segunda-feira, 8 de março de 2021

Reflexões Fenomenológicas: eu mulher, caminhante num mundo de homens


Hoje é dia internacional da mulher e eu paro para refletir a minha relação como caminhante num mundo pertencente aos homens. Eu, além das estruturas pré-determinadas pelo sistema capitalista, também contei com uma educação bem patriarcal. Eu olho o mundo ao meu redor e percebo todos os movimentos excludentes e mantenedores de uma subserviência divinizada. A imagem da mulher pueril, serviente e cabisbaixa. 

E no meio destas amarras, eu mulher, caminhante em um mundo de homens, me deparo com a morte todos os dias. Minha experiência de vinte anos na lida com mulheres em contexto religioso tem-me dado a experiência deste fenômeno humano. 

São tantos relatos, que sempre culminam na expropriação da identidade feminina em favor de um deus. Um deus que se contrapõe a sua mensagem humana. Um deus tão humano quanto o vil metal, um deus explorador e aproveitador: à luz da imagem humana.

Esse deus homem, utiliza-se da divindade para formar suas teias aprisionadoras da dignidade feminina. Eis o choque: dos agrilhões formam-se as forças estruturais do sistema mundano. O que rege o mundo? A necessidade do poder. Para tanto, condicionar mulheres as tarefas do serviço doméstico é um bom caminho para poupar esforços materiais, já que são elas que nutrem a matéria prima do lucro produtivo.

Esta composição humana foi uma armadilha que acarretou desdobramentos pérfidos às mulheres. Em busca da maior força, a braçal empoderou-se os homens e estes sentiram o direito da posse. O pensamento de que mulheres estão para servir aos homens culminou na objetificação da alteridade feminina. Se o sistema capitalista escravizou os homens e a sua força de trabalho, os homens aliados ao sistema escravizaram as suas mulheres.

Desta forma, na sociedade capitalista, a opressão é a marca principal das justificativas escravagistas. E vivemos, sim; a meu ver escravizados pelo sistema que nos condiciona e oprime. E; embora tenhamos evoluído, em relação ao papel das mulheres na sociedade, estes avanços são mascaramentos da base material que compõe o sistema monetário que rege as sociedades.

Todos os dias, mulheres são mortas psicologicamente e fisicamente. A morte que retomo está para além dos números e estatísticas. É simbólica, a medida que representa a laceração do ser-feminino. A dicotomitização dos gêneros reforça os estereótipos de status quo. Destroem a alteridade feminina que possui em si mesmo, características próprias e subjetivas do seu existir.

É errôneo pensar que um fenômeno é individualizante, porque ao mesmo tempo que o é; também é coexistência. Este fenômeno não se reduz a um único caso específico, ele se amplia na coletividade a medida em que é universalizante dentro de uma realidade cultural, social, de ordem política e econômica. Quando, coloca a mulher dentro de um compêndio de prerrogativas que a roubam de seu lugar existencial.

A mulher experimenta, nesta sociedade, um sentimento de profunda solidão oriunda da cristalização da identidade feminina. O sistema deu a mulher, sua identidade, deslocando-a de seu espaço genuíno. Desta maneira atrelou a sua solidão ao silêncio. A culpabilização da mulher tomou corpo e forma ao longo da história dotando-lhe de uma posição social destituída de valor real. 

Daí surgem a culpa quando as mulheres não conseguem manter relacionamentos amorosos, quando não conseguem fazer manutenção de uma família perfeita, de comercial Doriana, quando não conseguem conciliar as tarefas domésticas com as profissionais e com as do cuidado familiar. O sentimento de solidão acompanha a cadência do sistema que por intermeio das determinações hegemônicas tornam os sentidos de ser-mulher obscurecidos.

Hoje, dia internacional da mulher, faz-se necessário refletir sobre este papel instituído e perverso para pensar a possibilidade da ruptura com o que é automatizado, das ilusões dos discursos que não comportam as frustrações, das verdades absolutas e do tutelamento. Trazer a memória o lugar da alteridade feminina que está para além de pré-determinações do "fracasso" que é ser-mulher. 

Mulheres podem caminhar, em coletividade, na busca de seu lugar autônomo e este é um princípio básico e necessário de resgate da alteridade, lugar de igualdade de direitos, não por piedade. O lugar da mulher é aonde ela queira estar. Quando uma mulher vence, e rompe o círculo vicioso da escravidão, eu sorrio com ela. A vitória de uma mulher é minha vitória também. Feliz Dia das Mulheres!



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