sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Reflexões Fenomenológicas 6: Espírito de Lobagem: injustiça com os lobos, eu acho...

 


Por Damaris Alcídia da Costa Melgaço


Kant traz uma importante colaboração sobre o espírito humano que, para ele, constrange as coisas a si mesmo, ou seja as interpreta, referencia e cria as leis universais, dando unidade aos fenômenos que na experiência encontram-se distanciados. O espírito humano é exigente e antes mesmo de experimentar o fenômeno de forma concreta, cria as regras fenomenológicas na tentativa de unificar os fenômenos entre si, por interpretações de causa e efeito. Para Kant as exigências pelas regras e categorias dão-se a priori, os fenômenos dão-se a posteriori.


Considerando que existe um espírito humano e que este é quem cria as leis gerais, fico a pensar em como essas leis se aplicam na práxis humana. Existe uma tendência de senso-comum a maquiar a culpa do espírito humano lhes dando o caráter animal, atribuindo a priori características de outras espécies a ação, especificamente, humana. Daí, julgo necessário inocentar os lobos. Estes possuem suas leis próprias e, diga-se de passagem, são admiráveis em seus grupos, alcateias.


Prefiro, então; referenciar-me ao espírito humano, tendencioso e propenso ao mal, como próprio de si mesmo. É necessário assumir a essência da ausência de uma consciência da práxis. É humano e tão somente humano, se é que me entendem...


O fenômeno denominado lobagem, nada mais é do que um fenômeno humano e passível das regras e categorizações humanas. A falta de caráter, o ato desonesto, a ladroagem, a parcimônia, a omissão, a corrupção são fenômenos categoricamente pertencentes as construções sociais humanas.


Fenomenologicamente, há tendência universalizante de criar desvios de foco, ora jogando as responsabilidades nas costas de seres míticos (produção humana), ora culpabilizando a natureza e espécies afins (categorias humanas, para espécies inferiores). O que é o lobisomem, se não; uma tentativa de unir o mito a uma espécie animal como forma de dar representações aos malfadados humanos? Representação dos fracassos inerentes ao espírito humano.


Pois é. Assumamos o caos do nosso espírito, como implantação de toda a miséria humana. Somos nós e tão somente nós que criamos as desigualdades e penúrias do mundo. Somos responsáveis por toda a dor existente, tanto no que se refere a nós mesmos, como a natureza de forma geral.


Ao contemplar as mazelas humanas e as discrepâncias culturais e sociais, a nível mundo, representadas a priori pelo poder econômico conseguimos mensurar a catástrofe que é ser humano ou ser detentor de um espírito humano.


Desta forma, é a concretude das experiências humanas que nos concede a matéria prima de todo conhecimento humano. E como Kant diria, é o nosso espírito que faz uso dessa experiência dando-lhe a ordenação e coerência categórica, ou seja, a ilusão de que o espírito humano é passivo à experiência é uma falácia, porque é o próprio espírito humano que constrói a ordem universal. Todas as relações referentes ao que ocorre na natureza é produção do espírito humano.


Máxima Culpa Humana. Não há como eximir-se...




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...