quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Abrevia-se a vida na palma da mão

Caro leitor,

(Por aqui ao ocaso ou a intento) 

Saiba que,

No tempo finito, espaço miúdo entre o nascimento e a morte, aprendemos que precisamos esconder os sentimentos, porque escondê-los garante a nossa subsistência. A vida vivida se torna uma grande teia de subordinações e insubordinações. É preciso esconder vulnerabilidades, dualidades e contradições. A dança do finito inicia o grande baile de máscaras vividas. E, não esquive-se amigo leitor, estás incluído, todos estamos. 

Corremos atrás de tanto e nos perdemos em nada e a todo tempo negamos a existência real. A maioria de nós chora escondido em posição fetal, mas não declara. Quantas vezes você já deu um grito abafado em seu travesseiro, almofada, na garantia de não ouvirem a sua dor? Pois é, a dor de ser irreal é a verdade que ninguém quer ouvir, porque aprendemos que quem faz sucesso não é o fraco, o vulnerável, àquele que não tem força pra enfrentar o mundo social na selva de pedra. Os "fracos" logo serão destruídos pelos companheiros irreais.
 
Acostumados a não serem reais, encontrarem-se com seres reais é quase um crime ontológico, pois gente real parece ser demasiado irreal.  Na aparente ilusão criada numa pseudomaterialidade real e concreta, entres dissimulada, o autêntico incomoda, porque o autêntico revela o humano real, que envolve a integralidade da vida vivida e que, por conseguinte, não ocorre sem sentidos e emoção.

Emocionados são descontrolados, passionais, irracionais. Desta feita, os racionais serão os que aprendem a racionalizar a vida vivida, sob a regência do domínio emocional. São os que aprendem a engolir o choro, guardar a raiva, recolher o sentimento e gerir suas emoções até fazerem uma receita de bolo perfeita, acrescida de uma boa dose de conhaque e, talvez permitida, viagens astrais.

Garantindo o ritmo sonoro sobrevivente, abrevia-se a vida na palma da mão. Deixamos o sentimento de lado para acolhermos com carinho o conveniente, assim se dá o desconforto confortável. 


A vida vai seguindo o ordinário das coisas na manutenção da vida aparente. 

Aos emocionados reservam-se as artes, pois nela a expressão é permitida como uma excentricidade. 

Então, surgem os irreverentes desviantes, os gênios estranhos e, comumente nos juntamos a eles e nas suas percepções poéticas que nos dizem de nós, nos leem, nos revelam, nos tocam na intimidade do sentimento guardado e cabulado.

Nota: 
Retomo o sublinhado para dizer que na palma da mão se encontra o poder de decisão. No entanto, a maioria de nós, sob controle, ignora. 





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