quinta-feira, 6 de junho de 2019

A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE

INTRODUÇÃO 
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

Uma fórmula simples, que trata da diferença genética mais importante, talvez, que há entre neurose e psicose: “A neurose é o resultado de um conflito entre o eu e seu id, enquanto que a psicose é o desenlace análogo de uma similar perturbação nos vínculos entre o eu e o mundo exterior” (FREUD, 1924/1988a, p. 125). 

1. NEUROSES DE TRANSFERÊNCIA 

Surgem pelo fato de o Eu não querer aceitar e promover a efetivação motora de um impulso instintual poderoso no Id, ou de contestar o objeto a que ele visa. O Eu, então, defende-se dele através do mecanismo da repressão; o que é reprimido se revolta contra esse destino, criando, por vias sobre as quais o Eu não tem poder, um substituto que o representa, que se impõe ao Eu pela via do compromisso, o sintoma; o Eu vê ameaçada e prejudicada por esse intruso a sua unidade, dá prosseguimento à luta contra o sintoma, tal como se defendia originalmente do impulso instintual, e tudo isso resulta no quadro da neurose (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

O Eu, ao efetuar a repressão, segue as ordens do seu Super-Eu (que se originam das influencias do mundo real). Este conjunto tem mais força do que as reivindicações instintuais do Id. Assim o Eu “ [...] coloca em andamento a repressão a essa parte do Id e fortalece a repressão mediante o contra-investimento da resistência. A serviço do Super-eu e da realidade, o Eu entrou em conflito com o Id, e assim ocorre em todas as neuroses de transferência” (FREUD, 2011). 

1.1. Mecanismos das psicoses 

Distúrbio na relação entre o Eu e o mundo exterior. “amência” — uma confusão alucinatória aguda, talvez a mais extrema e impressionante forma de psicose —, o mundo exterior não é percebido de modo algum ou sua percepção não tem nenhum efeito (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Normalmente o mundo exterior domina o Eu por duas vias: primeiro, pelas percepções atuais que sempre podem se renovar; depois, pelo acervo mnemônico de percepções anteriores, que, como “mundo interior”, constituem patrimônio e elemento do Eu. Na amência, não só é excluído o acolhimento de novas percepções, mas também é retirado o significado do mundo interior, que até então representava o mundo exterior, como sua cópia; autonomamente o Eu cria um novo mundo exterior e interior, que é edificado conforme os impulsos de desejo do Id (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Destaque para o íntimo parentesco entre essa psicose e o sonho normal. Na esquizofrenia sabe-se que tendem a resultar no embotamento afetivo, isto é, na perda de todo interesse no mundo exterior. Sobre a gênese das formações delirantes, algumas análises nos ensinaram que o delírio é como um remendo colocado onde originalmente surgira uma fissura na relação do Eu com o mundo exterior (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

A etiologia comum à irrupção de uma psiconeurose ou psicose é sempre a frustração, a não realização de um daqueles desejos infantis nunca sujeitados, tão profundamente enraizados em nossa organização filogeneticamente determinada. O Eu, nessa tensão conflituosa, continua fiel à sua dependência do mundo externo e procura amordaçar o Id, ou se deixe sobrepujar pelo Id e separar da realidade. O Super-eu reúne influências que vêm tanto do Id como do mundo externo. Sendo um modelo ideal do o esforço do Eu, a conciliação de suas múltiplas dependências (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

A neurose de transferência corresponde ao conflito entre Eu e Id, a neurose narcísica ao conflito entre Eu e Super-eu, a psicose àquele entre Eu e mundo exterior. 

2. A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE 

Um dos traços que distinguem a neurose da psicose: Na primeira o Eu, em sua dependência da realidade, reprime uma parte do Id (da vida instintual), enquanto na psicose o mesmo Eu, a serviço do Id, retira-se de uma parte da realidade (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Para a neurose, o fator decisivo seria a influência preponderante da realidade, para a psicose, a influência do Id. A perda da realidade já estaria na psicose desde o início; na neurose ela seria evitada (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

A contradição existe apenas enquanto temos em vista a situação do início da neurose, na qual o Eu, a serviço da realidade, efetua a repressão de um impulso instintual. Mas isto não é ainda a neurose mesma. Ela consiste antes nos processos que trazem compensação para a parte prejudicada do Id, ou seja, na reação à repressão e no malogro desta. O afrouxamento da relação com a realidade é consequência deste segundo estágio na formação da neurose, e não nos surpreenderia se um exame detalhado mostrasse que a perda da realidade afeta justamente a porção da realidade por cujas exigências produziu-se a repressão instintual (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Caso de estudos sobre a histeria: “(...) uma garota apaixonada pelo cunhado, estando junto ao leito de morte da irmã, é abalada pela seguinte ideia: “Agora ele está livre, pode se casar comigo”. Esta cena é imediatamente esquecida e tem início o processo de regressão que conduz às dores histéricas. É justamente instrutivo, nessa história, ver por qual caminho a neurose busca resolver o conflito. Ela tira valor à mudança real, ao reprimir a exigência instintual em questão, ou seja, o amor ao cunhado. A reação psicótica seria recusar o fato da morte da irmã” (FREUD, 2010; 2011; 1976; NASIO, 2001, p. 63-64). 

No surgimento da psicose ocorre alguma coisa análoga ao processo que se verifica na neurose, naturalmente entre outras instâncias. Também são visíveis dois estágios, o primeiro arrancaria o Eu da realidade, o segundo tenderia a corrigir o dano e restabeleceria a relação com a realidade à custa do Eu (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

O segundo estágio da psicose visa também compensar a perda da realidade, mas não à custa de uma restrição do Id — como, na neurose, à custa da relação com o real —, e sim por uma via mais autônoma, pela criação de uma nova realidade, que não desperte a mesma objeção que aquela abandonada (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Tanto na neurose como na psicose o segundo estágio é conduzido pelas mesmas tendências. Nos dois casos ele serve às aspirações de poder do Id, que não se deixa coagir pela realidade (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

Tanto a neurose como a psicose são expressão da rebeldia do Id contra o mundo externo, de seu desprazer ou, se quiserem, de sua incapacidade de adequar-se à necessidade real. Neurose e psicose diferenciam-se muito mais na primeira reação, que as introduz, do que na tentativa de reparação que lhe segue (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

A diferença inicial se exprime então no resultado final: na neurose uma porção da realidade é evitada mediante a fuga, enquanto na psicose é remodelada. Ou podemos dizer que na psicose a fuga inicial é seguida de uma ativa fase de remodelação, e na neurose a obediência inicial é seguida de uma posterior tentativa de fuga (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

A neurose se contenta em evitar a porção da realidade em questão e proteger-se do encontro com ela. A diferença aguda entre neurose e psicose, no entanto, é diminuída pelo fato de também na neurose haver tentativas de substituir a realidade indesejada por outra mais conforme aos desejos (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

O novo mundo exterior fantástico da psicose pretende se pôr no lugar da realidade externa, enquanto o da neurose, tal como o jogo das crianças, apoia-se de bom grado numa porção da realidade (FREUD, 2010; 2011; 1976). 

