sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A questão agrária e as suas implicações na existência indígena Yanomami


Por Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

De acordo com a denúncia de Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), em vídeo divulgado em rede social, Instagram, no dia 25 de abril de 2022, uma mulher e uma criança de três anos haviam sido levados por garimpeiros e a criança estaria na posse dos agressores no rio Uraricoera. A denúncia também acusou violência sexual contra uma adolescente de 12 anos da comunidade Arakaça, em Waikás (Roraima), que ocasionou a sua morte[1]. O mesmo delator postou em 13 de abril de 2022, um vídeo de denúncia contra o então senador Messias de Jesus, cuja declaração explicitava seu total apoio ao garimpo ilegal e a mineração em terras indígenas, ignorando os conflitos existentes entre índios e garimpeiros que; constantemente, culminam na morte de pessoas indígenas[2].

Em nota[3] divulgada pelo Condisi-YY, a Polícia Federal e órgãos públicos responsáveis por investigar a situação compareceram ao local da denúncia para averiguação. Relataram ter encontrado a aldeia vazia e em chamas. Alguns membros da população indígena compareceram ao local, quarenta minutos depois. Eles relataram que não poderiam falar sobre o ocorrido e que haviam recebido suborno pelo silêncio. Aparentemente, a ocultação das informações impediu maiores investigações e dificultou os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Conforme a nota e vídeo divulgado na rede social Twitter[4], quando alguém querido da comunidade morre, como tradição, os índios Yanomamis queimam a aldeia e abandonam a comunidade.

Diante desses relatos levantam-se questões importantes e que devem ser discutidas no atual cenário político. Uma delas é: qual a relação entre as questões agrárias e as invasões de territórios indígenas para a exploração ilegal de minérios na forma do garimpo? Para compreender esta questão, em primeiro lugar, necessita-se desvelar as dimensões sociopolíticas imbricadas na prática política e econômica herdadas do imperialismo[5], na nova república brasileira.

Da colônia e república oligárquica, pode-se abstrair “a passagem do entesouramento e da propensão a economizar pré-capitalistas para a acumulação capitalista propriamente dita (processo econômico que é, também, um processo psicossocial). ” (FLORESTAN, 2006, p. 237). O autor explica que para compreender a passagem do período colonial para o período republicano - fase embrionária do capitalismo brasileiro, é preciso estudar os atores sociais deste período, bem como os papéis econômicos por eles representados. Sem a análise destas personas não se pode entender nada a respeito da Revolução Burguesa. “É no seu enlace que se elevam ao primeiro plano tanto a “força selvagem” quanto a “debilidade crônica” da Revolução Burguesa sob o capitalismo dependente. ” (FLORESTAN, 2006, p. 237).

A teoria do capitalismo dependente expõe a fragilidade da composição social brasileira no que se refere as instituições políticas que reverberaram no econômico e principalmente no social. Florestan (2006) expõe que as características do capitalismo dependente, marcadas pela selvageria e a debilidade agravada surgem junto com ele e podem ser notadas desde o início, mesmo antes de um aprofundamento maior das relações de produção, das relações entre classes sociais e dos embates entre a burguesia e os trabalhadores, pois elas são forças contrárias que agem dentro do percurso histórico, dando as condições para captar o problema agravado, que não faz parte do capitalismo de forma geral, mas é intrínseco a este tipo de capitalismo.

Pensar a história evolutiva das políticas sociais e econômicas do capitalismo dependente em vigência no Brasil dá as condições necessárias para pensar as razões pelas quais a nação parece girar em círculos repetitivos que aparecem nas estruturas sociais que acompanham a evolução deste tipo de capitalismo. Florestan (2006) explica que por não haver uma quebra pactual com o passado, condições semelhantes tendem a ressurgir em novos quadros históricos, cobrando dívidas estruturais que negam ou neutralizam a história, exigindo novas formas de conciliação.

