terça-feira, 19 de maio de 2020

Moneyball: O homem que mudou o jogo [Filme]



O filme apresenta a história de um ex-jogador de baseball Billy Beane que por não ter dado certo na carreira profissional atua como gerente geral de um time pequeno, o Oakland Athletics. Sem dinheiro ele tenta parcerias com o objetivo de levar seu time a vencer o campeonato de 2002 (Miller, 2011; Wikipédia, 2020). 

Ao visitar o Cleveland Indians para realizar negociações referentes à troca e perda de jogadores principais de seu time conhece Peter Brand, formado em economia, e o convida para fazer parte de sua equipe. Esta parceria rende uma experiência contrária à lógica existente das regras do baseball pautada em conceitos matemáticos de lógica aplicados à economia (Miller, 2011; Wikipédia, 2020). 

Este conceito é revolucionador, pois entende que matematicamente pessoas podem ser reaproveitadas em determinadas funções tendo probabilisticamente em percentual a mesma função resolutiva de jogo que determinado jogador. Billy aposta na ideia e começa a executá-la. Para tanto enfrenta resistência de olheiros experientes no mundo do baseball, de seu técnico contratado, da logística do jogo e da força existente do capital nas relações de trabalho (Miller, 2011; Wikipédia, 2020). 

Análise Crítica 

A relação principal evocada logo no início da narrativa do longa é a do capital. Observa-se nos diálogos entre o gerente geral Billy, seus olheiros e a chefia do time o poder econômico como centralidade na manutenção de times pequenos no mercado esportivo. Estes diálogos reforçam ao telespectador a importância de vencer e estar no topo. Percebe-se também na narrativa discursiva a manutenção do pensamento neoliberal na frase de Billy: “Preciso de dinheiro” e de seu chefe (dono do time): “Desde que não tenha que gastar o meu dinheiro”. 

O sistema capitalista procura o menor ônus, incluindo os indivíduos numa trincheira social para excluí-los. Não parece ser exclusão, pois aparentemente as políticas econômicas neoliberais fazem a inclusão dos indivíduos no processo econômico de produção, circulando bens e serviços baratos que sirvam aos interesses e necessidades do capitalista, ou seja; mantêm as classes dominadas para aquém de conflitos sociais e sob o domínio das políticas econômicas em favor da classe dominante (Martins, 1997 apud Sawaia, 2001). 

A lógica marxista que expõe como ocorre a composição social frente o antagonismo capitalista de produção fica evidente neste filme já que o mesmo propaga como o material humano é visto no mercado dos esportistas. A escolha do profissional é feita na deslealdade da quebra de acordos, na estereotipação da mercadoria humana que dispõe da vida humana frente às necessidades de cristalizações presentes na sociedade. 

Pode-se refletir sob a perspectiva crítica de Goffman (2004) que o jogador é visto no mercado dos esportes como parte de exigências que estão presentes no consciente coletivo e que a questão efetiva de preenchimento destas exigências é evidenciada na fala dos olheiros de Billy quando se põem a escolher novas mercadorias para comporem seu time: “Ele tem uma namorada feia [...] Ele é feio ou tem falta de confiança” ou “ele é velho”, ou “ele frequenta casa de stripper”, ou “Ele teve uma lesão na mão direita, não serve mais para o baseball”. 

Outra questão observada está na manutenção piramidal apontada por Marx & Engels (2009, 2011) que denuncia como a sociedade separa pelo antagonismo capitalista de produção os grupos que a compõem. Os autores apontam para a existência de dois grupos como resultado deste antagonismo: os que detêm o poder de produção e os que não detêm este poder. Billy evidencia esta lógica em seu discurso quando afirma existirem times ricos e times pobres que estão em um jogo injusto de desfalque e que para ele este é o problema principal: “Somos o último filhote da cria [...] o cão mais fraco morre”. 