REFERÊNCIAS 

FREUD, S. Ensaios de metapsicologia e outros textos. Obras Completas. v. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 

FREUD, S. O Eu e o Id, Autobiografia e outros textos. Obras Completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 

FREUD, S. Sobre o início do tratamento [1913]. In: ______. O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (Obras completas: Edição Standard Brasileira). 

NASIO, J. D. (Cols). Os grandes casos de psicose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, pp. 33-64.

A DIVERSIDADE EM PSICOLOGIA

INTRODUÇÃO
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A psicologia tem sua história marcada pela filosofia, sociologia, antropologia até pretender ser uma ciência descolando-se das outras ciências. Inicia-se em Wundt, o primeiro teórico a instituí-la como investigação de laboratório com seu método introspectivo. Com o advento das ciências naturais, oriundas de Charles Darwin, a visão sobre a natureza passa a ser mais biológica descolando-se por completo das explicações míticas. O homem como qualquer outro animal pode ser estudado em sua origem filogenética. As ciências experimentais surgem com os estudos de Pavlov, Watson culminando em Skinner. Essas ciências postulam um caminho experimental, sob a égide do controle dos comportamentos humanos, dando-lhes explicações lógicas indutivas e metodológicas. 

Por conseguinte Freud, em Viena, inicia seus estudos com histéricas, criando assim sua teoria da consciência e inconsciência. Passa a estudar as relações naturais e a tríade familiar, mãe, pai, criança, dando as atividades do prazer conotações voltadas a sexualidade desenvolvimental. A fenomenologia inaugura uma contestação às psicologias experimentais, empíricas, e aos psicologismos inaugurados em Freud, subsequenciando outros como a Gestalt, etc. Sendo, portanto Husserl um matemático cria o método fenomenológico retomando a filosofia antes rechaçada e tornando-a uma ciência de rigor. A partir de Husserl surgem as teorias compreensivas que restabelecem ao homem um lugar privilegiado, no sentido de que esse é único e fenomenologicamente um entre tantos outros seres, podendo assim ser comparado a si mesmo. Diante deste quadro sendo a psicologia uma ciência recente, não forma um único corpo teórico sendo dividida entre muitas psicologias, pois possuem matrizes diferentes, com teorias e métodos distintos. Não que elas não conversem entre si, mas cada uma com suas linhas de pensamento teórico que não são isentos de sua origem cultural, momento histórico, organização social e sistemas políticos. 


1. MATRIZES SOCIAIS DO PENSAMENTO PSICOLÓGICO 

Os constructos da Psicologia não terminaram no séc. XIX, ao contrário existem muitas pesquisas auxiliando em novos constructos teóricos. O conhecimento da psicologia não é um corpo sólido, único, indivisível e totalmente integrado, justamente pela diversidade de epistemologias (FIGUEIREDO, 1992).

Existem em Psicologia diferentes pontos de vista, diferentes afirmações e diferentes explicações teóricas sobre um mesmo assunto. É possível falar em várias psicologias. Pode-se inclusive falar de Psicologias, na medida em que nesta ciência lidamos com a convivência de diversas definições diferentes, que destacam objetos de estudo e métodos próprios (FIGUEIREDO, 1992). 

As matrizes das psicologias são geradoras, são fontes de saberes e instauram o campo da teorização, bem como de diversas possibilidades de ação e inauguram as histórias das psicologias. A psicologia não apresenta um corpo de conhecimentos organizado e coeso, já que suas matrizes são diferentes, algumas teorias coexistem, outras não por serem incompatíveis. Não é um corpo unânime, havendo muitas diferenças (FIGUEIREDO, 1992). 

As matrizes podem ser divididas em três dimensões específicas: as “cientificistas” que surgem a partir dos estudos realizados nas ciencias naturais no séc. XIX, postulando que todas as coisas possuem uma ordem natural e biológica, cujo estudo prevê o controle de eventos psícológicos e comportamentais (FIGUEIREDO, 1992). 

As “românticas que aparecem como oposição ao racionalismo, defendendo que o objeto da psicologia não são eventos naturais, já que a expressão de eventos primitivos ocupam um lugar de valorização das expressões humanas (expressionismo). Dão lugar a subjetividade humana cuja meta é compreender, gerar conhecimentos aptos a apreensão das formas expressivas e singulares dos indivíduos, ampliando a comunicação de cada um consigo mesmo (FIGUEIREDO, 1992). 

As “pós-românticas” ou “compreensivas” que resgatam a compreensão humana, renunciando à esperança de uma apreensão fácil e imediata do sentido das coisas, pois o sentido não coincide com a vivência, já que por detrás dos sentidos existem outros sentidos (FIGUEIREDO, 1992). 

O propósito não é descobrir qual é a melhor psicologia e ou abordagem psicológica? A reflexão está além da atividade comparativa. A psicologia não possui uma única matriz, embora a cientificidade seja exigida em todas elas, porém alguns conhecimentos vem de uma matriz romântica com maior ênfase aos sentimentos do que a razão, outras compreensíveis, abertas para perceber o que não está pronto ou acabado e as cientificistas, herança positivista que prioriza a razão e o observável para comprovação, sendo reducionistas e de base empirista (FIGUEIREDO, 1992). 

No entanto, a diversidade de matrizes não produz um estado de dezorganização, caos e não dialogicidade, ao contrário ela amplia a capacidade de pensarmos sobre o que acreditamos, o que fazemos e quem somos. Não é, portanto, adoção de um número “x” de teorias, mas de como são essas teorias e abordagens e quais ideologias estão nelas implicadas: românticas, liberais ou disciplinadoras? Logo, é ilusório crer que se é isento na escolha de uma teoria ou abordagem, método e técnica, já que está numa dimensão ética, mas também política da Psicologia (FIGUEIREDO, 1992). 


1.1. A prática psicológica 

A psicologia constitui-se uma diversidade representada por diferentes formas de refletir-se sobre o fenômeno psicológico. A profissão psicólogo não se fundamenta em uma única proposta, há diversidade de abordagens. O conhecimento tácito do psicólogo deve incorporar a teoria na prática e vai além da aplicação, pois é uma autêntica elaboração de conhecimentos mesmo não traduzidos em textos. É o saber do ofício que tem conservados os lugares da experiência, alteridade, negatividade e transformação (FIGUEIREDO, 1992). 

Existem duas reações distintas na prática psicológica que dificultam o entendimento da profissão e da atuação profissional e que poderia gerar um certo mal-estar e possível angústia devido a "[...] ausência de uma compreensão mais abrangente e profunda do nosso espaço de dispersão". Essas práticas seriam perniciosas porque impedem que o indivíduo sinta esse sutil mal-estar e angústia (FIGUEIREDO, 1992). 

A primeira delas é o dogmatismo - "[...] psicólogo em formação ou já formado tranca-se dentro de suas crenças e ensurdece para tudo que possa contestá-las" e a segunda o ecletismo, porque ele "adota indiscriminadamente todas as crenças, métodos, técnicas e instrumentos disponíveis de acordo com sua compreensão do que lhe parece necessário para enfrentar unificadamente os desafios da prática.” (FIGUEIREDO, 1992).

