terça-feira, 2 de outubro de 2018

Apropriação/Internalização de Smolka e de Vigotsky


1.    O que é o conceito de “apropriação” segundo Smolka e qual a diferença possível que pode ser feita em relação ao conceito de “internalização”? 
2. Descreva o processo de apropriação e significação na perspectiva histórica cultural e qual é o papel da linguagem nesse processo?

QUESTÃO 1

Para Smolka o termo apropriação teria um caráter de interiorização, pois ela considera que apropriação e internalização poderiam ser termos utilizados como sinônimos equivalentes porque ambos supõem “[...] algo que o indivíduo toma 'de fora' (de algum lugar) e de alguém (um outro) [...]”, implicando “[...] a ação de um indivíduo sobre algo ao qual ele atribui propriedade particular.” (Smolka, 2000, p. 28). “Em incorporação e interiorização, a ênfase está no ambiente de chegada do objeto deslocado: espaço interno de alguma coisa” (Batista, 2018).
“Em latim, interior significa íntimo, recôndito. Dessa forma, podemos entender interiorização como um processo de internalização, situação em que algo exterior é tornado íntimo e interno.” (Costa & Santa-Clara, 2015).
A apropriação pode também ser entendida como algo que vem de fora. Essa expressão “[...] pode ser compreendido e/ou referido de várias maneiras: como uma informação; a ajuda de um parceiro; a escuta de um ouvinte, ou um coprodutor da mensagem; uma ferramenta instrucional etc.” (Costa & Santa-Clara, 2015).
Apropriação para Vigotski é entendida “como a pedra angular do processo de elaboração das funções psíquicas superiores, [...], como resultado do processo que permite a inserção da criança como copartícipe da cultura.” (Costa & Santa-Clara, 2015). Segundo ele “a criança, primeiramente, internaliza o legado cultural, passando a ser um agente de modificação dessa cultura, podendo intervir nela por meio de sua ação” (Costa & Santa-Clara, 2015).
“O conceito de internalização aparece em meio às discussões da criação das funções psíquicas na criança, posto pelo autor nas seguintes palavras: “chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa.” (Vigotski, 1984, p.74 apud Costa & Santa-Clara, 2015).
A questão entre a apropriação e a internalização é investigada em Rogoff (1990, 1987, 1995, 1998) que, em seus escritos, aponta como diferença entre os termos o fato de que a internalização remonta a Vigotski (1984, 1987, 2001) que deixa em seus escritos uma falta de explicação satisfatória em relação ao que, de fato, esse conceito significa.
Como, na verdade, ele ocorre? O que está em jogo na seleção dos fatores que são absorvidos e/ou relegados no processo? Ele seria um processo continuado, ou o seu resultado? Ele implica numa certa estabilidade do fator externo que passa a ser um fator interno? E quando passa? Ou o fator internalizado continua em movimento contínuo, mesmo diante do fato de estar internalizado? Rogoff (1990, 1987, 1995, 1998), baseada nos trabalhos vigotskianos, argumenta que a internalização, como é pensada pelo autor, implica num certo movimento de transformação onde, primeiro, ocorre um momento social e coletivo, e posteriormente, um momento individual como ponto de chegada (COSTA & SANTA-CLARA, 2015).


É pensada como o resultado de uma atividade, envolvendo uma passagem do coletivo para o individual. [...] Significa um processo no qual não existe uma passagem de algo externo para dentro, mas um movimento de forma contínua, mesmo porque não se pode delimitar exatamente o que está fora e dentro da mente [...] o individual e/ou coletivo. Resumindo, a apropriação ocorre na atividade (Costa & Santa-Clara, 2015).

QUESTÃO 2

A translinguística requer a consideração de uma linguagem que se utiliza de um aparato reiterável, estrutural e, ao mesmo tempo, requer a consideração da intenção do sujeito que povoa o discurso e, dessa forma, torna-se o autor, emergindo em singularidade e também em diferenciações progressivas
Salienta o sentido dado ao termo pelo citado autor, significando o processo de tornar minhas as palavras do outro, que permite o diálogo e o processo de apropriação como contínuo e complexo.
Processo dialógico-argumentativo, ou seja, como algo que não possui existência a priori, mas se desenvolve no decurso das negociações significativas entre o sujeito e os diferentes outros/vozes sociais. A apropriação trata-se, portanto, de um processo cuja existência só é possível a partir de um discurso interior imbricado em relações sociais.
A translinguística faz uso da significação, caráter estrutural reiterável toda vez que é enunciada, e do sentido, caráter circunstancial que se apresenta compreensível diante de uma situação que possui um sentido de acabamento, permitindo a compreensão da intenção individual do falante. O limite entre o interno e o externo, entre o meu ponto de vista e o ponto de vista de outrem, tem de ser analisado com base no diálogo dentro de uma atividade prática, local e específica.
Diferente da atividade informal de ensino, em que a criança aprende de forma espontânea, a atividade de sala de aula se caracteriza como uma atividade formal, onde o ensino passa a ter um papel instrucional fundamental que faz parte do arcabouço secular da humanidade. Enquanto atividade eminentemente pedagógica, o ensino formal se passa em um lugar particular onde existem normas que devem ser seguidas pelos estudantes, uma linguagem própria a ser apropriada, não somente relativa ao conteúdo, mas também à comunicação,
Tanto na concepção de Leontiev (1978) quanto na de Vygotsky (2008), na relação com os objetos do mundo, o sujeito fica diante de um problema a resolver; esse problema não é apenas seu, mas de todos. Entretanto a forma de lidar com os objetos do mundo, embora diga respeito a todos, é particular e intransferível, pois a produção de significado que ocorre nessa relação se estabelece a partir do repertório cultural de cada sujeito. Nesse contexto, o “tornar seu” não significa “tomar posse” de alguma coisa, mas adquirir “seu modo próprio” de perceber e de lidar com as coisas do mundo.
No processo de apropriação do espaço, o sujeito ou o grupo estabelece uma relação de identidade e de pertencimento que transforma o ambiente como uma expressão de si. Nessa relação, tanto o sujeito pode pertencer ao espaço quanto o espaço pode, simbolicamente, pertencer ao sujeito. É uma relação de domínio afetivo do espaço, no qual são exercidos controle e posse simbólicos.

REFERÊNCIAS:

COSTA, Eveline Vieira; SANTA-CLARA, Angela. Apropriação como Produção Coletiva na Atividade e Internalização como Resultado desta Atividade: um exemplo de álgebra elementar na sala de aula. Bolema, Rio Claro (SP), v. 29, n. 51, p. 349-368, abr. 2015.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. Tradução: J. Cipolla Neto; L. S. M. Barreto; S. C. Afeche. São Paulo: Martins Fontes. 1984.

BATISTA, Carmem Lucia. Os conceitos de apropriação: contribuições à Ciência da Informação. Em Questão, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 210-234, maio/ago. 2018 Disponível em: http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245242.210-234.

SMOLKA, A. L. B. O (im)próprio e o (im)pertinente na apropriação das práticas sociais. Cadernos Cedes, Campinas, v. 20, n. 50, p. 26-40, abr. 2000.

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