O Brasil é um país que dada sua base colonial não possuía uma burguesia em destaque em oposição à aristocracia agrária. Por ser um país do engenho, da fazenda e da estância pré-capitalista, a nação contou com o engajamento da aristocracia agrária no centro da transformação capitalista. Logo, percebido o surgimento do mercado e das novas relações produtivas, os jogos de interesses se voltaram a conciliação do poder colonial e neocolonial que garantiam o acúmulo monetário pré-capitalista e o maior lucro, próprio do capitalismo moderno. Houve, então a junção do antigo e do moderno, “a antiga aristocracia comercial com seus desdobramentos no “mundo de negócios” e as elites dos emigrantes com seus descendentes, prevalecendo, no conjunto, a lógica da dominação burguesa dos grupos oligárquicos dominantes. ” (FERNANDES, 2006, p. 247).

Salienta-se como questão problematizadora fundamental, quando se investiga a história social da revolução burguesa brasileira, a crise existente no poder da elite como resultado da passagem do capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista. Embora o capitalismo monopolista já existisse de forma incubada no Brasil, ele ocorreu subitamente com a chegada das indústrias de capital estrangeiro nos anos 50. O país sofreu pressão externa, oriundas do capitalismo mundial, que ameaçaram internamente muitos interesses econômicos, desequilibrando a base setor do poder burguês. Para manter os investimentos externos era necessário garantir a segurança nacional para proteção do capital estrangeiro dentro do país. Isso gerou concomitantemente outras duas pressões internas, uma advinda da classe trabalhadora e da população em geral e outra do próprio Estado. Como medidas de defesa contra as três pressões dessa transição, o poder burguês reagiu radicalmente, alterando a atividade burguesa em sua forma e função (FERNANDES, 2006).
A burguesia ganhava, assim, as condições mais vantajosas possíveis (em vista da situação interna): 1º) para estabelecer uma associação mais íntima com o capitalismo financeiro internacional; 2º) para reprimir, pela violência ou pela intimidação, qualquer ameaça operária ou popular de subversão da ordem (mesmo como uma “revolução democrático-burguesa”); 3º) para transformar o Estado em instrumento exclusivo do poder burguês, tanto no plano econômico quanto nos planos social e político (FERNANDES, 2006, p. 255).
A partir do conhecimento das forças sociais que se estabeleceram no país e como elas influenciaram a história das forças políticas solidificadas nas mãos de grupos dominantes, que impuseram e; ainda impõem, a sua vontade sobre a classe trabalhadora, sempre a serviço dos seus próprios interesses e dos interesses internacionais, pode-se compreender o atual cenário político-social de base ultraliberal que recai sobre as minorias psicológicas étnicas que dão a reflexão do presente texto. A questão agrária que se correlaciona com a questão indígena perpassa justamente as questões econômicas relativas as invasões de terras indígenas demarcadas e sob proteção estatal, por uma exacerbada exploração da terra e de seus frutos, através do desmatamento e extração de minérios e garimpo ilegais.

Importante, refletir que há no cotidiano das nações subdesenvolvidas uma grande pressão do capital estrangeiro sobre a agricultura, cujo domínio das estatais controlam a produção agrícola, potencializando a violência do capital e sua extensão sobre os trabalhadores da cidade e do campo. Especificamente, no Brasil, isso se dá de diferentes maneiras, com aparência de contradição, mas que possui uma mesma lógica, por assim dizer, pôr para fora o trabalhador do campo a fim de, sob promessa, incluí-lo na sociedade moderna e tecnológica - na indústria do agronegócio que, no entanto, o escravizam. Esta ofensiva do capital no campo expõe com mais clareza as contraposições existentes no sistema capitalista e que são, também, contraposições sociais e ambientais, diretamente imbricadas no futuro da raça humana e de seu habitat. Tanto que a discussão que tem sido feita sobre a crise do alimento é simbólica na exposição da relação entre o rural e o urbano (CALDART, 2009).