A ideologia que envolve a profissão do psicólogo pode ser identificada quando perguntamos a quais interesses servimos com nossa atuação e a quem beneficiamos com nosso trabalho. Quando acreditamos que o homem nasce dotado de aptidões e características de personalidade, estamos desconsiderando as possíveis influências socioculturais sobre seu comportamento. No campo profissional as discussões históricas, sociológicas e filosóficas sobre o mundo e as formas dominantes dimensionam a ética das psicologias (FIGUEIREDO, 1992). 

Perguntar sobre o que acreditamos, o que fazemos e quem somos dimensiona a que interesses servimos com nossa atuação e a quem estamos beneficiando com o nosso trabalho, também nesse espaço reflexivo quando temos a crença de que a personalidade é inata ao homem, desprezamos a capacidade sociocultural que tem influencia na atuação humana cotidiana, bem como quando conscientes dessa premissa ética indagadora haverá transformação da prática ou no movimento contrário a manutenção da mesma (FIGUEIREDO, 1992). 

A prática psicológica, muitas vezes, tem sido utilizada como instrumento de adaptação às desigualdades produzidas pela divisão de classes. A ideologia liberal não trabalha para a emancipação dos indivíduos, ao contrário surge da necessidade de manutenção de ordem normativa, disciplinadora e adaptadora. Acredita que todos são iguais perante a lei, mas é incoerente pelo sistema de produção que prioriza os interesses próprios, desconsiderando as trocas sociais e o meio social dos indivíduos, demarcando um indivíduo idealizado e utópico. A função social da atuação do psicólogo não se limita a prática do psicólogo, é mais ampla e envolve pesquisa, engajamento político-social e luta de classes (BASTOS; GONDIM, 2010). 

A clínica durante muito tempo foi a principal atividade dos psicólogos aliados à estudos médicos e educacionais. Atualmente não ocupa mais esse lugar privilegiado por não ser próprio para determinados contextos. A psicoterapia pode ser utilizada não apenas para ajudar na resolução de problemas, mas também para fins de autoconhecimento. A psicoterapia é uma atividade que pode ter uma maior duração, enquanto que a orientação e aconselhamento objetivam tarefas mais objetivas e, portanto, menos demoradas (BASTOS; GONDIM, 2010). 

O aconselhamento e a orientação aparecem em diferentes contextos de atuação psicológica e não somente na clínica. O aconselhamento/orientação possui características próprias de uma abordagem centrada no indivíduo e nos seus sentimentos, conflitos e percepções dando voz as potencialidades de decisão e capacidades de crescimento e ressignificação da própria vida. Propõe uma abordagem mais humanista como a de Rogers (BASTOS; GONDIM, 2010). 

A observação é um instrumento utilizado já nos primeiros contatos com o paciente, triagem, psicodiagnóstico e psicoterapia. O psicodiagnóstico é um processo que abre possibilidades para compreensão do indivíduo em sua integralidade e portanto antecede a psicoterapia e tratamentos. Os testes são instrumentos do profissional e podem ser utilizados em diversos contextos por ele. É importante ter-se em mente que os testes são instrumentos de auxílio e não de “tratamento” (BASTOS; GONDIM, 2010). 

O trabalho do psicólogo deve ser em equipes multiprofissionais ou multidisciplinares como garantia de prática voltada para a prevenção, promoção da saúde, bem estar e humanização. O trabalho em equipe é fundamental em todas as instancias e contextos porque viabiliza a troca de experiências e objetiva o paciente e seu bem-estar (BASTOS; GONDIM, 2010). 


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conclui-se que a psicologia é uma ciência recente precedida por outras ciências. Ela não é um corpo sólido e único, pois possui diferentes matrizes teóricas. Possuem em comum o objeto de estudo, sendo este a subjetividade humana. Pode-se afirmar que existem psicologias e cada uma delas trilha um método e um constructo teórico e que esse não está descolado de seu tempo histórico, político, social e cultural. Alguns servem a ideologias liberais, outros as ideologias críticas e sociais. A escolha por uma delas implica em assumir uma postura ideológica e não há como descolar a práxis de nossas concepções de mundo. Logo, cada profissional optará por uma abordagem conforme suas próprias crenças e valores.

Isso não tira da ciência seu lugar de idoneidade e aplicabilidade, pois todas as teorias possuem constructos científicos diferenciando-se apenas na forma de direcionar o olhar ao estudo das subjetividades humanas. Muitos são os contextos para o exercício da prática psicológica, desde a clínica às instituições, organizações, etc. O psicólogo pode atuar em ambiente escolar, jurídico, hospitalar, empresarial, etc. Cada lugar diferencia-se pela demanda e portanto, cada espaço necessitará de intervenções diferenciadas. O importante é prezar pela qualidade de vida dos indivíduos num trabalho transpassado pela coletividade, alteridade e ética, entendendo que cada indivíduo é responsável por si mesmo e capaz de tomar decisões acerca de sua própria vida. A integralidade do sujeito é a premissa básica deste trabalho. 

Não estamos lá para decidir por ele e nem mudá-lo, mas auxiliá-lo a decidir pelo melhor para si. O trabalho multiprofissional envolve atividades interdisciplinares e colaboram por uma melhor compreensão da realidade biopsicossocial e de religiosidade do paciente, bem como melhores formas de intervir sem roubar-lhe o direito de ser no mundo da forma como deseja ser. O mais importante é ter-se em mente que cada indivíduo é responsável por si mesmo, cabendo a ele e somente a ele decidir sobre como deseja ser ajudado e se deseja ser. 


REFERÊNCIAS 


FIGUEIREDO, L. C. Convergências e divergências: a questão das correntes de pensamento em psicologia Transinformação, 4 (1-2-3): 15-26, jan/dez, 1992. 

BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. 


AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA E INTELIGÊNCIA

INTRODUÇÃO
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

Para falar de Neuropsicologia faz-se necessário entender o processo histórico que a diferencia de uma avaliação psicológica comum, já que se constitui num método que investiga funções cognitivas e comportamentais e que verifica como está o funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC) enquadrando-o num funcionamento dito normal ou patológico, ou seja, ela investiga o funcionamento cérebro-comportamento e suas relações, as alterações cognitivas e comportamentais relacionadas a possíveis lesões existentes no cérebro. A avaliação neuropsicológica é uma área da psicologia e uma especialidade dentro do campo mais amplo da psicologia clínica que utiliza interdisciplinaridade com outras áreas das neurociências e diferentes contextos de atuação profissional (MÄDER, 1996; MIOTTO, 2012; TISSER, 2017). 

