domingo, 25 de outubro de 2020

É sobre pedagogia, didática e atuação profissional que queremos falar?

A história da pedagogia é longa e passou pela influência de muitos períodos históricos, ideologias dominantes e imposições metodológicas. Assim como as matrizes psicológicas tiveram suas influências político-sociais, os paradigmas pedagógicos também o tiveram.

A questão metodológica da educação está que nenhuma metodologia está imune as ideologias vigentes na sociedade. O problema que envolve a didática e a formação profissional do pedagogo ou professor está intimamente atrelada às suas próprias concepções de ensino, claro que estas foram aprioristicamente apropriadas da interação social, política e cultural de sua experiência comunitária.

Durante muito tempo houve embates entre duas correntes principais: uma tradicional datada de longas datas, desde os tempos mais clássicos e uma revolucionária que buscou retirar da mão do educador ou mestre o poder central, dando ao aluno um maior poder. 

Os que se aproximam da referência mais clássica e tradicional expõem claramente que ainda acreditam na premissa do mestre e do discípulo. Talvez eles se contorçam na cadeira por esta ideia, mas o mestre era aquele que detinha o saber maior e por detê-lo traziam consigo uma fila de discípulos aprendizes, seguidores fiéis.

O mestre não podia ser questionado, já que era dotado de status quo - superioridade - uma certa deidade a ser imitada, seguida. A educação tradicional sempre teve este status. O aluno é apenas um mero aprendiz e seu professor o mestre - dotado de todo o saber. 

Esta questão relevante na educação faz-nos pensar um certo narcisismo da inquestionabilidade, bem contrária a dialética que propõe os embates provenientes da contradição. Só para pensar...

Pensando a dialética, não seria mais propício os diálogos existentes entre os mestres e os aprendizes do que a imposição de ideologias? A moeda tem dois lados. Se de um lado a hegemonia estatal capitalista detêm o poder e impõe o conhecimento sob seu viés, também do outro lado a sociedade sob os prismas socialistas impõe a sua ideologia. Data vênia relembrar a história das tentativas desastrosas desta forma de fazer governo na história, não que estas tenham sido piores que os estragos do capitalismo, mas também não foram as melhores.

Tanto o capitalismo quanto o socialismo partem de premissas básicas: alguém detém o poder. É fato... Não gostamos de falar sobre a perda da autonomia em ditaduras que impõem heteronímia humana?

Educar deveria ser um ato revolucionário a medida que agrega valores nos saberes, não retirando do professor a sua condição de mestre e de aprendiz. Isso, meus caros, é práxis. Nem mesmo os grandes mestres detinham todo o "saber". O conhecimento e a prática são geratriz de muitos outros aprendizados.

O educador que toma para si a arrogância da inquestionabilidade, ganha discípulos mudos, sem personalidade. Ganha papagaios de pirata que repetem seus ditos. O verdadeiro educador ensina pensar. E é pensando que se aprende a ter consciência reflexiva, de uma filosofia da práxis, mesmo que este aprendiz discorde de ti. E será pela dialética argumentativa que outros saberes se construirão. 

  Namastê :)




sábado, 17 de outubro de 2020

Pensando o Suicídio. Reflexões Fenomenológicas 3

Por Damaris Melgaço

O homem quando expropriado de sua produção criativa torna-se prisão. O suicídio, então; é possibilidade de um último ato produtivo que rompe com o distanciamento existente entre ser aí e ser dasein.

Pensar o suicídio de forma objetiva exige elaboração de campos históricos e de contextos culturais. Marx ao abordar o assunto faz relação com as questões propriamente relativas às condições do trabalho no sistema capitalista. O autor alega que são as formas de coexistir na sociedade do capital são determinantes para a  morte ou a decisão pela morte.

Para Marx, o homem quando desapropriado de sua produção e compulsoriamente jogado as condições de miserabilidade econômica pelo sistema monetário a que se submete, toma para si a possibilidade da desistência da vida. O fenômeno do suicídio sempre esteve presente ao longo da história nas mais variadas formas de  organização política, inclusive nas sociedades socialistas. Isto é algo que motiva reflexão.

É claro que esta razão econômica sempre perpassou e ainda perpassa o ideário social. No Brasil, o índice de suicídios tem crescido assustadoramente. A maior parte ocorre por motivações nem sempre específicas ou objetivadas. O que mais se ouve são proposições de possibilidades de ordem orgânica em adoecimento, dentre eles; a depressão, estados ansiógenos e psicóticos.

A questão levantada é por que há tantos estados adoecidos na sociedade ocidental? Como estes processos se dão? Há uma lista gigantesca a ser debatida. A fugacidade da vida, a chamada  superficialidade, as relações abstratas, a sociedade do consumo, os distanciamentos das relações interacionais, etc. A questão primordial refere-se a expropriação do ser de si e dos outros, mas como este processo de expropriação ocorre? Nesta questão, retomado em Marx as questões mais básicas, pode-se buscar explicações plausíveis a este fenômeno social.

