terça-feira, 19 de maio de 2020

Happy Feet (Filme)



O filme conta a história de um pinguim Mano (Imperador) que mora na Antártica e que destoa de toda a sua família e comunidade de cantores, pois possui o talento de dançar (sapatear) e não de cantar. Isto é motivo de espanto de todos, inclusive de seu pai, Memphis, que diz que "isso não é coisa de pinguim”. Mano é apaixonado por Glória, mas sem ter como conquistá-la, já que os pinguins fazem isso através da música, ele se afasta de seu bando e conhece outra espécie de pinguins, os Adelie. Através de seus passos de dança ele acaba formando amizade com esse grupo de pinguins (Ramon, Nestor, Raul, Rinaldo e Lombardo). Mas Mano não desiste de viver entre sua espécie, e tentará mostrar que a dança pode mover montanhas. Nisso, ele sai para uma busca para descobrir o que acontecia com os peixes que estavam sumindo (Wikipédia, 2020). 

Análise Crítica 

O filme de forma geral aponta para questões sociais que esbarram na vida laboral e podem ser entendidas e compreendidas a partir de uma visão crítica-social da dinâmica grupal ou humana versus a reafirmação de que uma sociedade capitalista liberal ou neoliberal é asseguradora de direitos que são justificados por uma pseudo liberdade compreendida na livre competição comercial. 

Amaral (1995) expõe em seus estudos sociais que retomam análises mais profundas das relações humanas em sociedade que se cristalizam na cultura vigente como, por exemplo, a intolerância à diversidade ou àquilo que é visto como corpo desviante ou atípico. Observa-se que no filme a sociedade de pinguins imperador não via com bons olhos a condição de Mano, considerando-o um ser existente desviante. 

Diante desta diferença social Mano sofre com a estigmatização geradora de preconceito mediante o contraste estereotipado. Diante da diferença a comunidade local tende a sentir-se perplexa, estranha a condição de Mano. Os movimentos são de repulsa, terror, rejeição e negação desta existência incomum (Amaral, 1995). Portanto, amar, constituir família, estar aceito no meio social torna-se uma impossibilidade tolhedora do direito de exercício cidadão e coloca Mano numa condição de estigmatizado ou excluído social. 

Mano não se adapta ao que por hora, culturalmente, é considerado normal. Tanto Amaral (1995) quanto Goffman (2004) expõem uma dimensão sócio-histórica que evoca como a sociedade se comporta diante da anomalia. 

As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua "identidade social" - para usar um termo melhor do que "status social", já que nele se incluem atributos como "honestidade", da mesma forma que atributos estruturais, como "ocupação". (Goffman, 2004, p. 05). 

Isto não é diferente nas organizações, embora de acordo com Magalhães & Bendassolli (2013) atualmente a promessa neoliberal em relação à gestão de carreiras proponha novos modelos, mais voltados à importância de os indivíduos assumirem o controle sobre suas carreiras e as mudanças que venham ocorrer nos contratos psicológicos. Nestes novos modelos há proposição de que haja respeito à pluralidade nos contextos de trabalho, variedade de experiências, autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio trabalho, flexibilização das identidades pessoais, etc. 

Estes novos modelos comunam de dois pensamentos principais, um refere-se à individuação e o outro ao significado laboral. O emprego ganha notas de existencialidade à medida que é visto como atividade transformadora de si e dos outros, ou seja; a carreira agora faz mediação ao indivíduo, ao labor e a comunidade social ou grupo (Magalhães & Bendassolli, 2013). 

No entanto, os autores afirmam que os mecanismos do mercado capitalista levam ao enfraquecimento dos vínculos entre os indivíduos e a instituição organizacional, pois a pseudoideia de sucesso gerado pelo alto comprometimento não é validada na lógica mercantilista por vários fatores, entre eles; trabalho temporário contingente as necessidades da empresa, tipos de contratos de trabalho, incertezas, adaptações e mudanças repentinas, desconfianças, ressentimentos, sobrecarga laboral, etc.. Logo, outras preocupações passam a decorrer disto como o contrato psicológico. (Magalhães & Bendassolli, 2013). 

Diante destes fatos retomamos a fala de Sawaia (2001) que diz que a sociedade capitalista inclui para excluir. Parece ser inclusiva, mas é excludente. Os reflexos da cultura organizacional mediante os novos modelos ainda perpetuam estereótipos de força, agilidade, esperteza, competitividade, presentes nos processos do trabalho que tomam a mão de obra trabalhista como mercadoria de troca, conceito de Marx & Engels (2011). 

Goffman (2004) afirma que é próprio dos indivíduos sociais esquecerem-se que fazem determinadas exigências que possuem um significado no consciente coletivo e que podem se dar conta disto a medida que esta característica se torna um questão efetiva, por exemplo saber se as exigências estão sendo preenchidas. A partir desta reflexão é possível perceber que a todo o momento está-se a fazer afirmativas em relação às coisas, atitudes e comportamentos que os indivíduos deveriam apresentar ou ser. 

No filme, Mano corresponde de alguma forma a esta adaptação do existir, pois não sendo aceito na comunidade local por seus atributos, de qualquer maneira; é aceito em outra, justamente por seus atributos. Amaral (1994) fala dos pressupostos excludentes das sociedades na propagação midiática de massa quando aponta para a ideia representada nos clássicos infantis que reafirmam o pensamento de que para ser aceito na diferença é preciso tornar esta diferença ‘útil’ (grifo meu), sendo este o princípio da utilidade. 

Observa-se que este processo é próprio do sistema capitalista que impinge à sociedade políticas econômicas neoliberais, cujo objetivo é incluir indivíduos na precariedade e na marginalidade, ou seja; incluir indivíduos num processo econômico de produção que circula bens e serviços obedecendo à conveniência e necessidade da reprodução capitalista de menor ônus. Objetivam, assim, manter as classes dominadas longe dos conflitos sociais e mantê-las adequadas ao funcionamento político que sempre está a favor da classe dominante. (Martins, 1997 apud Sawaia, 2001). 

Referências Bibliográficas 

Amaral, L. A.. Conhecendo a Deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Robe Editorial, 1995. 

Amaral, L. A.. Pensar a Diferença/Deficiência. Brasília: CORDE, 1994. 91 p. 

Goffman, E. (2004). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC. 

Magalhães, M. O. & Bendassolli, P. F. (2013). Desenvolvimento de Carreiras na Organização. (In) Borges, L. O. & Mourão, L.. O Trabalho e as Organizações: atuações a partir da Psicologia. São Paulo: Artmed. 

Marx, K. & Engels, F. (2011). O Capital. 2 ed. Volume I. Boi Tempo Editorial. 

Miller, B. ; Miller, G. ; Mitchell, D. (Prods), & Miller, G. ; Coleman, W.; Morris, J. (Dirs.). (2006). Happy Feet: O Pinguim [Filme]. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures.

Sawaia, B. (2001). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2. Ed. Petrópolis: Ed. Vozes. 

Wikipédia. Sinopse. Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Happy_Feet. Acesso 18 de maio de 2020.

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