O termo “Neuropsicologia” surgiu no séc. XX com Osler, porém seu registro é mais antigo datado no Antigo Egito, via relatos em papiros, de preocupações existentes relativos ao funcionamento e relações do cérebro e da mente. Na Grécia Antiga em Hipócrates aparecem registros de correlações da linguagem alterada e o mau funcionamento do lado direito do corpo e associação do cérebro ao pensamento e a sensação. Ainda no terceiro século A.C. Herófilo faz descrições anatômicas do cérebro cujos ventrículos eram responsáveis pela cognição. No segundo séc. A. C. Galeno propõe que a mente tinha como responsável a massa cerebral (MÄDER, 1996; MIOTTO, 2012).

Na Idade Média admitiam-se relações entre cérebro e comportamento. Versalius, séc. XVI avança na pesquisa descritiva observando animais concluindo que a diferença entre eles e humanos estava apenas nas proporções cerebrais. É em Descartes que se dá o estabelecimento de que a “glândula pineal” era a sede da mente. A partir daí teorias surgem cada vez mais intensificadas a respeito do cérebro e seu funcionamento. Gall e Spurhein estabelecem a Frenologia, cujos estudos sobre as formas cerebrais – caroços ou protuberâncias - indicavam anomalias, caráter, personalidade, grau de criminalidade, etc., pois para eles as faculdades mentais estavam localizadas no cérebro (MÄDER, 1996; MIOTTO, 2012). 

O que sucedeu estas descobertas foi uma história permeada pelos testes psicológicos estudados pela psicometria. Os registros dos primeiros trabalhos de mensuração comportamental datam no sec. XIX. Da história dos testes interessa-nos o início do sec. XX. Binet, Henri e Simon estabeleceram os princípios básicos para que a avaliação psicométrica pudesse ser feita. Em 1905 tornaram público a Escala de inteligência Binet-Simon, mais tarde  Goddard levou esta escala para EUA e Terman fez uma revisão na escala Stanford-Binet, adotando o termo “Quociente Intelectual” relacionando idade mental e cronológica. É somente em 1936 que Wechsler cria a Escala de Wechsler Bellevue (WBS) dando início a uma série de baterias de avaliação de inteligência que se perpetuam até hoje e que contemplam atualmente todas as baterias de avaliação neuropsicológica (MÄDER, 1996).

Suas escalas estão estruturadas em dois grandes grupos – verbais e não verbais – e esta estrutura é permanente para todos os testes e idades. Suas escalas permitem análise fatorial de subtestes em quatro índices: 1) Escala de Inteligência Adulta Wechsler (WAIS; 16-74 anos), revisadas em 1981; 2) Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC; 6-16 anos), revisadas em 1979, 1991 e 2003. O WISC IV é a quarta revisão e trouxe mudanças expressivas em relação ao conteúdo deste instrumento. Houve uma simplificação da estrutura fatorial que reformou os subtestes, com melhoras da qualidade psicométrica por aproximá-la das teorias modernas, unificando o modelo fatorial das escalas Wechsler. 3) Escala Wechsler Primária e Inteligência para crianças (WPPSI-R; 3-7 anos), revisada em 1989 e 4) Escala de Memória Wechsler (WMS-R), revisada em 1987. Esta escala avalia memória verbal e visual. (MÄDER, 1996; VIDAL, FIGUEIREDO, NASCIMENTO; 2011). 

Mais especificamente sobre a Neuropsicologia do século XX algumas teorias surgiram e embasam esta área de estudo que intersecciona conhecimento de outras subáreas como neurofisiologia, neuroanatomia, neurofarmacologia e neuroquímica, bem como campos de atuação psicológica como psicologia clínica, psicopatologia, psicologia experimental, psicometria e psicologia cognitiva. Em 1938 Lashley propôs a “teoria equipotência”, influenciando a Gestalt, pois condicionava o comportamento à quantia de massa encefálica e não a localização. MacLean introduziu o sistema límbico. Teuber, Weiskrantz e Shallice (1955-1979) mostraram que os processos de informação são independentes e estão separados de funções. Em 1947 Halstead fez a seleção de dez testes sensoriomotores sensíveis ao substrato biológico da inteligência e Reitan selecionou sete destes dez testes (MÄDER, 1996; TISSER, 2017). 

Luria e Vygotsky (1966) criaram a teoria dos Sistemas Funcionais: “[...] 1) Unidade de Atenção (sistema reticular) 2) Unidade Sensorial (áreas primárias, secundárias e terciárias) 3) Unidade de Planejamento (áreas primárias, secundárias e terciárias)”. Seu método trouxe importante contribuição para a maneira de olhar as dinâmicas do funcionamento do cérebro, bem como para a compreensão de como a parte frontal do cérebro funciona. Warrington analisou funções cognitivas em relação à disfunção cerebral. Sintetizou métodos intuitivo e empírico, analisou as habilidades complexas criando sua bateria de testes neuropsicológicos, incluso os de inteligência. Benton contribuiu com métodos, desenvolvendo testes de memória, práxis construtivas, etc. Kaplan e o grupo Boston desenvolveram a avaliação dos processos da informação quantitativamente e contribuíram para a compreensão de como pacientes que não conseguem responder dentro de regras funcionam. Milner estudou e testou o funcionamento de pacientes epiléticos cirúrgicos e através destes testes contribuiu com o desenvolvimento de testes de avaliação de funções da memória e funções de comando (MÄDER, 1996, p. 15; MIOTTO, 2012). 

A década de 90 foi revolucionária no campo neuropsicológico e ficou conhecida como a “Década do Cérebro”. Houve avanços nas imagens computadorizadas, ressonâncias e tomografias que possibilitaram melhor detectar lesões cerebrais. A pesquisa avançou e as questões relativas ao envelhecimento e as diversas patologias do SNC desenvolveram-se amplamente através de trabalhos nos centros de pesquisas. Atualmente o interesse é crescente na área das neurociências e as iniciativas para elaborar melhor o conhecimento da área são emergentes. Em 1989 aconteceu a fundação da Sociedade Latino Americana de Neuropsicologia em Buenos Aires. Os Congressos de Neuropsicologia (1991) realizados nos USA e no Brasil impulsionaram a organização da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, órgão que divulga e forma profissionais interessados nesta área no país (MÄDER, 1996). 

A Neuropsicologia abrange e estuda as etapas seguintes: alterações de humor e comportamento e como isto impacta cotidianamente suas vidas, investigação avaliativa por anamnese, entrevista e escalas específicas. Os objetivos desta ciência são o diagnóstico, identificação da natureza dos sintomas, a gravidade das possíveis sequelas, o prognóstico, acompanhamento da evolução dos casos e a reabilitação. Atualmente a Neuropsicologia corresponde a demandas oriundas de vários contextos como contexto educacional, clinica e forense, encaminhada por médicos, neurologistas e pediatras. Nesta área as medidas podem ser quantitativas e qualitativas já que tem por parâmetro o indivíduo medido por ele mesmo em relação à média geral dos seres humanos. A avaliação neuropsicológica possui um roteiro a ser seguido, pois todas as medidas tomadas em relação ao paciente devem ser adequadas as suas necessidades, competências e limitações (MIOTTO, 2012; TISSER, 2017). 

