sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Sobre guerras ...

Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/03/cultura/1570095492_593504.html


Por Dâmaris A C Melgaço

Uma possibilidade para refazer o caminho das relações humanas é a aproximação dos homens à sua própria indisciplina que é reificada na ação autoritária. Gosto de pensar sobre isso e o quanto isso é profundo. Pensar a humanidade a partir da categoria disciplina em dialética à indisciplina. Os homens estabelecem as regras e a priori determinam a ação, catalogando-a em certa ou errada. Como consequência social àqueles que desobedecem o esperado da ação são categorizados como indisciplinados ou a rigor como rebeldes.

Refletir os homens a partir de sua dualidade me coloca na dimensão da suspensão. Analisando a ação do rebelde, observa-se a necessidade de fazer valer a sua vontade analítica de determinada realidade incômoda. Da mesma forma, a ação autoritária carrega esta essência e; portanto, nada mais é que um ato de rebelião, pois também compreende uma inconformidade. Ambas ações estão imbricadas nesta necessidade birrenta de fazer valer uma vontade.

Em se tratando da humanidade, cada indivíduo é essa contradição inerente a ação. A humanidade revive a rebeldia infantil mal resolvida no ato da birra, cujo momento prescinde a frustração. Seja feita a minha vontade, assim na terra, como no céu e/ou seja feita a tua vontade assim na terra como no céu. O homem vivencia a negação da vontade e experimenta a frustração. Para tanto, se aprisiona na ação rebelde e autoritária e/ou autoritária e rebelde.

É paradoxal que a birra permaneça e reapareça nas ações humanas de tempos em tempos e; ela vêm forte, na forma das revoluções, guerras, violências e holocaustos. Cada qual, imbuídos pela ânsia da vitória se impõem sob a máxima justificativa da violência homicida. Nesta vontade mal resolvida, envolvem os deuses, os mitos, as crenças morais, como a própria justiça e toda sorte de seres alados e heroicos, etc.  

Cada qual apegado a um deus abstrato, seja ele uma força moral, ética ou religiosa, sente a necessidade de ter os seus gurus, pensadores, homens e mulheres da guerrilha, etc., formando assim um campo vasto de pretensos salvadores da pátria. Não importa por que fins, mas afinal, disse Maquiavel: eles justificam os meios! E neste baile de loucos egoicos, auto intitulados avessos aos misticismos e/ou não, constroem para si a falsa ilusão de serem deuses e; pasmem - os mais justos. 

Nesta dança das cadeiras dos justos juízes, os banhos de sangue se justificam. Ao longo da história vimos homens e mulheres soterrados em poços, em campos de concentração, mortos por discordarem de seus próprios camaradas, tudo em nome de uma pseudo justiça que nunca chegou. Seus deuses mataram a terra, dizimaram povos, destruíram a natureza. Em nome da vontade, disfarçada de bondade, construíram castelos de ossos e de vidas humanas.

Religiosamente, clamam as almas sequiosas por justiça, mas qual? Onde ela se esconde, que eu não a vejo? Às vezes; e somente as vezes, contemplo lampejos de justiça e cuido para que a justiça que habita em mim não seja morta, pois eu também sou rebeldia e autoritarismo. Enquanto a humanidade não compreender a dimensão da paz, que implica na compreensão de sua própria rebeldia e indisciplina, não poderá vivê-la e nem dela usufruir. A guerra é possivelmente o sintoma na ação e reação humana de uma birra civilizatória mal resolvida.

Portanto, entendo eu que ela é uma ação burra e ignorante, fruto dessa volição coletiva infinita propriamente humana e inaugura os ciclos infindáveis das disputas que, inevitavelmente -, possuem um destino final: a destruição do planeta Terra. O juízo final, coleguinhas, é a própria humanidade!

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