O homem advém de suas produções e é nelas que o sentimento de utilidade se completa. Sejam nas produções de trabalho intelectual ou material, cuja força é exigida, os homens encontram o prazer produtivo. O prazer produtivo é dotado de energia vital que dá ao homem a realização, o prazer e o poder criativo. 

Nas bases mais primitivas, na luta pela sobrevivência, as necessidades são de preservação e manutenção de si e de outros. A luta e a fuga são ativos do medo e reinventados na produção de materiais protetivos. A produção humana, fruto do trabalho, é em si um bem maior dotado de poder e de domínio sobre outras espécies. A dominação, por si só, é; sem dúvida, liberdade. E é pela liberdade que o homem luta e labuta.

As invenções sociais, a medida que foram sendo necessárias, iniciaram os processos de castração da liberdade, pois a convivência coletiva exigiu que a liberdade de alguma forma fosse cerceada. A criação das regras foram a construção coletiva para estabelecer a comunicação e a interação necessárias para a boa convivência.

Todo este processo, em si, não é retrocesso, já que ele, pela própria distribuição da coletividade, se fez por um bem maior; a melhor convivência nos espaços sociais. A questão do suicídio não ocorre pelas formas rudimentais de comunicação ou apropriação espacial, mas pelas invasões territoriais dos espaços intrínsecos e individuais do existir humano. A transferência da volição primitiva pela conquista dos espaços enquanto domínio, quando transposta para o campo da individualidade intrínseca, talvez; seja a grande chave da inexistência e apatia existencial. Nestas condições o ser humano é tornado propriedade de outro e não de si. Eis aí a questão mais pungente na relação morte e vida.

Acostumado a existir para a produção criativa, o homem agora é expropriado de sua função primeira para acolher uma única produção universal, agora assumida como a mais importante verdade conhecida. A diminuição da autonomia criativa, seja na produção de suas ferramentas, sistemas, mitos e conhecimentos, causa apatia social. 

Geralmente, àqueles; acostumados e condicionados a expropriação, se reproduzem na imitação e permanência inconsciente de sua condição. Ao retomar o mito da caverna de Platão, pode-se repensar como a inércia presentifica a transmutalidade do mito em fascínio reduzido ao medo do desconhecido. Nestas condições alienantes da real face do mito, o homem não retoma a consciência e não sente e se não sente; se ressente.

Quando despertos de sua consciência, há nestes homens o desejo de reapropriação dos espaços antes invadidos e expropriados. Diante de toda a força existente na pressão comunitária, em forma organizada de políticas sociais, que subordinam os seres às autarquias, renascem as ideias maniqueístas que entendem a igualdade das origens que não necessitam de subordinações no campo individual do existir.

Estes homens, dotados da consciência crítica das relações em sociedade, são os inconformados. E assim, o sendo; despertam-se para a luta contra toda forma de opressão. Em Marx, pode-se perceber a anuência do consciente. É permitido pensar a sociedade em suas bases materiais. É permitido questionar estas bases. É inerente ao homem pensar sobre si e os outros e nos processos da coletividade.

Ser consciente é doloroso porque perceber as injustiças existentes, naquilo que constitui humanidades, é responsabilidade. E se é responsabilidade é culpa. E se é culpa é morte. E se é morte é luto. E se é luto é viver na obscuridade existencial. É morrer na existência.

A ideia do suicídio é um antagonismo da existência, pois se já não vivo na vida, confirmo na literalidade quando enfrento a morte. A finitude no existencialismo é o ponto crucial do existir. A morte é a maior proximidade do dasein, pois é ali que o eu real se manifesta, sem as brumas da inexistência. Portanto, suicidar-se é possibilidade de autonomia e resgate de si, mesmo que a obscuridade do pós-morte amedronte. No entanto, o suicida já experimentado da morte do ser nada teme. 

O medo é o princípio da vida e da luta pela sobrevivência. Moreno nos conta que suas experiências infantis lhe deram o estarte para a questão do ser. Em suas brincadeiras dramáticas, aonde rei e senhor ele era, certa feita ousou pular de sua cama e o resultado foi um machucado fenomenal. A partir deste memorial, entendeu um princípio básico, o de que o medo é o freio que nos estagna e nos coloca em vigília pela vida.

O ato de libertar-se implica em aceitar os limites da existência. O homem livre sabe que o seu poder criativo restringe-se a sua finitude. Eis aí o empasse final. O suicida transpassa o limite que o sufoca, incluso o de seu finito, na esperança de retomar o controle de seu poder criativo ou produtivo num ato final. O da tragédia humana.

Como numa peça de teatro, ele atua o último ato. Nada mais propício lembrar de Shakespeare e o ato final de Romeu e Julieta. A trágica estória mesmo que por acaso retoma o ato suicida como o apogeu e a vitória dos amantes. É na finitude da existência que há a libertação de toda opressão.

Entendendo que todos os seres são atores de sua existência e que são dotados de liberdade para escolher entre a vida e a morte, compreende-se o ato livre suicida como a expressão de todo o peso existencial que carrega. Não se pode condená-lo, pois muitos homens já pensaram em fazê-lo. 