A avaliação neuropsicológica geralmente é feita quando há detecção real de uma disfunção cerebral, que deverá ser investigada a fim de se entender o déficit comportamental e cognitivo apresentado pelo paciente e consistem em exame receptivo a avaliação do funcionamento cerebral e sua inteireza, deixando claras as complicações psicológicas e neurológicas. É, portanto uma investigação laboral útil nos serviços de diagnóstico ou detecção precoce de sintomas de transtornos do neuro-desenvolvimento, elaboração de programas de reabilitação neuro-cognitiva; acompanhamento de procedimentos cirúrgicos que possam resultar em sequelas no SNC, procedimentos legais que envolvam documentar incapacidades mentais de pessoas com lesões ou doenças que afetam o SNC (MIOTTO, 2012; TISSER, 2017). 

A atuação profissional desta área pode ser realizada por profissionais graduados em psicologia, fonoaudiologia, pedagogia, etc., com especializações em estrutura e funcionamento do SNC, incluindo avaliação de exames de neuroimagens. Portanto, por agregar fatores etiológicos de desempenho e questões de ordem emocional e comportamental exige dos profissionais um bom compreendimento do saber científico que abrange o desenvolvimento e o funcionamento cerebrais comuns e não comuns, bem como o costumeiro desempenho mental encontrado nas desorganizações cerebrais. Este saber científico abarca: 1) disfunções do desenvolvimento como discalculia, dislexia, etc.; 2) disfunções não verbais associadas à etiologia neurológica; 3) síndromes genéticas, defeitos na estrutura do SNC, exposição a elementos tóxicos como o chumbo; lesões cerebrais decorrentes na gestação e pós-parto e o funcionamento emocional e comportamental. (MIOTTO, 2012; TISSER, 2017). 

Para que as avaliações sejam feitas existe a necessidade de utilização de instrumentos que avaliem as funções cognitivas (comprovadas cientificamente), mas somente poderão aplicar testes os profissionais formados em psicologia. Os testes de Hipóteses são realizados em função do modelo neuro-cognitivo de correlação entre as funções cognitivas e executivas e os comportamentos com a topografia e funcionamento do SNC. Os testes mais receptivos ao diagnóstico de alterações precoces são: “Aprendizagem de Listas de Palavras, Figura de Rey (cópia e memória), Trail Making, Weigl Color Form Sorting Test, Fluência Verbal (Semântica e Categorias), e Semelhanças do WAIS R.”, atualmente WAIS IV. Infelizmente, no Brasil, ainda contamos com poucos testes traduzidos e publicados. Seria excelente que contássemos com testes adaptados a realidade e problemas encontrados na população brasileira, o WAIS IV é um dos que parece ter sido padronizado recentemente para uma condição mais real, mas é bom lembrar que pode dificultar a análise dos resultados já que estes tem sua base na literatura internacional (MÄDER, 1996, p. 17; VIDAL; FIGUEIREDO; NASCIMENTO, 2011; MIOTTO, 2012). 

Em relação ao Protocolo Básico para Avaliação Neuropsicológica Clínica seria interessante à adoção de uma bateria de testes que contemplem todos os domínios cerebrais, incluídos: “[...] capacidade cognitiva, atenção, aprendizagem, memória, linguagem, capacidade visuoespacial, capacidade sensório-motora, funções executivas e processos sociais e emocionais”. Uma das funções principais de um protocolo básico é desenhar um panorama global de como está funcionando as funções cognitivas do indivíduo atendido, para depois aprofundar esta avaliação com outros testes complementares. Como produto final obter-se-á um perfil neuropsicológico do paciente. Este perfil em harmonia com as questões sociais contribuirá para uma melhor orientação individual e coletiva sobre a lida relacionada aos déficits e aos potenciais do paciente. O mais importante não são as técnicas ou as aplicações de testes, mas como os resultados serão interpretados, já que não existem testes propriamente neuropsicológicos, apenas métodos de inferência que possibilitam análise de situações reais e contextos em concordância aos aspectos físicos diagnosticados. O respeito e a inclusão de dinâmicas compreensivas é o caminho para que não haja fuga da dimensão biopsicossocial e da religiosidade humana que tem como contraponto o viés medicalizante, adaptativo, remediativo e às vezes fatalista do modelo biomédico (MÄDER, 1996; BRITO, 2010; TISSER, 2017, p. 23). 

As Teorias clássicas da inteligência definiram a inteligência como uma disposição inata ou adquirida que possui interconectividade com a realização de tarefas simples ou complexas a nível intelectual e que é determinante para o desempenho de atividades cotidianas que envolvem a aprendizagem e a resolução de problemas. As linhas mais evidentes no estudo da inteligência são: diferencial ou psicométrica; desenvolvimentista; cognitivista e neurobiológica (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 

Alguns teóricos importantes desenvolveram estudos que definiram e avaliaram a inteligência em momentos históricos específicos em contexto cultural e desenvolvimento intelectual, de ferramentas e instrumentalizações relativo à época histórica. Alguns constructos teóricos foram refutados e outros permanecem até hoje como conhecimento acumulado historicamente e cientificamente podendo ser aproveitados e ampliados conforme as tecnologias vigentes (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 

Francis Galton afirmou que pessoas mais inteligentes eram equipadas com as melhores capacidades sensoriais abordando herança hereditária e antecipando estudos sobre velocidade da condutividade neural e velocidade do processamento da informação. Seus testes foram formados por avaliação de traços físicos; acuidade sensorial; força muscular; tempos de reação entre outras características sensório-motoras simples. Binet e Simon reprovaram a excessiva centralização nos processos sensórios-motores e nas habilidades perceptuais simples de Galton. Como vimos anteriormente criaram o 1º teste psicológico descrevendo os componentes da inteligência: raciocínio, julgamento, memória, abstração e compreensão (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 

Spearman em sua análise fatorial desenvolveu a Teoria bifatorial de Inteligência definindo inteligência como sendo a capacidade de aprender relações, constituída por 2 tipos de fatores: 1) geral e 2) diversos específicos sendo eles o Fator Geral (g): comum a todas as capacidades cognitivas e o Fator Específico (s): Capacidade particular a cada capacidade cognitiva. Estes fatores g e s estão presentes nas várias capacidades intelectuais, embora não desempenhem o mesmo papel em todas elas, pois o fator g pode ser o principal em algumas e o s ser predominante em outras. O fator g permanece inalterado em um mesmo indivíduo em relação a todas as capacidades correlacionadas. O fator g é um constructo psicométrico e psicológico que descreve um conjunto de fenômenos associados com os resultados do funcionamento mental humano. É uma ideia abstrata, latente, e os fenômenos atribuídos a ele podem ser observados e medidos. A inteligência medida por meio do fator g é um componente herdável, onde o grau apresentado influencia a resposta do individuo no ambiente (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 

Thurstone apresentou a inteligência numa perspectiva pluralista. Entendeu o fator g como um artefato estatístico que descreve de forma muito pobre a estrutura da inteligência. Por esta razão propôs a existência de várias aptidões diversas na sua natureza e relativamente independentes entre si, cada uma das quais podendo entrar com pesos diferentes nos testes de Compreensão verbal (V), Fluência verbal (W), Aptidão numérica (N), Aptidão espacial (S), Memória (M), Velocidade perceptiva (P), Raciocínio (R) (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 

As Teorias Hierárquicas da Inteligência compreenderam a existência de vários fatores ou aptidões que se organizam de forma escalonada dependendo do seu nível de generalidade. Podendo ser de impacto mais geral até mais específico. Esses modelos apresentam maior importância a um ou mais fatores gerais, muito próximos da definição do fator g de Spearman. Raymond Cattel propôs a Teoria das inteligências Fluída (Gf) e Cristalizada (Gc): a Inteligência Fluida (Gf) era definida como componentes não verbais pouco dependentes de conhecimentos prévios e da influência dos aspectos culturais, estando mais relacionada aos aspectos genéticos. Sendo utilizada em tarefas relativamente novas, que não podem ser executadas automaticamente (SCHELINI, 2006). 