As explicações dadas às lógicas mercadológicas do baseball por Peter Brand evidenciam novamente as exigências sociais apontadas por Goffman (2004) e de ordem econômica por Marx & Engels (2009, 2011) que reservam o humano para o descarte. Servindo assim a padronização da utilidade e da inutilidade. Nota-se que para a psicologia organizacional estas questões são primordiais dados o potencial reflexivo que elas propõem na questão da valorização humana. 

O filme leva o telespectador mais crítico a apreender como o mercado dos esportes atua assemelhando-se a máfia. Pessoas são objetos de negócio e há exploração dos talentos individuais. Obedecem a uma hierarquia que classifica os mais condicionados e menos condicionados. Aponta uma falha epidêmica na lógica mercantilista aonde os dirigentes julgam mal os jogadores e tomam péssimas decisões realizando uma administração ruim, porque pensam em termos de comprar jogadores, comprar vitórias, fazendo uso de um ostracismo leproso que se limita a uma visão unidirecional. 

Aparentemente a nova proposta de Peter insere os descartes no jogo, não ignorando suas habilidades e competências como propõe os novos modelos de gerenciamento (Magalhães e Bendassolli, 2013). Tanto que leva o telespectador a pensar nos sentimentos e emoções envolvidos no trabalho, nas relações sociais de chefias e gerenciamentos, nas demissões e no processo apático que as envolve; nas trocas de jogadores como mercadorias negociáveis entre times, na impessoalidade do descarte. 

O telespectador vê um prenúncio de humanização quando percebe a ênfase no reaproveitamento do potencial humano nas relações do trabalho, no entanto ao decorrer da narrativa vai percebendo como Sawaia (2001) torna-se coerente quando explica as artimanhas da exclusão presentes na relação mercadológica que inclui os sujeitos para excluí-los, dando-lhes condições mínimas de sobrevivência numa aparente inclusão que mais beneficia as hierarquias presentes no mundo capitalista. 

A lógica ainda é a mais valia (lucro) e está em voga, pois Billy precisa manter o status quo se utilizando da mão de obra trabalhadora para manter seu time em foco e atingir a meta que é vencer o campeonato a qualquer custo (Marx e Engels, 2011 e 2009). Ele faz o mesmo jogo ao descartar jogadores para obter lucro e poder comprar outros jogadores a fim de realizar sua ascensão no campeonato. 

Billy ainda mantém o distanciamento social, descarta pessoas e realiza trocas a seu bel prazer segundo a conveniência do mercado. O próprio Billy se vê pressionado pelas derrotas consecutivas tendo que apresentar novos resultados ou sua própria cabeça irá rolar. A premissa é ganhar e as ações exigem prática e objetividade. 

Observa-se que na liderança de Billy existe inovação como observa Shein (2009) já que o líder pode atuar como um gerenciador da cultura organizacional, sendo um criador, transformador ou destruidor de paradigmas, porém como também afirma o autor não se pode dizer que é fácil criar ou mudar a cultura, pois, é um dos elementos da organização com maior estabilidade e menor maleabilidade. Isto fica evidente no longa metragem quando as resistências a mudança se apresentam na pessoa dos próprios jogadores, técnico e equipe de aconselhadores. Além disto, Billy enfrenta as resistências a nível macro-organizacional. 

Outra questão a ser observada está relacionada à falta de envolvimento pessoal do chefe com seus contratados e isto se torna um problema, já que reflete nas questões humanas próprias das relações no trabalho que devem considerar o psicológico dos trabalhadores. Uma das mudanças comportamentais de Billy e que foram sinônimos de sucesso da equipe foi a percepção do clima organizacional e a motivação no trabalho. 

Os autores Puente-Palácios & Martins (2013) afirmam que a gestão do clima organizacional é importante porque influi sobre o comportamento e o desempenho da equipe refletindo na efetividade da organização. Os níveis organizacionais permitem possibilidades de uma compreensão voltada para a coletividade humana e são importantes pela influência que exercem sobre os integrantes da equipe. 

