quinta-feira, 5 de maio de 2022

"Yanomami" : "seres humanos" que se opõem às categorias yaro (animais de caça) e yai (seres invisíveis ou sem nome), mas também a napë (inimigo, estrangeiro, "branco").



Por Dâmaris A C Melgaço


Estudos Culturais numa perspectiva materialista não nega a existência das bases materiais determinantes do processo construtivo da sociedade, mas entende que dentro de cada sociedade existe não somente uma cultura majoritária que responde as necessidades aparentes do todo organizado, mas outras culturas que ao mesmo tempo estão em dialética com a principal. Estas culturas são as resistentes e de perspectivas diferentes. A cultura para o materialismo cultural não é um laissez-faire, mas contradição e tensão constituinte do processo humano em sua totalidade, portanto cultura é a coexistência da diversidade.

O materialismo cultural entende o processo da construção social existente na história e se contrapõe as práticas culturais hegemônicas, revelando os apagamentos da diferença cultural dentro das sociedades, constituídas pela elevação do homem disciplinado ao pódio da moralidade ideal. Dessa forma o homem ainda pôde se manter no centro do mundo e no domínio social.

Se antes a espiritualidade e a mística eram o centro, com a evolução das ciências, o homem passou pelo ideário de centralidade. No entanto, quanto mais avançaram as ciências, este ser social foi colocado à margem de sua centralidade. Para garantir o seu status quo, amparado nas pseudociências oriundas do espaço real da ciência, o homem na ideologia europeia ousou apropriar-se da centralidade modelar, dando aos homens uma superioridade a partir de sua branquitude. Homem branco, machista, judaico-cristão, eurocêntrico e monocultural.

Criou-se a ideia de uma cultura erudita capaz de subjugar as outras culturas. Tentativa máxima da massificação cultural. Dessa forma tem-se uma cultura que se constitui elemento para a dominação e exploração de outros povos.

É importante conversar sobre isso, já que estamos vivenciando reverberações dessa ideologia de uma identidade única ou de um homem ideal. Os Yanomamis e o seu apagamento na Amazônia, subjugados a cultura exploratória dos garimpos, fomentado pela política nacional que se ampara nos ideais do imperialismo alemão estão gritantes aos olhos de todos.

A máxima da monocultura capitalista que se ampara no conceito de que a universalidade não se dá nos detalhes, na imediaticidade da experiência e sim a nível de princípios gerais, generalizações, precisa urgentemente ser questionada. Os movimentos políticos de defesa do multiculturalismo são essenciais para sairmos das aparências imediatas e revelar o todo que se esconde dentro da necessidade de uma monocultura, que é ao mesmo tempo essencial para a manutenção de um sistema político e econômico que rege as relações do capital.

O que ocorre na imediaticidade observada na experiência Yanomami de ser dizimado em sua aldeia, é a ponta do iceberg revelador de processos antigos realizados em outro tempo, mas que se materializam no aqui agora, nesta sociedade dita moderna, evoluída e detentora de alta cultura.

A pergunta é, o que dá bases para que atos como esses se perpetuem nesta sociedade?

Hipótese? A massificação das ideias por instâncias maiores impõe dentro das culturas a necessidade de apagar a heterogeneidade na busca pela homogeneidade, sob a legitimação da monocultura.

Quais seriam essas massificações?

Unificação de uma cultura.

Estabelecimento do poderio de uma cultura única.

Reforçamento da força e do poder monocultural.

Realização de propaganda da máxima cultural (intercomunicação).

Censura e controle das mídias, imprensa, produtos artísticos – músicas, artes visuais, teatro, etc.

Autopromoção da imagem cultural (religiosidade e moralidade).

Diferenciação entre culturas (baixa cultura e alta cultura)

Negação de outras formas de ser, organizar e interagir.

Expulsão de outras culturas (preconceito e ódio).

Destruição de toda forma ideológica cultural que se contraponha a Cultura hegemônica.

Resultados da massificação? Adestramento dos seres sociais às práticas arbitrárias que impõem aos outros seres sociais a sua esterilidade. Retirada dos seres sociais do lugar de abertura sensível as subjetividades para o lugar do amortecimento afetivo. Normalização da exclusão dos que não se adequam aos valores e regras da cultura geral. Fomentação de preconceitos, estigmas e estereótipos.


E você me perguntaria por que as pessoas em sua grande maioria estão apagadas e caladas diante da arbitrariedade ocorrida no Amazonas. Faça suas próprias leituras...






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...