A Inteligência Cristalizada (Gc) foi definida com o capacidades exigidas na resolução dos problemas cotidianos, sendo conhecida como inteligência “social” ou “senso comum”. Desenvolve-se a partir das experiências culturais e educacionais. Identificou 19 fatores mais específicos, como: Compreensão verbal, Aptidão numérica, Aptidão espacial, Amplitude de memória, Ortografia, Originalidade. E mais cinco mais gerais: Aptidão fluida, Aptidão cristalizada, Capacidade de visualização, Velocidade de realização, Capacidade de evocação e de fluência (SCHELINI, 2006). 

A Inteligência Emocional está em um campo de investigação novo e nela propõe-se o ampliamento do conceito já aceito de inteligência, incluem-se aspectos relacionados ao mundo das emoções e sentimentos. São definidas por duas principais correntes teóricas básicas: 1) Define como uma capacidade geral de compreensão e raciocínio; 2) Define como uma capacidade que envolve diversas habilidades mentais relativamente independentes entre si. Tem como teórico Thurstone (1938) e Thorndike (1936). Postula que a inteligência seria composta por várias capacidades básicas e que pouco se influenciam entre si. Thorndike propôs estudos sobre a inteligência social (IS), que é a capacidade de perceber os estados emocionais próprios e alheios, motivos e comportamentos, além de agir com base nestas informações de forma adequada (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008).

Howard Gardner - teoria das inteligências múltiplas: inteligências lógico-matemático, linguística, musical, espacial, corporal-cenestésica, intrapessoal e interpessoal. Essas capacidades seriam independentes entre si, além de operarem em blocos separados no cérebro, obedecendo a regras próprias. Inteligência Emocional: a interação cognição-emoção. Essa é menos conhecida pelo público, pois está sendo divulgada principalmente em periódicos científicos. A definição de inteligência emocional depende da definição de inteligência, emoção e sobre sua interação. Uma definição bastante ampla diz que a inteligência é a capacidade de se adaptar ao meio. As visões mais amplas encaram as emoções como fatores desorganizadores da atividade cognitiva, trazendo falta de clareza ao raciocínio (CANDEIAS; ALMEIDA; ROAZZI; PRIMI, 2008). 


REFERENCIAS 

BRITO, M. A. Ética e medicalização da vida. In: Caponi, S., Verdi, M., Brzozowski, F. S., Hellmann F., (Orgs). Medicalização da Vida: Ética, Saúde Pública e Indústria Farmacêutica. Palhoça: Editora Unisul; 2010. p. 2554-2556. 

CANDEIAS, A.; ALMEIDA, L.; ROAZZI, A.; PRIMI, R. (orgs). Inteligência: definição e medida na confluência de múltiplas concepções. São Paulo: Casa do Psicólogo, 427p, 2008. 

MIOTTO E. C. Avaliação neuropsicológica e funções cognitivas. In: Miotto E. C, Lucia, M. C. S, Scaff, M. Neuropsicologia Clínica. São Paulo: Rocca; 2012. p. 31-32. 

MÄDER, M. J. Avaliação Neurológica: aspectos históricos e situação atual. Psicologia Ciência e Profissão. Brasília, v.16, nº 03, pp. 12-18, 1996. 

TISSER, L. (Org.). Avaliação neuropsicológica infantil. Novo Hamburgo: Editora Sinopsys, 2017 (320p.). 

SCHELINI, P. W. Teoria das inteligências fluida e cristalizada: início e evolução. Estudos de Psicologia, v. 11, nº 03, p. 323-332, 2006. 

VIDAL, F. A. S.; FIGUEIREDO, V. L. M.; NASCIMENTO, E. A quarta edição do WISC americano. Avaliação Psicológica, v. 10, nº 02, pp. 205-207 p., 2011. 

PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

INTRODUÇÃO 
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A psicologia Social Comunitária faz uso dos conhecimentos tradicionais da Psicologia Social, no entanto objetivam formar intelectuais orgânicos que sejam capazes de fazer uma síntese do que a comunidade pensa e ao mesmo tempo dar diretrizes a processos que transformem o que já está cristalizado. A Psicologia Social inicia-se com duas modalidades: 1) Psicologia Social Psicológica: sentimentos, pensamentos, comportamentos são explicados por outros indivíduos reais ou imaginários (clássica) e 2) Psicologia Social Sociológica: Indivíduo adquire seus comportamentos nos grupos sociais de convivência (fenômenos emergentes dos grupos). A Psicologia Social Crítica é a vertente mais recente. Caracterizada por uma “postura crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual” contra a opressão e a exploração e a favor da mudança social. Fazem parte dela posturas teóricas como: Socioconstrucionismo, Psicologia Discursiva, Psicologia Marxista, o pós-modernismo e o feminismo, entre outros (CAMPOS, 2010; FERREIRA, 2010). 

Na América Latina, anos 70, a Psicologia Social foi influenciada pela Psicologia Social Psicológica americana, porém no final dos anos 70 os psicólogos sociais latinoamericanos começaram a questionar essa psicologia pela realidade latina marcada por desigualdades, miséria, e ditaduras militares. A ruptura deveria ser radical. Martin-Baró foi o pioneiro nessa Psicologia mais crítica, assim denominada Psicologia Social Crítica. Ele defendia uma psicologia que fosse comprometida com a realidade social da América Latina e entendia que os psicólogos sociais deveriam trabalhar para a construção de identidades pessoais, coletivas e históricas cuja finalidade seria romper com a alienação da classe popular que vivia oprimida e desumanizada. Maritza Montero foi outra autora latino-americana a defender a Psicologia Crítica questionando os modos de produção do conhecimento e a Psicologia que estava sendo praticada. Ela defendia uma transformação social, a importância da pesquisa para a sociedade, bem como a intervenção da psicologia nos problemas que causavam terror a população. Suas pesquisas estavam voltadas ao estudo de estereótipos, autoimagens, identidades sociais, nacionalismo, movimentos sociais, poder social, relações de gênero, violência doméstica, direitos reprodutivos da mulher, entre outros (FERREIRA, 2010). 

