2. Qual o papel da atividade do brincar e do brinquedo no processo de desenvolvimento intrínseco/extrínseco e das funções psicológicas superiores?
Questão
1.
A
palavra é uma matriz complexa que abarca diversas pistas, sons, estruturas, vocabulários
e sentidos e que a depender da situação contextual é muito variável. A palavra
é indispensável à fala, atividade pelo qual o indivíduo comunica-se oralmente e
vocalicamente na transmissão de informação. Atividade, essa, chamada de
“linguagem”. “A fala é baseada na palavra, mas também na frase, que é a unidade
básica da expressão narrativa em que ocorre uma combinação de palavras em
conformidade com as normas da língua” (LURIA, 1981, p. 269 apud MARTINS, 2013,
p. 167).
A língua por sua vez
representa um modo específico de comunicação linguística que opera por signos
estruturados em vocabulário, gramática e sistema fonético que oferece interação
e trocas comunicativas entre os indivíduos, sendo assim uma atividade
intelectual (MARTINS, 2013, p. 167).
A partir do momento em
que o homem passou a fazer representações objetais e de acontecimentos
utilizando-se da palavra ele libertou-se “do campo sensorial imediato” para uma
atividade evolutiva: o pensamento. A palavra, portanto, exige mediação de
outros indivíduos, porque ela é uma condição social e desenvolvida nas relações
sociais (MARTINS, 2013, p. 168).
Na criança a “voz” está
posta a princípio como uma forma de linguagem, mas que está relacionada a um
estado orgânico, emocional como um reflexo condicionado. A voz torna-se um
substituto da linguagem mais elementar. Em seu primeiro ano de existência a
linguagem infantil tem por base as reações incondicionadas (instintivas e
emocionais) (VYGOTSKY, 1989).
Essas reações acabam
por sua vez evoluindo e diferenciando-se ao longo do processo e a criança
apropria-se da linguagem mais estruturada passando a cumprir uma função de
contato social, no entanto, ainda não corresponde à linguagem propriamente
dita, já que a relação está posta entre objeto e palavra sendo uma etapa
“pré-linguística” (VYGOTSKY, 1989).
Existe, portanto, uma
relação primária entre a palavra, percepção, representação ou imagem aonde umas
palavras vão dando origem a outras palavras. Os signos não aparecem na criança
espontaneamente, logo elas se apropriam daquilo que lhes é passado por outras
pessoas e somente com o tempo tornam-se conscientes das funções que cada signo
possui (MARTINS, 2013).
Gradualmente a palavra
vai deixando de ser uma simples extensão objetal ou de propriedade para ser
propriamente signo, para tanto o indivíduo passa a realizar conexões mais
complexas entre objeto e funções, os equivalentes funcionais (etapa
“linguística-fonética”). A criança aprende a função social dos signos iniciando
o processo da comunicação em si e a necessidade de conhecer o mundo (MARTINS,
2013).
A aprendizagem da linguagem
escrita exige esforço e atenção tanto de quem ensina como daquele que aprende.
O primeiro gesto da criança são os desenhos e rabiscos e esses estão ligados à
origem dos signos escritos (2ª ordem). O segundo são os jogos aonde a criança
comunica aos outros o significado dos objetos. Ao se tornar hábito a linguagem
falada, os desenhos iniciam-se como simbologias representativas (1ª ordem).
Sendo a linguagem verbal a base para a escrita (VYGOTSKY, 1998).
Devagarzinho a criança
vai transformando seus rabiscos simbólicos em figuras e desenhos que vão sendo
substituídos por signos. A esse processo atribui-se a virada ou a movimentação
que retira a criança da escrita pictográfica, levando-a para a ideográfica. Através
do gesto, signo visual, a criança vai desenhando sua escrita no ar. A escrita,
signo escrito, é a fixação dos gestos. A união dos gestos e da linguagem
escrita faz parte dos jogos das crianças e alguns objetos podem indicar através
de sinais ou indícios outros, substituindo-os e tornando seus signos. A
brincadeira do faz-de-conta, portanto, é um dos grandes contribuidores para o
desenvolvimento da linguagem escrita assim chamado simbolismo de segunda ordem,
enquanto que no brinquedo bem como no desenho o significado surge,
inicialmente, como simbolismo de primeira ordem (VYGOTSKY, 1998).
Questão
2.
O brinquedo é o
principal mecanismo de desenvolvimento cultural da criança, ou seja, a criança
vai se apropriando por intermédio do brinquedo das experiências sociais e
culturais. Para tanto ela faz uso da imaginação e pode modificar tanto os
objetos como os diversos comportamentos que o ambiente produz e disponibiliza
(PAVEZI & LIMA, 2012).
A criança possui um
poder imaginativo que é próprio da atividade de brincar e é o ponto chave do
brinquedo, porém em bebês recém-nascidos essa capacidade não está presente. É
apenas a partir dos três anos de idade que a criança começa experimentar a
possibilidade de planejar uma ação que vai acontecer no futuro, ou seja, ela
sai da imediaticidade para o desenvolvimento do pensar de forma abstrata e
assumir e ensaiar papéis e valores dos adultos em seu meio social (VYGOTSKY,
1998).
O brinquedo assume a
função de propiciar a criação da zona de desenvolvimento proximal aonde a
criança começa a antecipar a aquisição da motivação, habilidades, valores e
atitudes dos adultos para sua própria inserção na participação social. Além
disso, a imaginação e o brinquedo contribuem para que as habilidades de
formação conceitual da criança se ampliem e ela faça espontaneamente separação
do significado e do objeto (VYGOTSKY, 1998).
“No ato de brincar, os
sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa além
daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os
acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando” (PAVEZI
& LIMA, 2012, p. 2856).
A fala recebe destaque
porque contribui com a interação social da criança, bem como organiza o
pensamento e a ação da mesma. A princípio a fala surge como função social
unicamente externa e interpessoal. A posteriori a fala surge egocêntrica, pois
a criança recriou os modelos de comportamento social intrinsecamente. Essa fala
intrapessoal passa agora a servir ao pensamento racional e coerente e ao
pensamento concentrado excessivamente em si próprio opondo-se ao mundo exterior
(VYGOTSKY, 1989).
No desenvolvimento social da
criança as funções psicológicas superiores surgem como um processo de
reconstrução interna de uma operação externa. Isto acontece numa série de
transformações em que uma
operação que inicialmente se dá a nível externo, é reconstruída e começa a
ocorrer internamente, um processo interpessoal se transforma em intrapessoal.
Esta transformação de um processo interpessoal em intrapessoal é resultado de
uma longa série de eventos ocorridos no decurso do desenvolvimento, e é
denominada por Vygotsky (1991, p.63) “internalização” (PAVEZI & LIMA, 2012,
p. 2858-2859).
.
REFERÊNCIAS:
MARTINS,
L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a
educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da
pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados Ltda, 2013 - 317 p.
VYGOTSKY,
L. S. A formação social da mente: o
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, 194 p.
___________,
L. S. Pensamento e Linguagem. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
PAVEZI,
Marilza; LIMA, Laíse Soares. O papel da
brincadeira e do brinquedo no desenvolvimento e aprendizagem da criança. IX
Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”.
Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa. 31/07 a 03/08/2012 – Anais
Eletrônicos, pp. 2853-2861. Disponível em: http: //www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario9/PDFs/3.58.pdf. Acesso em set.
2018.
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