Nota-se que o agronegócio tem sido cada vez mais enfático na consolidação do capital em sua política econômica nas áreas campesinas, promovendo dentro da sociedade uma guerra ideológica. Pregam que o fim dos latifúndios virá pelo agronegócio e não pela reforma agrária ou pela luta dos movimentos sociais, considerados atrasados. A promessa do agronegócio é a resolução da questão da produção de alimentos e do aumento das divisas do país. Imbuídos em promover os intentos do agronegócio, os donos de empresa têm se lançado num ataque intensivo contra os movimentos sociais, acusando-os de criminosos, pois precisam de maiores oportunidades exploratórias e embora os movimentos de luta da classe trabalhadora estejam enfraquecidos, eles ainda representam a resistência aos modos de produção capitalista. A preocupação deles é o fomento da luta pela resistência e a adesão de alguns setores sociais aos movimentos, quando se derem conta dos imensos danos causados, por ações exploratórias, ao meio ambiente. O perigo estaria que; ao tomarem consciência dos danos ambientais; estes setores se pusessem contra a lógica de produção alimentícia do agronegócio, porém maior perigo reside no aprofundamento da luta contra as contradições do paradigma vigente evidenciados pela crise do capital (CALDART, 2009).

Vê-se o quanto estas constatações implicam diretamente na sobrevivência e existência preservada da população indígena, que embora esteja legalmente protegida por leis específicas, sofre com a ganância e a inflexível cultura do capital brasileiro, herdada de duas fontes, uma tradicional oriunda da revolução industrial e da construção da hegemonia francesa e americana e outra, própria da história da revolução burguesa brasileira herdada do colonialismo para a manutenção de interesses pessoais de grupos dominantes e sob a égide do imperialismo. Como afirmara Florestan (2006) um capitalismo dependente e selvagem, cujo braço forte se impõe duramente sobre os trabalhadores e se abre como uma madre aos estrangeiros numa política, obviamente, interesseira e não “desinteressada”, como proclamara Gramsci sobre a escola unitária (SEMERARO, 2021).

O processo da construção social existente na história se contrapõe as práticas culturais hegemônicas, revelando os apagamentos da diferença cultural dentro das sociedades, constituídas pela elevação do homem disciplinado ao pódio da moralidade ideal. Se antes a espiritualidade e a mística eram o centro, com a evolução das ciências, o homem passou pelo ideário de centralidade. No entanto, quanto mais avançaram as ciências, este ser social foi colocado à margem de sua centralidade. Para garantir o seu status quo, amparado nas pseudociências oriundas do espaço real da ciência, o homem na ideologia europeia ousou apropriar-se da centralidade modelar, dando aos homens uma superioridade a partir de sua branquitude - homem branco, machista, judaico-cristão, eurocêntrico e monocultural (VEIGA-NETO, 2003).

Criou-se a ideia de uma cultura erudita capaz de subjugar as outras culturas. Tentativa máxima da massificação cultural. Dessa forma tem-se uma cultura que se constitui elemento para a dominação e exploração de outros povos (VEIGA-NETO, 2003). É importante conversar sobre isso, já que, atualmente, vivencia-se na sociedade brasileira as reverberações dessa ideologia de uma única identidade ou de um homem ideal. Os Yanomamis e o seu apagamento na Amazônia, subjugados a cultura exploratória dos garimpos, fomentado pela política nacional que se ampara nos ideais do imperialismo alemão estão gritantes aos olhos de todos.

A máxima da monocultura[6] capitalista que se ampara no conceito de que a universalidade não se dá nos detalhes, na imediaticidade da experiência e sim a nível de princípios gerais, generalizações, precisa urgentemente ser questionada. Os movimentos políticos de defesa do multiculturalismo são essenciais para sairmos das aparências imediatas e revelar o todo que se esconde dentro da necessidade de uma monocultura, que é ao mesmo tempo essencial para a manutenção de um sistema político e econômico que rege as relações do capital (VEIGA-NETO, 2003).