No Brasil, até os anos 70 a psicologia americana foi dominante, porém no final dos anos 70 psicólogos sociais brasileiros vão participar do movimento de ruptura com a mesma. Aroldo Rodrigues desde o início dos anos 70 passa a pesquisar e desenvolver uma profunda linha de pesquisa em Psicologia Social. Silvia Lane e outros pesquisadores seguiram a mesma linha e defenderam uma Psicologia Social Crítica com interesses nos “problemas sociais enfrentados pelo país, como, por exemplo, a violência doméstica, as crianças de rua, a pobreza, a desigualdade social e a exclusão educacional.” A ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) foi fundada em 1980 sendo desde então uma grande cooperadora na construção de embasamento teórico científico e também divulgadora do pensamento que entende o ser humano como produto histórico-social, ou seja, construído historicamente e socialmente (FERREIRA, 2010). 

A Psicologia Social Comunitária não deve ser confundida com Psicologia Social, embora tenha suas matrizes nela, sendo dela uma área, já que faz uso de teorias e métodos da psicologia para trabalhar em realidades sociais comunitárias cuja renda é baixa, priorizando uma deselitização da profissão, bem como aspirando melhorar as condições de vida da população que é a força operária da exploração do trabalho. Ela é, portanto, um espaço que se institui campo da práxis (teoria-prática em ação) em bairros carentes - favelas – associações locais, igrejas, movimentos populares, sendo estes locais as bases iniciais das experiências em Psicologia comunitária ou na comunidade na década de 60 (CAMPOS, 2010). 

No Brasil, especificamente a Psicologia Social Comunitária surge, durante os anos 70, como uma reação “[...] à opressão política e dominação econômica e ideológica que caracterizaram o período militar na região”. Houve preocupação com a promoção da autonomia nas comunidades carentes no oferecimento de conscientização e ações transformadoras priorizando os vínculos entre condições de vida e a psicologia. Lane define os principais conceitos teóricos da área e como a psicologia social comunitária se desenvolveu no Brasil. Sawaia explorou “[...] as origens do próprio conceito de comunidade na história do pensamento social” e analisou “[...] a evolução do conceito como contraponto ao avanço do senso individualista que caracteriza o capitalismo”. Freitas acompanhou “[...] a evolução do conceito de comunidade em psicologia a partir das representações e práticas dos psicólogos [...]” e observou: “[...] a principal fonte de definição da área da psicologia comunitária [...] vinculava-se a práticas comprometidas com a perspectiva de libertação sócio-política da população”. Nos anos 80-90 com a modificação do sistema de saúde pública há modificações importantes e agora a psicologia da comunidade investiga o indivíduo comunitário, enquanto unidade, construído sociohistoricamente (CAMPOS, 2010, p. 12-15). 

Guareschi procurou refletir “[...] sobre conceitos fundamentais da psicologia social comunitária, como os conceitos de relações sociais, relações de dominação e relações comunitárias [...]” desta forma ele demonstrou que relações democráticas estruturam-se na comunidade local. Nasciutt procurou “[...] esclarecer as relações entre instituições e comunidades, de um ponto de vista psicossocial [...]”, desta forma mostrou como fazer utilização de conceitos sobre análise institucional em saúde mental. Vasconcelos refletiu “[...] sobre a relação entre qualidade de vida e habitação [...]”, cujo foco era ocupação da cidade e como hábitos se constroem em comunidade, vínculos entre corpo e casa e impactos na qualidade de vida, incorporando-os como contribuição à psicologia social. Finalmente, Campos trabalhou “[...] as relações entre comunidade, cultura e consciência [...]”, desta forma buscou reflexão sobre a práxis – teoria da psicologia social em relação as prática da psicologia comunitária, principalmente no que se refere à conscientização dos processos alienantes do sistema capitalista (CAMPOS, 2010, p. 12-15). 

Com as mudanças relativas à prática profissional da Psicologia, as bases teóricas, reformulações contemporâneas e inserção do psicólogo em diversos contextos como a saúde, jurídico, instituições, organizações que objetivam a promoção do bem-estar e o desenvolvimento social cabe à psicologia social comunitária criar instrumentos que sirvam para analisar e intervir de forma relevante nas problemáticas emergentes que se apresentam aos profissionais da área. Os trabalhos realizados em comunidades iniciam-se pelo levantamento das necessidades e vulnerabilidades dos grupos sociais nas questões de saúde, saneamento básico e educação. Para tanto, a Psicologia comunitária faz uso de métodos e conscientização de papéis sociais objetivando empoderamento por meio do conhecimento da condição histórica, de determinantes políticos e sociais dos indivíduos que lhes impõe as condições atuais de vidas. Desta forma coloca-os como donos de sua história – ativos - para buscar soluções para seus problemas. “A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade, marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária.” (CAMPOS, 2010, p. 10). 

Pode-se afirmar que a Psicologia Social Comunitária possui as seguintes perspectivas: 1) “[...] problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento [...]”; 2) “[...] metodologia da pesquisa participante [...]”; 3) “[...] ética da solidariedade, os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da população focalizada [...]”., ou seja, ela assume problemáticas numa intersecção da praxis, cuja produção teórica deve caminhar concomitantemente a aplicação prática, ou seja, indivíduos interagem na investigação e produzem conhecimento. Essa praxis ocorre numa atuação participante, onde a presença do observador se faz necessário para a produção do conhecimento, cujo processo aparece na totalidade e no modo como o pesquisador experiência. O olhar é panorâmico, mais abrangente na descrição do processo total e a construção deste conhecimento tem relação com esta totalidade, sendo diferido pela qualidade, já que o próprio pesquisador, como instrumento humano, observa e atua provocando reação a sua presença interferindo no processo. Assim ele observa, interpreta e modifica o campo de seu trabalho. Finalmente, a práxis procura estabelecer o indivíduo como um ser em condições de exercer a cidadania, a democracia e a igualdade, bem como questionar as formas de domínio e opressão numa autogestão de cooperação (GÜNTHER, 2006; CAMPOS, 2010, p. 10-11).

Dentro da psicologia social comunitária existem atividades próprias a serem executadas, cuja realização se dá com a participação cooperativa de outros profissionais – equipes multidisciplinares. Estas equipes organizam atividades abalizadas na demanda social e nas possíveis ações de intervenção. Para tanto, elencam-se as principais estratégias de ação: 1) reuniões com moradores locais – levantamento de necessidades e soluções; 2) formação de grupos de autogestão e recursos humanos locais; 3) proposição de atividades específicas; 4) fortalecimento do vínculo com os programas ofertados e suas proposições; 5) a procura ativa da comunidade local por elencar prioridades de atuação (BOMFIM, 1994 apud CAMPOS, 2010). 

O psicólogo nesta perspectiva atua como um “analista facilitador”, pois ele está para promover iniciativas que priorizem a resolução de problemas. Para tanto, ele precisa estudar os constructos que ajudam na análise da construção social dos indivíduos, enquanto resultado da cultura e promotor de novas culturas, bem como estudo das metodologias que produzirão desenvolvimento da consciência (CAMPOS, 2010). 

