terça-feira, 20 de abril de 2021

A existência é em si um ato político

Aristóteles

Refletir a existência a partir de uma perspectiva que não foge a materialidade das coisas, coloca o homem não somente numa relação intrínseca individualista, mas a priori coletiva. São, exatamente, estas influências perceptíveis na composição dos seres, que são revertidas pela consciência da existência a parte; como possibilidade de desvincular-se de amarras impostas pela vivência do ser-com-outros. Este movimento, de início é individualista, pois parte da premissa de que o ser em movimento consigo, introspectivamente, reflete o quão distante se encontra de si ou de seu dasein.

A real consciência do existir é a válvula motriz de toda a transformação do indivíduo. Essa transformação pretende ser livre de todas as amarras condicionantes do devir. A partir da reapropriação de sua condição mais aproximada de si, é que o indivíduo pode voltar-se novamente a sua interação com outros entes existentes, mas agora refeito dos condicionantes.

Esta reaproximação se dá numa condição de catarse. Daquilo que antes estava obscurecido à visão, pelas determinações do devir social. Desta forma, dotado de sua melhor proximidade e em suspensão; o ser aí, agora interage com outros em novas possibilidades de ser, antes não pensadas.

É individualizante, pois é um critério pessoal, de poder decisório, mas ao mesmo tempo esta consciência de ser proximal é coletiva, já que é na interação do ser-com-outros que o processo de catarse se dá. O despertar da consciência de existir é ação coletiva e sendo ação coletiva é em si, ato político.

O mito da caverna pode ser um bom exemplo do quanto os seres distanciam-se da consciência de si, o que para Marx é considerado alienação, cuja transformação vem pela consciência da práxis. Na caverna existencial, todo ser é um ser-aí, distante de sua real consciência daseinsanalítica, como um movimento de pensar. O ser aí que sai da caverna existencial, perde o medo da finitude, encara as frustrações e amplia as possibilidades de ser no mundo consigo e com-os-outros.

É o desvelamento da consciência de si e todas as bases condicionantes dos seres, que; existentes no mundo, não se apropriam de uma consciência crítica do que seja existir. É, por esta razão, que o filósofo é um ser em movimento que ganha novas perspectivas, que se abre para novas possibilidades não podendo mais voltar a antiga existência. 

Ele assume os riscos de ser na contramão do devir. Ele é um ser mutante, em construção, que não se fecha para o aprendizado, antes busca na coletividade levar outros seres a terem suas mentes elevadas a condição de ser pensante. É uma condição sofrível na medida em que ele torna-se incompreendido nas relações coletivas. 

No entanto, o desvelamento da existência consciente é o prêmio que garante a alteridade no mundo sensível. E isto, por si só, é o bastante para aqueles que descortinaram as sombras e viram, metaforicamente, a luz. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...