O clima organizacional difere de uma organização para outra e quando favoráveis estimulam a autonomia no desempenho pessoal. “Assim, não são as pessoas que “possuem” o clima. Elas percebem o clima da organização e constroem o significado a partir das interações mantidas com outras pessoas da organização, as quais estão enraizadas na cultura que a caracteriza.” (Puente-Palácios & Martins, 2013, p. 270). 

Como líder Billy reconhece que o clima da sua equipe não está bom e resolve interagir de forma a promover autonomia aos seus jogadores estimulando o espírito de equipe. Apenas quando o comportamento resultante dessa intervenção alcançou sucesso, ou seja, quando a equipe realizou sua tarefa e se sentiu satisfeita sobre os relacionamentos mútuos, é que as crenças e valores do líder foram reconhecidos e compartilhados (Shein, 2009). 

Finalmente, o telespectador tem acesso ao enredo derradeiro e pode degustar o sabor amargo da vitória do Capital e de suas ideologias mantenedoras das engrenagens sociais. O diálogo final é instigante: “Batemos o recorde? O que importa isto? Eu estou neste jogo há muito tempo. Não é pelo recorde, é pelo título. Se não ganharmos o último jogo nos eliminam. Se qualquer outro time vencer seremos esquecidos e nada do que fizemos até aqui terá valor”. 

Ao expressar estes constructos Billy expõe a carnificina ideológica que não permite a mudança das regras, pois admiti-lo seria ameaçador a forma, ao lucro, ao emprego de muitos que trabalham com baseball. Ninguém reinventa este jogo e não se pode ameaçar o controle e a manipulação das regras. 

Marx (2011) explica seu conceito de mais-valor relativo afirmando que tornar a produção das organizações e do campo mecanizadas culmina no aumento da produtividade, ou seja; a intensificação da mecanização objetiva uma produção máxima de mercadorias a preços mais baixos com a única finalidade de obter um máximo lucro pela exploração da força de trabalho. 

Esta lógica do Capital não é quebrada no enredo final, apenas manipulada para servir os grandes times. Todo o método chamado ‘Moneyball’ é descartado até que possa ser manipulado para bem servir aos mecanismos de produção. Billy rejeita o cargo de gerente geral do Boston Red Sox para manter-se apegado a suas convicções românticas. Mais tarde este mesmo time consegue chegar à vitória utilizando as teorias usadas por Billy e Peter. Fim de Jogo ou Game Over como preferir. 

Referências  

Goffman, E. (2004). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC. 

Magalhães, M. O. & Bendassolli, P. F. (2013). Desenvolvimento de Carreiras na Organização. (In) Borges, L. O. & Mourão, L.. O Trabalho e as Organizações: atuações a partir da Psicologia. São Paulo: Artmed. 

Marx, K. & Engels, F. (1999). Manifesto Comunista. Ridendo Castigat Mores (Fonte Digital). 

Marx, K. & Engels, F. (2011). O Capital. 2 ed. Volume I. Boi Tempo Editorial. 

Miller, B.. (Dir.) & De Luca, M.; Horovitz, R.; Pitt, B. (Prods). (2006). Moneyball: O homem que virou o jogo [Filme]. Estados Unidos: Columbia Pictures.

Puente-Palácios, K. & Martins, M. C. F. (2013). Gestão do Clima Organizacional. (In) Borges, L. O. & Mourão, L.. O Trabalho e as Organizações: atuações a partir da Psicologia. São Paulo: Artmed. 

Sawaia, B. (2001). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2. Ed. Petrópolis: Ed. Vozes. 

Schein, E. H. (2009). Cultura Organizacional e liderança. São Paulo, SP: Atlas. 

Wikipédia. Sinopse. Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Moneyball. Acesso 19 de maio de 2020.

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