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A esquizofrenia é uma condição humana regida por fatores hereditários, ambientais e múltiplos. Segundo a Cid 11, ela é caracterizada por "distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados".
Somente quem convive ou já conviveu com pessoas que apresentam essas condições sabem melhor expressar os graus de sofrimentos vividos pela própria pessoa e seus familiares ou rede de apoio.
Numa sociedade caótica, essas condições insalubres se intensificam. As cobranças e exigências por uma pseudo-normalidade agravam a situação numa cadeia aprisionante. Se, para os cidadãos "normais", as pressões da vida estão insuportáveis e adoecedoras, imagina para os que são munidos de uma hipersensibilidade afetiva?
Ao tentarmos resolver nossas internalidades junto as externalidades criamos um campo indizível e muito subjetivo, pois na relação do eu existo com o mundo do existir - na socialização das ações - cada humano segue uma cartilha própria dos afetos.
Nessa relação entre eu-outro-outros - campo interacional - a forma como sentimos e experimentamos o mundo constrói a nossa relação íntima com ele que pode ser positiva ou negativa (conceito). As sensações experimentadas desenvolvem nossos sentimentos e emoções, bem como a forma como lidaremos com eles desde a mais tenra idade. Penso que é nesse campo que se desenha a esquizofrenia que conhecemos de forma conceitual.
Existe um espaço próprio do desenvolvimento infantil que Lev Vygotsky (1896-1934) conceituou como pensamento sincrético. Esse espaço do desenvolvimento cultural ocorre entre os três e sete anos - não estático - e é muito rico na formação dos conceitos (linguagem e compreensão do mundo cultural). É interessante que nesse período dinâmico, de acordo com Henri Wallon (1879-1962), pode-se pontuar objetivamente quatro características acerca deste tipo de pensamento infantil: fabulação, tautologia, elisão e contradição. Segundo ele, na fabulação a criança tende a inventar histórias, na tautologia há a repetição das palavras na intenção de compreendê-las, na elisão parece não haver muito sentido nas palavras e na contradição a conservação do conceito entra em prejuízo.
Note-se que como característica fundante explicitada na Cid 11 e no DSM 5 a esquizofrenia possui explicações como, distorções do pensamento e da percepção que implicam na regulação da emoção e sentimento. Portanto, tem-se a hipótese de que a pessoa com esquizofrenia é uma criança que se perdeu no campo desenvolvimental e que teve esse desenvolvimento prejudicado por suas interações objetais, de tal forma que o trauma experienciado no campo afetivo e sem as mediações corretas implicou num retorno cíclico a resolução do problema (campo individual) que nunca se resolve.
Dessa maneira, explica-se a idade da manifestação da "doença", entre 15-25 anos, quando a vida social começa a exigir maior responsabilidade sobre a ação e as pressões externas criam uma prensa emocional instaurando a crise existencial (por todos experienciado, em menor ou maior grau), vulgo adolescência freudiana. A criança que não cresce rompe com a estrutura e mantém o pensamento sincrético na tentativa de resolução interna. É um momento de extrema solidão e angústia e sem as mediações necessárias o cérebro em atividade extrema gera a pane no sistema neuronal (a tal ruptura).
A confabulação entre o eu mesmo se dão como tentativas de resolução da dor in/externa, a tautologia como fonte de reafirmação do conceito se manifesta veementemente, as palavras começam a não fazer sentido para o mundo social, a conservação do conceito entra em prejuízo acelerado e a contradição fica evidente como sintomas da esquizofrenia. O que na criança era um espaço de desenvolvimento, na criança em adultização torna-se um espaço inadequado e inapropriado que sob a força hegemônica do olhar médico-clínico necessita urgentemente da "medicalização".
Pode-se afirmar que houve uma ruptura no desenvolvimento cultural, com prejuízos à vida cultural daquele ser humano específico. A esquizofrenia, portanto, é uma condição humana que carece de intervenções humanas como a compreensão e o acolhimento da criança que sofre presa em si mesma, porém o que se verifica na sociedade são ações preconceituosas e normalizadoras que não admitem a existência dos seres em sofrimento. Para tanto, subjugam as pessoas com esquizofrenia a tratamentos desumanos, com medidas preventivas e curativas opressoras que impõem exclusão e segregação, como verificadas ao longo do tempo histórico, tendo no Brasil como exemplo e marco a história do hospital psiquiátrico de Barbacena-MG.
A luta antimanicomial é uma premissa indispensável para tratamentos mais humanizados que considerem a esquizofrenia uma condição de existência e não uma aberração que deve ser apagada.
REFERÊNCIAS:
WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo:Nova Alexandria, 1995. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
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