O que ocorre na imediaticidade observada na experiência Yanomami, de ser dizimado em sua aldeia, é a ponta do iceberg revelador de processos antigos realizados em outro tempo, mas que se materializam no aqui agora, nesta sociedade dita moderna, evoluída e detentora de alta cultura. Uma segunda pergunta é, o que dá bases para que atos como esses se perpetuem nesta sociedade? Têm-se por hipótese que seja a massificação das ideias por instâncias maiores que impõem dentro das culturas a necessidade de apagar a heterogeneidade na busca pela homogeneidade, sob a legitimação da monocultura.

Paulo Freire [1921-1997] é um expoente que surge em um momento histórico específico da história brasileira e que se coloca no enfrentamento direto da estrutura social do capitalismo dependente em ascensão no Brasil. Dois livros são fundamentais para entender com lucidez a proposta sociopedagógica deste autor, Pedagogia do Oprimido, redigido no contexto da Reforma Agrária Chilena [1962-1973] e Educação como Prática da Liberdade. Percebe-se neste autor sua humanidade refletida pela busca de uma pedagogia libertadora das massas populares. Defensor da alfabetização, pode-se dizer que deu a ela o sentido de “Aprender a escrever a sua vida como autor e testemunha de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se.” (FIORI, 2021).

Em suas primeiras palavras direto do Chile, 1968, Freire (2021) conclama os leitores a uma abertura da consciência para além de suas crenças míticas. Propõe a abertura de diálogo transformador, capaz de revolucionar as mentes e vencer o medo da liberdade. Para ele a verdadeira conscientização não leva os homens ao fanatismo destrutivo, mas possibilita aos homens a sua inserção no processo histórico. Os homens precisam assumir um processo de radicalização, pois ela é constantemente o caminho de criação que alimenta a criticidade. Freire (2021) salienta que não se trata de ser passivo, como alguns o acusavam, diante da opressão, mas apenas de não ser sectário e irracional, ou seja; fechado a comunicação. Ele afirma: “Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário. ” (FREIRE, 2021, p. 37).

Uma das características fundamentais de Freire são a sua preocupação na relação da massa popular com a sua própria história, sendo revolucionário no sentido de estabelecer diálogos entre saberes populares e o saber escolarizado, trocas preciosas de valorização humana e da cultura, que não subjugam os homens a monocultura, antes desvelam os processos colonizadores da mente que levam os homens a alienação do seu próprio trabalho e de sua própria cultura. Freire é importante para se pensar a questão agrária, visto que ele ficou imerso e participante na reforma agrária chilena, bem como as questões territoriais dos povos étnicos, pois sua teoria é uma teoria que pensa a prática humana que liberta os homens da opressão.
Se houve alguma batalha visível travada pelo brasileiro no Chile, no corpo a corpo do processo educacional de reforma agrária, ela ocorreu junto aos setores do funcionalismo estatal que se impacientavam com o tempo pedagógico de seu método e reivindicavam a primazia do aumento da produtividade acima das peculiaridades subjetivas do campesinato. “O aumento da produção no processo de reforma agrária é eminentemente cultural”, insistiu o pedagogo, “o aumento indispensável da produção não pode ser visto como algo separado do universo cultural em que ocorre. ” (FREIRE, 1968, p. 5 apud VASCONCELOS, 2020, p. 189).
Vasconcelos (2020) explica que é no debate junto aos tecnocratas chilenos que Freire desenvolve alguns de seus principais debates teóricos, entre eles as questões da invasão cultural, cultura do silêncio e ação antidialógica. Para este autor o latifúndio, por ser uma estrutura que não horizontaliza e se fecha em suas artimanhas é por si só antidialógica, portanto, não seria com a ação antidialógica que o silêncio do trabalhador do campo seria rompido, mas com o diálogo problematizador das causas deste silêncio. Retomando as questões indígenas explanadas no início deste texto, pode-se refletir as causas do silêncio desta população, os Yanomamis, diante das violências e invasões a sua cultura, a sua tradição e ao seu povo que sucumbe as artimanhas da sociedade do capital que compra o seu silêncio através do medo da liberdade e pela opressão. Embora eles tenham os órgãos de denúncia e os mecanismos de defesa ao seu dispor se rendem as barganhas monetárias ofertadas pelo opressor, mantendo-se na opressão e no silenciamento.