Outros empobrecidos e inebriados pela existência da opressão, suicidam-se diariamente nas montanhas de álcool, coquetéis, cigarros, excessos alimentares, sexuais, etc. Os excessos nada mais são que discursos velados da opressão vivida. E não importam os apelos sociais, está-se a caminho da inevitável morte. Morte já experimentada em vida. Verdadeiras operações camicase.

A questão que se desvela não é a culpabilização de suicidas, mas a retomada da consciência suicida. 

Não ignoro em nenhum momento que o materialismo histórico-dialético se contrapõe a fenomenologia e que esta é uma abordagem humanista que prioriza a individualidade subjetiva de indivíduos. No entanto, a abordagem do fenômeno suicídio não ignora suas contradições.




domingo, 11 de outubro de 2020

Práxis: desvelando princípios básicos.

 Por Damaris Melgaço


Práxis, palavrinha tão usada nos meios educacionais, mas você sabe o que significa?

O termo aparece já nos tempos homéricos, quando eleva a contemplação filosófica ao status quo de positividade e de reflexão. Nesta época há uma verdadeira distinção entre as produções voltadas a intelectualidade e as produções de trabalho manual. Um homem elevado intelectualmente não deveria se ocupar de trabalhos comuns. Era vergonhoso.

O período renascentista trouxe com ele questionamentos interessantes sobre a intelectualidade, desbravou a filosofia até então existente, rompeu com padrões estéticos, promoveu novas estéticas, adentrou ao mundo da presunção do domínio, herança feudal, supervalorizou a moeda, fetichizou e tornou a acumulação de bens um ideal. Surgem agora os ideias do capital e a práxis fundante da economia capitalista ditou novos rumos a práxis, agora não mais de cunho filosófico contemplativo, mas separatista e classificatório, como de pertencer; e despertencer, ou seja; somente pertence quem domina. E quem domina possui o conhecimento e a produção do mesmo. Aos dominados resta-lhes ser expropriado de si para acatar passivamente os ideais de predomínio agora estatal. Se antes o incentivo a contemplação e a elevação humana era prioridade, agora é de pertença de apenas alguns. 

Marx em seus estudos inicia um movimento de base que dá a práxis uma nova dinâmica. Em sua filosofia da práxis ele concebe uma práxis que é constante e sempre existente nas atividades humanas. Ele reitera a práxis não separada dos movimentos de historicidade humana, sendo fundante de toda ação social existente e de construções coletivas. A práxis não pode ser negada e é o que é dada a realidade ideológica que a guia ou direciona. Em Marx a práxis desvela-se para além de sua existência, já que ele dá a ela um caráter de criticidade.  

Ele reconhece a existência da práxis enquanto movimento que é continuo ao longo da história das civilizações humanas. É dinâmica e se altera conforme as estruturas sociais e políticas também se alteram. Então, para entender práxis, em Marx, não se deve separá-la da unidade, como se em algum momento houvesse duas coisas a se juntarem: a prática e a teoria. Para este autor as políticas do capital o fazem, pois separam, em suas divisões de classe, a teoria da prática, já que o homem letrado possui a teoria a favor de si e do estado e o proletário a prática do exercício laboral.

Desta forma para Marx, o capital sequestra a unidade para si, desmembrando a práxis em condição reiterativa e espontânea. Desta forma a práxis torna-se apenas a assunção de valores e ideais pela imitação daquilo que é dado, imposto e desprovido de sentido. A consciência acaba prisioneira de estados alienantes; sem expressividade.

É esta condição que o autor denuncia em seus estudos teóricos: a alienação da consciência. A práxis, em Marx, ganha conotações de denúncia que toma por base a reflexão e a produção criadora, pois surge de uma necessidade e busca por soluções, sendo um processo que não se repete. Ao mesmo tempo um estado de retomada da consciência de mundo ou consciência da práxis para refletir a prática, tendo em si mesmo um caráter revolucionário.

O autor propõe a retomada da consciência da práxis, propõe o resgate do valor produtivo humano em sua integralidade, sem dicotomizar, separando ou classificando em mais valia, ou seja; em contrabalanço da atividade laboral nas balanças injustas que ora exigem maior produtividade do trabalhador, ora impõem maior produtividade via tecnologias. Propõe a retomada, nem que seja a força, do direito de usufruir da integralidade do trabalho que é o resultado de toda produção humana. Não há distinção entre atividade, já que toda atividade é valor em si. 

Para Marx o conhecimento é a bússola da prática, é norteadora do caminho de produção e é direito de todos. A globalização do caminho conhecido é que estas forças retroagem em si mesmas porque em algum momento por necessidade o homem pensou sua prática, idealizou uma ação que produziu algo, que registrou as gerações aquele novo saber que não se repetiu, mas evoluiu tendo como norte o que dantes conheceu, produzindo novas exigências e novas produções e novos saberes.

Portanto, práxis não é a junção e nem a separação entre teoria e prática, é mais; é movimento constante, como as rodas de um carro; pois ao mesmo tempo que produz conhecimento, também produz prática e ambos se geram no caminho da transformação daquela realidade. Em Marx a práxis ganha valor político, ético, revolucionário com potenciais de transformação social, e ela tem por base a crítica reflexiva.

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...