?

A esquizofrenia é uma condição humana regida por fatores hereditários, ambientais e múltiplos. Segundo a Cid 11, ela é caracterizada por "distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados".

Somente quem convive ou já conviveu com pessoas que apresentam essas condições sabem melhor expressar os graus de sofrimentos vividos pela própria pessoa e seus familiares ou rede de apoio. 

Numa sociedade caótica, essas condições insalubres se intensificam. As cobranças e exigências por uma pseudo-normalidade agravam a situação numa cadeia aprisionante. Se, para os cidadãos "normais", as pressões da vida estão insuportáveis e adoecedoras, imagina para os que são munidos de uma hipersensibilidade afetiva?

Ao tentarmos resolver nossas internalidades junto as externalidades criamos um campo indizível e muito subjetivo, pois na relação do eu existo com o mundo do existir - na socialização das ações - cada humano segue uma cartilha própria dos afetos. 

Nessa relação entre eu-outro-outros - campo interacional - a forma como sentimos e experimentamos o mundo constrói a nossa relação íntima com ele que pode ser positiva ou negativa (conceito). As sensações experimentadas desenvolvem nossos sentimentos e emoções, bem como a forma como lidaremos com eles desde a mais tenra idade. Penso que é nesse campo que se desenha a esquizofrenia que conhecemos de forma conceitual.

Existe um espaço próprio do desenvolvimento infantil que Lev Vygotsky (1896-1934) conceituou como pensamento sincrético. Esse espaço do desenvolvimento cultural ocorre entre os três e sete anos - não estático - e é muito rico na formação dos conceitos (linguagem e compreensão do mundo cultural). É interessante que nesse período dinâmico, de acordo com Henri Wallon (1879-1962), pode-se pontuar objetivamente quatro características acerca deste tipo de pensamento infantil: fabulação, tautologia, elisão e contradição. Segundo ele, na fabulação a criança tende a inventar histórias, na tautologia há a repetição das palavras na intenção de compreendê-las, na elisão parece não haver muito sentido nas palavras e na contradição a conservação do conceito entra em prejuízo. 

Note-se que como característica fundante explicitada na Cid 11 e no DSM 5 a esquizofrenia possui explicações como, distorções do pensamento e da percepção que implicam na regulação da emoção e sentimento. Portanto, tem-se a hipótese de que a pessoa com esquizofrenia é uma criança que se perdeu no campo desenvolvimental e que teve esse desenvolvimento prejudicado por suas interações objetais, de tal forma que o trauma experienciado no campo afetivo e sem as mediações corretas implicou num retorno cíclico a resolução do problema (campo individual) que nunca se resolve.

Dessa maneira, explica-se a idade da manifestação da "doença", entre 15-25 anos, quando a vida social começa a exigir maior responsabilidade sobre a ação e as pressões externas criam uma prensa emocional instaurando a crise existencial (por todos experienciado, em menor ou maior grau), vulgo adolescência freudiana. A criança que não cresce rompe com a estrutura e mantém o pensamento sincrético na tentativa de resolução interna. É um momento de extrema solidão e angústia e sem as mediações necessárias o cérebro em atividade extrema gera a pane no sistema neuronal (a tal ruptura).

A confabulação entre o eu mesmo se dão como tentativas de resolução da dor in/externa, a tautologia como fonte de reafirmação do conceito se manifesta veementemente, as palavras começam a não fazer sentido para o mundo social, a conservação do conceito entra em prejuízo acelerado e a contradição fica evidente como sintomas da esquizofrenia. O que na criança era um espaço de desenvolvimento, na criança em adultização torna-se um espaço inadequado e inapropriado que sob a força hegemônica do olhar médico-clínico necessita urgentemente da "medicalização".

Pode-se afirmar que houve uma ruptura no desenvolvimento cultural, com prejuízos à vida cultural daquele ser humano específico. A esquizofrenia, portanto, é uma condição humana que carece de intervenções humanas como a compreensão e o acolhimento da criança que sofre presa em si mesma, porém o que se verifica na sociedade são ações preconceituosas e normalizadoras que não admitem a existência dos seres em sofrimento. Para tanto, subjugam as pessoas com esquizofrenia a tratamentos desumanos, com medidas preventivas e curativas opressoras que impõem exclusão e segregação, como verificadas ao longo do tempo histórico, tendo no Brasil como exemplo e marco a história do hospital psiquiátrico de Barbacena-MG.

A luta antimanicomial é uma premissa indispensável para tratamentos mais humanizados que considerem a esquizofrenia uma condição de existência e não uma aberração que deve ser apagada. 

REFERÊNCIAS:

WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995. 
GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. 
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.




Análise do Decreto 12.686/25: aspectos positivos e negativos

O  Decreto nº 12.686  foi promulgado no dia 20/10/2025 e institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Ed...