terça-feira, 23 de março de 2021

O amor romântico à luz fenomenológica. Possibilidades de ser amor.



O amor romântico é uma premissa falsa à medida em que se constrói na idealização do ser amor. Como dizia um "doc." que passou pela minha trajetória acadêmica. "É, mas não um desses . . .", o contexto era outro, mas a afirmativa dele me faz repensar o amor. O amor romântico é possível para além dos constructos niilistas, mas não um amor qualquer, ou um desses amores idealizados.

Tomando as bases primeiras do amor, na materialidade do ser construído em amor, pode-se dizer que o amor é uma construção que passa pelas experiências sensoriais que, de alguma forma direta ou indireta, afetam o ser social em construção. Então, pode-se afirmar que amor é um significado aprendido e apreendido nas relações sociais que se dá pelos sentidos, tanto corpóreos quanto subjetivos, pois na experimentação das sensações, o ser dá significados ao que sente ao mesmo tempo em que dá a eles significantes próprios.

O amor romântico é possível, porque na existência todo ser em menor ou maior grau já experimentou as sensações provocadas pelo afeto. O amor de mãe, de pai, de irmãos, de filho, de amigos, colegas, parceiros, etc. São tantas experiências experimentadas nas relações afetivas do cuidado, do cuidar, do dar, do receber, que seria impossível elencar as subjetividades do sentir em cada ser. 

A tendência dessas experienciações românticas são a extensão das relações amorosas, ou seja; o significante precisa estender-se no coletivo. É preciso compartilhar. A construção de cada ser e a forma como ele experienciou o afeto será também a forma como este ser responderá no exercício do amor. São tantas formas de expressão, por exemplo: experimentou, foi bom, me faltou, dou em excesso ou experimentou, foi ruim, foi em excesso, dou em escassez. Logo, o amor romântico é possível, mas não um desses idealizados, pois ele parte da premissa básica chamada consciência do amor em suas bases materiais, ou de como aquele ser compreende o amor na realidade subjetiva. 

E o que é o idealizado, se não aquilo que determinada sociedade instituiu? 

Ora se não é possível catalogar as diferentes formas da expressão do amor, por que não categorizar? Atribuir significados e significantes gerais? Uma lei universal que possivelmente descaracteriza o amor?

A institucionalização do amor romântico em um conceito equivocado, apresenta sempre a existência de uma mocinha necessitada de um herói salvador, denotando sua fragilidade frente a vida versus o triunfalismo masculino que em nome do amor morre e mata, pois detentor da força vital torna-se invencível.

Esta forma de amar dicotomiza o amor em fragilidade e heroísmo, ou ele é frágil, ou ele é heroico. O lugar da fragilidade está para o feminino assim como do heroismo está para o masculino. Duas polaridades, que tornaram a vida humana uma verdadeira tragédia grega, pois impôs a obrigação de identificação compulsória de um ou outro, os que não se encaixam tornaram-se aberrações, ou aqueles que dão errado no amor.

O amor romântico idealizado trouxe confusão aos entes, que díspares das funções instituídas, constroem-se à margem do amor romântico institucionalizado, pois o que sentem ou a forma com que sentem não é universal e nem aceitável. Por esta razão, o amor romântico é possível quando desvencilhado desta trágica urna que robotiza e expropria os seres de suas experiências, significados e significantes.

É possível amar para além das aparências, na transparência mais próxima de ser dasein. Na relação ser comigo e ser-com-outros coexistindo em bases materiais sólidas que constroem as formas peculiares de amar. Desacreditar do amor, é desacreditar dos potenciais criativos emancipatórios do verbo amar presente nas ações humanas, pois o amor romântico sem idealizações é libertador. 

Quando livres no amor, caem fora os amores clichês, dando lugar a consciência de que o ato de amar é uma responsabilidade coletiva que preserva a vida em comunidade, já que humanos não sobrevivem sem os primeiros cuidados extrínsecos que exigem afeto e que construirão as bases psicoemocionais dos seres. 

Então, é possível viver um amor romântico, mas não um destes. Bom dia :)





 




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