Por Dâmaris A C Melgaço
Faz tempo que eu não passo por aqui, ao passo que se passo é só para contemplar a obra de minhas mãos como uma boa mulher neurotípica. Um castelinho construído, que de vez em quando se desmonta e se reconstrói, já que não consegue ficar parado em um único pilar. Essa efervescente sede de saber, que incômoda me aflige e me coloca em cheque e; às vezes, em tensão. De toda forma, essa inquietação me obriga a ressignificar o pensamento, a extirpar as muletas, a rever as coisas em ângulos diversos.
Há exatas horas em que eu me sinto totalmente desprovida de argumentações e outras em que eu me encho de coragem para enfrentar o dilema de dar uma resposta. No entanto, sempre me pergunto se as respostas são realmente necessárias. Afinal, elas se dão dentro da dinâmica social e suas engrenagens.
O último ano foi, sem dúvida - para mim - um momento de grande crescimento humano integral, no entanto; ao mesmo tempo, veio com algumas retaliações da vida cotidiana, das culpas sociais e das desculpas. As engrenagens me colocaram entre duas situações extremamente dolorosas e que envolvem a minha vida pessoal, que reverbera a social.
Como estudiosa da "inclusão" tenho me debatido com as exclusões vívidas e transparentes da cultura social capitalista, mas não como outrora - à distância, mas, aqui e agora; bem pertinho. E quando essas dinâmicas atingem nossos familiares a gente fica sem chão. Sim, a dor da experiência nos humaniza ainda mais.
Se antes, eu percebia as exclusões e optava por não participar delas, agora eu vivo a exclusão. Óbvio, que a questão da exclusão existe sempre na vida social, principalmente na vida cotidiana de uma sociedade, cuja estrutura econômica é baseada no capital. Não se trata de negar isso, mas de vivenciar mais de perto a dor do excluído e o martírio da vida marginal.
As respostas que a vida material nos dão são as melhores, porque elas nos ensinam a crescer. Estou experimentando de perto duas dores: a dor da exclusão da diferença e do ritmo inusual do aprendizado e a dor do racismo estrutural.
Eu sou bisneta de um homem negro, meu avô era um homem pardo, minhas tias avós mulheres de "cabelo ruim" - diziam os brancos. Minha mãe nasceu no interior do Rio Grande do Sul. Ela é branca, no entanto; para aquele lugar em 1957 (mil novecentos e cinquenta e sete), ela e sua família eram os pretos e sofreram todas as humilhações possíveis e cabíveis à sua época.
Minha mãe gostava de estudar, mas parou os estudos na quinta série ginasial. Foi expulsa da escola acusada de roubo. Mais tarde, descobriram a verdade. Nunca pediram perdão. Essas histórias eu sempre escutei, mas não posso dizer que eu vivi a exclusão pela cor da pele, pois eu também sou branca e em outro contexto.
O que estou querendo dizer é que sempre ouvi histórias, mas nunca as vivi literalmente. A vida que vivi foi a vida do pobre, mas daquele que ainda tem o que comer ou vestir. Eu não posso dizer que eu sei o que é passar fome ou morar na rua. Minha mãe, sim.
Recentemente, vivi uma experiência dolorosa com uma pessoa querida. E diante dos relatos que ouvi, me pus em lágrimas e acho que ainda estou em recuperação. A resposta que a vida nos dá, meu leitor, é a confirmação de que racismo estrutural, exploração do trabalhador, expropriação da dignidade e necessidade de sobrevivência sempre existiram e ainda existem no Brasil e são processos muito cruéis.
Quando você decide estar ao lado do oprimido, sendo consciente de sua própria condição - ora como oprimido, ora como opressor - compreende que este é um caminho sem volta. Que as estruturas sociais desta sociedade são cruéis e desumanas. Que elas nos destroem outorgando-nos toda a culpa pela miserabilidade que nos é imputada.
É uma chave que vira a concepção de mundo da gente e nos impulsiona a rejeitar com toda a veemência os processos da in/exclusão, entendendo que a decadência de uma sociedade - dialeticamente - é ao mesmo tempo ruim e benéfica, já que a degradação de um sistema pode ser o recomeço de um novo modo de existir em sociedade e que o xeque-mate da consciência embora implacável, é muito libertador.
Finalizo aqui com este poema reflexivo.
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