sábado, 27 de março de 2021

A potência do ódio e a desrazão da existência e vice-verso


Odiar é potência, assim como amar o é. O ódio é experiência. Toda fúria experimentada nas relações atomísticas, denominou-se, humanamente, ódio. É força existente dialeticamente em oposição ao conceito amor. Será?

O ódio é ruim? Essa pergunta já traz em si um determinismo conceitual. A pergunta deveria ser: por que sente-se tanto ódio?

Por que essa potência domina os seres? 

O equilíbrio desta força atômica é condutor de condicionamento. Seja com razão ou sem, o ódio em si é uma força em movimento, seja para resgatar o controle, seja para proteger o controle. 

Ela é realmente oposta ao amor? Estão em oposição?

Amar, é força em movimento tal qual o ódio, que objetiva controlar o objeto amado. Ora esta força dinâmica aparece em ódio, ora aparece em amor. 

Atomismos que se interligam na força, sendo; portanto, sincrônicas. É potência única, pois nas duas forças há "dinamus" que explode a razão.

Já ouviu a expressão: matou por amor? 

Tanto o amor quanto o ódio são desrazões. Sua força primitiva é irracional.

Dominados por eles tudo é excesso. 

Culpabilizam-se as regras e normas criadas em oposição a essa força atômica, mas elas apenas vêm em oposição a natureza explosiva da vazão humana da emoção extrema, na retomada da razão.

Em choque diante da materialidade o ser pode dominá-la e denominá-la, recortando-a em colchas de retalhos.

Em retalhos, tornam-se partículas atomísticas. Passíveis de serem desvendáveis. Agora, repartidas, lidas com cautela, separam a potência em duas. E de duas tornam-se milhares de possibilidades. 

Aprioristicamente, este fenômeno sensível é em si pura matéria instintual, força motriz dos ataques e recuos. Torna-se razão pela tomada da consciência sensível. Agora, como possibilidade nominável. 

Metafisicamente, amar parece melhor que odiar. No entanto, são polos distintos pareados. Cuja potência é a mesma.




terça-feira, 23 de março de 2021

O amor romântico à luz fenomenológica. Possibilidades de ser amor.



O amor romântico é uma premissa falsa à medida em que se constrói na idealização do ser amor. Como dizia um "doc." que passou pela minha trajetória acadêmica. "É, mas não um desses . . .", o contexto era outro, mas a afirmativa dele me faz repensar o amor. O amor romântico é possível para além dos constructos niilistas, mas não um amor qualquer, ou um desses amores idealizados.

Tomando as bases primeiras do amor, na materialidade do ser construído em amor, pode-se dizer que o amor é uma construção que passa pelas experiências sensoriais que, de alguma forma direta ou indireta, afetam o ser social em construção. Então, pode-se afirmar que amor é um significado aprendido e apreendido nas relações sociais que se dá pelos sentidos, tanto corpóreos quanto subjetivos, pois na experimentação das sensações, o ser dá significados ao que sente ao mesmo tempo em que dá a eles significantes próprios.

O amor romântico é possível, porque na existência todo ser em menor ou maior grau já experimentou as sensações provocadas pelo afeto. O amor de mãe, de pai, de irmãos, de filho, de amigos, colegas, parceiros, etc. São tantas experiências experimentadas nas relações afetivas do cuidado, do cuidar, do dar, do receber, que seria impossível elencar as subjetividades do sentir em cada ser. 

A tendência dessas experienciações românticas são a extensão das relações amorosas, ou seja; o significante precisa estender-se no coletivo. É preciso compartilhar. A construção de cada ser e a forma como ele experienciou o afeto será também a forma como este ser responderá no exercício do amor. São tantas formas de expressão, por exemplo: experimentou, foi bom, me faltou, dou em excesso ou experimentou, foi ruim, foi em excesso, dou em escassez. Logo, o amor romântico é possível, mas não um desses idealizados, pois ele parte da premissa básica chamada consciência do amor em suas bases materiais, ou de como aquele ser compreende o amor na realidade subjetiva. 

E o que é o idealizado, se não aquilo que determinada sociedade instituiu? 

Ora se não é possível catalogar as diferentes formas da expressão do amor, por que não categorizar? Atribuir significados e significantes gerais? Uma lei universal que possivelmente descaracteriza o amor?