Freire (1967) é insistente em seu conceito de integração que se opõe a acomodação e explica que por meio dela os homens são capazes de refletir criticamente a sua própria realidade não se conformando a ela, antes transformando-a. Ao tempo em que, contrariamente ao conceito de integração, os homens vão se moldando as realidades impostas por outros semelhantes, estes perdem a liberdade e já não escolhem, vivenciando, assim, o processo de acomodação e ajustamento. Para o pedagogo o homem que se integra ou comunga é o homem sujeito, ou seja; um ser que age no mundo para transformá-lo. E homens integrados e revoltos a lógica do mercado são considerados: os subversivos. Talvez por isso tão temidos pela ordem do capital. “Daí que a massificação implique no desenraizamento[7] do homem. Na sua “destemporalização”. Na sua acomodação. No seu ajustamento. ” (FREIRE, 1967, p. 42).

Enfim, a grande batalha humana que vem sendo travada ao longo do tempo é a do não ajustamento através da superação dos fatores que fazem do homem um ser acomodado. É a batalha pela humanização, cuja ameaça é a opressão que o esmaga e está a pleno vapor, e muitas vezes opressão que age em nome de sua libertação, fato social doloroso. Para Freire (1967), a modernidade cobra um alto preço dos homens, pois os domina pela ordem mitológica, pelas propagandas enganosas, que se organizam na forma de publicidade, podendo ser ideológica ou não, mas que os faz abandonar o seu poder decisório. A atividade dos homens simples vem sendo apresentadas a eles por uma classe dominante que lhes destina um receituário de como fazer, como viver e como existir.

Quando estes homens pensam estar sendo libertos de sua dor ao seguirem estas orientações, submergem na inexistência nivelada pela massificação, já sem nenhuma esperança ou crença, estes homens, agora domesticados e objetificados tornaram-se um não-sujeito. “Por isso, desde já, saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época. ” (FREIRE, 1967, p. 44).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das experiências de violação de direitos indígenas, noticiadas nas mídias sociais diariamente, propus-me a responder duas questões problemas que se levantaram dessa realidade. A primeira era qual a relação entre as questões agrárias e as invasões de territórios indígenas para a exploração ilegal de minérios na forma do garimpo? E a segunda, o que dá bases para que atos como esses se perpetuem nesta sociedade?

Na tentativa de respondê-las trouxe uma caracterização da revolução burguesa no Brasil afim de compreender como as forças do capital retroagiram nas relações de produção, de trabalho e de classes. Vimos que por sermos um país capitalista dependente, termo alcunhado por Florestan, temos em nosso germe uma assumpção dos mecanismos reprodutivos do capital exploratório hegemônico, que tende a ser reacionário em seu interior e progressista em seu exterior. Com isso, as forças de domínio internas são extremamente violentas e subjugadoras, beirando a escravidão.

Como resultado de políticas internas, ocorre a absorção de políticas externas e de pressão agrícola pelas multinacionais estrangeiras, como tendências de domínio dos modos de produção do campo, que se baseiam no agronegócio. Vimos, também que neste modo de produção agrícola o desrespeito a natureza e as populações do campo e indígenas – condição natural dos homens, são agravadas. Discutimos as questões culturais, que são históricas e que ditaram através do legado erudito alemão uma monocultura, branca e patriarcal. Esta monocultura ditou as regras do capital e amparou seu implacável avanço sobre as outras ordens organizativas e culturais. Desta maneira, o homem foi perdendo a sua identidade e se acomodando a modos de produção exploratórias e subservientes.