A institucionalização do amor romântico em um conceito equivocado, apresenta sempre a existência de uma mocinha necessitada de um herói salvador, denotando sua fragilidade frente a vida versus o triunfalismo masculino que em nome do amor morre e mata, pois detentor da força vital torna-se invencível.

Esta forma de amar dicotomiza o amor em fragilidade e heroísmo, ou ele é frágil, ou ele é heroico. O lugar da fragilidade está para o feminino assim como do heroismo está para o masculino. Duas polaridades, que tornaram a vida humana uma verdadeira tragédia grega, pois impôs a obrigação de identificação compulsória de um ou outro, os que não se encaixam tornaram-se aberrações, ou aqueles que dão errado no amor.

O amor romântico idealizado trouxe confusão aos entes, que díspares das funções instituídas, constroem-se à margem do amor romântico institucionalizado, pois o que sentem ou a forma com que sentem não é universal e nem aceitável. Por esta razão, o amor romântico é possível quando desvencilhado desta trágica urna que robotiza e expropria os seres de suas experiências, significados e significantes.

É possível amar para além das aparências, na transparência mais próxima de ser dasein. Na relação ser comigo e ser-com-outros coexistindo em bases materiais sólidas que constroem as formas peculiares de amar. Desacreditar do amor, é desacreditar dos potenciais criativos emancipatórios do verbo amar presente nas ações humanas, pois o amor romântico sem idealizações é libertador. 

Quando livres no amor, caem fora os amores clichês, dando lugar a consciência de que o ato de amar é uma responsabilidade coletiva que preserva a vida em comunidade, já que humanos não sobrevivem sem os primeiros cuidados extrínsecos que exigem afeto e que construirão as bases psicoemocionais dos seres. 

Então, é possível viver um amor romântico, mas não um destes. Bom dia :)





 




sexta-feira, 19 de março de 2021

É possível pensar a existência sem as bases materiais?


É possível ter consciência da existência sem as bases materiais? Há como dialogar sobre a existência sem considerar as bases materiais da mesma?

Se a base da existência é a consciência do existir e se a consciência existencial se dá pela exploração sensorial do ser com o mundo, ela não renega as bases materiais, pois constrói a consciência através da apropriação das sensações experimentadas no contato sensorial com o que é concreto, existente no mundo. 

A materialidade das coisas está presente em tudo, em todas as perspectivas psicológicas. Porque todo humano experimenta o mundo a priori pelas experiências sensoriais. No contato com o mundo posto enquanto um objeto exploratório. É explorando o mundo concreto que o homem cria, visto que precisa suprir suas necessidades básicas de sobrevivência pela Exploração Sensorial Primária, Secundária e Terciária. 

Primariamente, os primeiros contatos humanos se dão na necessidade da matriz geradora ou acolhedora dos primeiros círculos sociais. Nas primeiras emoções afetivas do cuidado, do prazer, do acolhimento, da rejeição, da frustração, do amor, do ódio, etc. 

Secundariamente, os contatos humanos se dão na necessidade de extensões dos braços sociais. A familiaridade estendida a novas experiências, novos contatos, novas apreensões, sensações, etc. A construção de novas interações que se alargam na coletividade humana.

Terciariamente, eles se dão na necessidade de criar regras funcionais de convivência social com seus constructos, aparatos e artefatos, teorias, ideologias, linguagem, cultura, organização política, econômica, etc. que determinarão a construção do ser social. Do existir com os outros e consigo. 

As questões filosóficas são oriundas desse processo e todas as especulações a respeito dessas construções se dão posteriori, ou seja; para sermos simplistas e objetivos: não há como estudar o humano sem perpassar metodicamente estas três instâncias materiais, pois antes de ser subjetivo o homem é concretude juntamente com sua realidade concreta e pela sua relação com ela. O resto, é especulação, ou para melhorar um pouco, adendo.

Bom dia :)


segunda-feira, 8 de março de 2021

Reflexões Fenomenológicas: eu mulher, caminhante num mundo de homens


Hoje é dia internacional da mulher e eu paro para refletir a minha relação como caminhante num mundo pertencente aos homens. Eu, além das estruturas pré-determinadas pelo sistema capitalista, também contei com uma educação bem patriarcal. Eu olho o mundo ao meu redor e percebo todos os movimentos excludentes e mantenedores de uma subserviência divinizada. A imagem da mulher pueril, serviente e cabisbaixa. 

E no meio destas amarras, eu mulher, caminhante em um mundo de homens, me deparo com a morte todos os dias. Minha experiência de vinte anos na lida com mulheres em contexto religioso tem-me dado a experiência deste fenômeno humano. 

São tantos relatos, que sempre culminam na expropriação da identidade feminina em favor de um deus. Um deus que se contrapõe a sua mensagem humana. Um deus tão humano quanto o vil metal, um deus explorador e aproveitador: à luz da imagem humana.

Esse deus homem, utiliza-se da divindade para formar suas teias aprisionadoras da dignidade feminina. Eis o choque: dos agrilhões formam-se as forças estruturais do sistema mundano. O que rege o mundo? A necessidade do poder. Para tanto, condicionar mulheres as tarefas do serviço doméstico é um bom caminho para poupar esforços materiais, já que são elas que nutrem a matéria prima do lucro produtivo.

Esta composição humana foi uma armadilha que acarretou desdobramentos pérfidos às mulheres. Em busca da maior força, a braçal empoderou-se os homens e estes sentiram o direito da posse. O pensamento de que mulheres estão para servir aos homens culminou na objetificação da alteridade feminina. Se o sistema capitalista escravizou os homens e a sua força de trabalho, os homens aliados ao sistema escravizaram as suas mulheres.

Desta forma, na sociedade capitalista, a opressão é a marca principal das justificativas escravagistas. E vivemos, sim; a meu ver escravizados pelo sistema que nos condiciona e oprime. E; embora tenhamos evoluído, em relação ao papel das mulheres na sociedade, estes avanços são mascaramentos da base material que compõe o sistema monetário que rege as sociedades.

Todos os dias, mulheres são mortas psicologicamente e fisicamente. A morte que retomo está para além dos números e estatísticas. É simbólica, a medida que representa a laceração do ser-feminino. A dicotomitização dos gêneros reforça os estereótipos de status quo. Destroem a alteridade feminina que possui em si mesmo, características próprias e subjetivas do seu existir.

É errôneo pensar que um fenômeno é individualizante, porque ao mesmo tempo que o é; também é coexistência. Este fenômeno não se reduz a um único caso específico, ele se amplia na coletividade a medida em que é universalizante dentro de uma realidade cultural, social, de ordem política e econômica. Quando, coloca a mulher dentro de um compêndio de prerrogativas que a roubam de seu lugar existencial.

A mulher experimenta, nesta sociedade, um sentimento de profunda solidão oriunda da cristalização da identidade feminina. O sistema deu a mulher, sua identidade, deslocando-a de seu espaço genuíno. Desta maneira atrelou a sua solidão ao silêncio. A culpabilização da mulher tomou corpo e forma ao longo da história dotando-lhe de uma posição social destituída de valor real. 

Daí surgem a culpa quando as mulheres não conseguem manter relacionamentos amorosos, quando não conseguem fazer manutenção de uma família perfeita, de comercial Doriana, quando não conseguem conciliar as tarefas domésticas com as profissionais e com as do cuidado familiar. O sentimento de solidão acompanha a cadência do sistema que por intermeio das determinações hegemônicas tornam os sentidos de ser-mulher obscurecidos.

Hoje, dia internacional da mulher, faz-se necessário refletir sobre este papel instituído e perverso para pensar a possibilidade da ruptura com o que é automatizado, das ilusões dos discursos que não comportam as frustrações, das verdades absolutas e do tutelamento. Trazer a memória o lugar da alteridade feminina que está para além de pré-determinações do "fracasso" que é ser-mulher. 

Mulheres podem caminhar, em coletividade, na busca de seu lugar autônomo e este é um princípio básico e necessário de resgate da alteridade, lugar de igualdade de direitos, não por piedade. O lugar da mulher é aonde ela queira estar. Quando uma mulher vence, e rompe o círculo vicioso da escravidão, eu sorrio com ela. A vitória de uma mulher é minha vitória também. Feliz Dia das Mulheres!



Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...