Procurei, também, demonstrar através da teoria de Freire que o processo de libertação humana advém do coletivo, na práxis, que dialoga as condições reais dos homens a seu tempo, levando-os a conscientização crítica da exploração e alienação do trabalho, bem como da expropriação de sua própria cultura. Enfim, refletiu-se que este homem precisa se resgatar, situando-se como homem histórico em seu tempo, capaz de decidir e de transformar a sua própria realidade em movimentos de luta organizada que rompe o domínio do opressor.

Finalizo este texto retomando as palavras de Paulo Freire em “A pedagogia do Oprimido”, quando afirma que embora a resposta dos oprimidos aos opressores possa parecer contraditória por ser um ato de rebelião, muitas vezes violenta, é na verdade ato de amor, porque pode libertar, também, o opressor, já que este não tem consciência de que a sua violência é uma auto-violência, pois na medida em que não permitem que o outro seja, também não podem ser. Logo, os homens sob opressão ao se rebelarem contra os seus opressores, lhes retirando o poder de esmagamento, podem, enfim, lhes oportunizar a restauração de sua humanidade, perdida no uso da opressão. Portanto, os movimentos sociais de luta são imprescindíveis no combate e no enfrentamento dos efeitos deletérios do capital sobre a vida dos homens.

REFERÊNCIAS

CALDART, R. S. Educação do campo: notas para uma análise de percurso. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n. 1, p. 35-64, mar./jun., 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/z6LjzpG6H8ghXxbGtMsYG3f/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: nov. 2022.

FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5 ed. São Paulo: Globo, 2006. Cap. 5, 6 e 7.

FIORI, E. M. Prefácio. In: FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 79 eds. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 79 eds. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

VASCONCELOS, S. J. "O lápis é mais pesado que a enxada": reforma agrária no Chile e pedagogias camponesas para transformação econômica (1955-1973). Tese de doutorado, USP, Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-13042021-193600/pt-br.php.

VEIGA-NETO, A. Cultura, culturas e educação. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 23, p. 5-15, Aug., 2003.

SEMERARO, G. Intelectuais, Educação e Escola: um estudo do caderno 12 de Antonio Gramsci. Tradução do caderno 12 de Maria Margarido Machado. São Paulo: Expressão Popular, 2021.


[1] Disponível em https://www.instagram.com/p/Ccy9OTHF7l0/. Acesso em: 01/12/2022.

[2] Disponível em: https://www.instagram.com/p/CcTIdHylAar/. Acesso em: 01/12/2022.

[3] Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cc8NfgkOx86/. Acesso em: 01/12/2022.

[4] Disponível em: https://twitter.com/i/status/1520058417469083648. Acesso em: 01/12/2022.

[5] Termo utilizado para conceituar as questões de forças de interesses de um país dominante e de um país dependente. No país dependente as necessidades de um grupo dominante se associam às necessidades de um país dominante para satisfazerem ambas as necessidades. Determinando, assim, o andamento político, social e econômico do pais dependente. 

[6] Em suma, a linha do argumento teria sido mais ou menos a seguinte: “Está bem. Primeiro deslocaram a ênfase da minha dimensão divina ou espiritual para a minha dimensão humana. E agora mais essa: eu não estou no centro da Natureza, não mais ocupo o centro do mundo natural... Mas continuo sendo único porque sou capaz de erigir uma Cultura única” (VEIGA-NETO, 2003, p. 8).

[7] Freire (1974) defende que a integralização embasa as raízes do homem, ou seja; um ser que é histórico e situado na sua realidade social, mas quando ele passa pelo ajustamento perde a sua capacidade de se reconhecer sujeito histórico, tornando-se um ser genérico ou massificado.

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