REFERÊNCIAS 


FIGUEIREDO, L. C. Convergências e divergências: a questão das correntes de pensamento em psicologia Transinformação, 4 (1-2-3): 15-26, jan/dez, 1992. 

BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. 

FERREIRA, M. C.. A Psicologia Social Contemporânea: Principais Tendências e Perspectivas Nacionais e Internacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, Vol. 26, n. especial, p. 51-64, 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a05v26ns.pdf>. Acesso mai. 2019. 

CAMPOS, R. H. F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. 16ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010. 

GÜNTHER, H. Pesquisa Qualitativa Versus Pesquisa Quantitativa: Esta É a Questão?. Psicologia: Teoria e Pesquisa. , v. 22, nº 02, Mai-Ago, p. 201-210, 2006.

EMOÇÃO, TEORIAS E SEUS COMPONENTES



INTRODUÇÃO 
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

No estudo das emoções algumas teorias surgiram ao longo do tempo. Citaremos três mais importantes: teorias de James-Lange, Cannon-Bard e a dos dois fatores A teoria de James-Lange é conhecida como teoria de James-Lange, porque essa mesma teoria era defendida por Carl Lange. Segundo essa teoria (1884) o indivíduo percebe um estímulo (S) ameaçador e tem como reação (R) sintomas fisiológicos desprazerosos, como o medo. Seu slogan poderia ser: “a emoção é a sensação”. Uma pessoa sente medo porque o seu corpo respondeu com determinadas reações fisiológicas a uma situação. Perante uma situação de emergência, primeiro o homem reage e foge e é por fugir que sente medo. Estamos emocionados porque o nosso corpo se emociona (MYERS, 2012, LOPES, 2011, ).

James e Lange propunham-se a estudar as emoções-padrão que tinham expressão corporal determinada e óbvia: surpresa, curiosidade, êxtase, medo, raiva, luxúria, cobiça etc. Essas emoções recebiam uma classificação entre os processos sensoriais do cérebro a partir da percepção de objetos externos. James defendeu que as mudanças corporais poderiam ser percebidas antes mesmo de serem produzidas. Eles postulam que não choramos porque estamos tristes, mas ficamos tristes porque choramos. Para os teóricos nenhum conteúdo cognitivo poderia gerar isoladamente uma emoção. Para eles todas as percepções cognitivas, ou seja, da consciência eram de origem periférica. Uma ilustração dada por essa teoria é a do feedback facial que nada mais é do que imitar a expressão facial das emoções livremente. Essa por sua vez desencadeará as reações fisiológicas e de humor correspondentes. As emoções consistem da percepção das alterações fisiológicas desencadeadas pelo estímulo emocional. A resposta emocional (comportamental e autonômica) precede a experiência emocional. O sentimento é a última instância (MYERS, 2012).

Walter Cannon em 1927 propôs uma teoria alternativa, baseando-se nas investigações de Philip Bard. Na teoria Cannon-Bard, o estímulo (S) ameaçador produz em primeiro lugar um sentimento de medo, causando posteriormente no indivíduo, uma reação (R) física (tremores, sudorese, dilatação da pupila e etc.). O sentimento ocorre simultaneamente à resposta corporal. De acordo com essa teoria, as emoções têm origem no cérebro, ocorrem ao mesmo tempo em que as reações fisiológicas, mas não são causadas por estas. Segundo essa Teoria, os estímulos emocionais têm dois efeitos excitatórios independentes: Provocam o sentimento da emoção no cérebro bem como a expressão da emoção no sistema nervoso autônomo e somático. Tanto a emoção como a reação a um estímulo seriam simultâneos. Assim, numa situação de perigo, o indivíduo perante um estímulo ameaçador sente primeiro medo e depois tem a reação física, foge (MYERS, 2012). 

A experiência emocional resulta da ativação de circuitos no SNC. Em resumo, quando o indivíduo se encontra diante de um acontecimento que, de alguma forma, a afeta, o impulso nervoso atinge inicialmente o tálamo e aí, a mensagem se divide. Uma parte vai para o córtex cerebral, onde originam experiências subjetivas de medo, raiva, tristeza, alegria, etc. A outra se dirige para o hipotálamo, o qual determina as alterações neurovegetativas periféricas (sintomas). Ou seja, por esta teoria, as reações fisiológicas e a experiência emocional são simultâneas. O erro essencial da teoria Cannon-Bard foi considerar a existência de um "centro" inicial (o tálamo) para a emoção (MYERS, 2012). 

A teoria dos dois fatores proposta por Schachter e Singer, propõe que tanto a mente cognitiva quanto o corpo fisiológico criam as emoções. As emoções possuem dois componentes: 1) excitação física e 2) rótulo cognitivo. Quando se tem consciência da resposta corporal à emoção consequentemente ela aumenta. Emoções são fisiologicamente semelhantes. Consideram que o córtex cerebral interpreta as mudanças fisiológicas de acordo com as informações referentes à situação a fim de determinar quais emoções estamos sentindo. os processos cognitivos, como as percepções, recordações e aprendizagens, são fundamentais para se perceberem as emoções. Uma situação provoca uma reação fisiológica e procuramos identificar a razão (compreender) dessa excitação fisiológica de modo a nomear a emoção que lhe corresponde (MYERS, 2012).

Os componentes de uma emoção, portanto são a apresentação de respostas dadas por todo e qualquer organismo as interações existentes entre a excitação corpórea, expressões de comportamento e consciência da experiência vivida. Logo, pode-se afirmar que as emoções são tanto psicológicas como fisiológicas, sendo que boa parte das emoções estão sobre o controle das funções do SNA (sistema nervoso autônomo) – simpática e parassimpática – excitação e relaxamento de expressão fisiológica. Quando a excitação é moderada há mais controle da emoção. Embora as emoções sejam igualmente excitantes elas se diferem pela expressão física da emoção e estas diferenças estão em áreas corticais do cérebro que utilizam caminhos e hormônios distintos a depender da emoção experenciada. Lazarus afirma que o uso do pensamento é essencial porque o que sentimos depende de como interpretamos ou inferimos as emoções, no entanto Jazonc e LeDoux algumas expressões da emoção são instantâneas e fora da consciência e do processo cognitivo. Logo emoção e pensamento caminham em duas vias: a consciente e a adaptativa (MYERS, 2012). 

As expressões da emoção ocorrem de forma não verbal, no silêncio fisiológico, podendo ser percebidas mesmo quando não há a expressão da palavra ou do corpo. Leituras de emoções podem ser feitas através de gestos culturais: expressões da face são comuns em todas as culturas evidenciando sentimentos como: alegria, medo, raiva, etc., porém as culturas diferem na quantidade de expressão emocional. Estas expressões transmitem nossos sentimentos aos outros, bem como ampliam a emoção dando sinais ao corpo do outro para que correspondam as emissões dadas pela emoção. Já as diversas formas de experenciar a emoção nos informam como uma mesma emoção possui benefícios e malefícios a depender de sua aparição. O medo, por exemplo, tem valor adaptativo (MYERS, 2012).

Tanto pode nos proteger como nos paralisar. O medo é bom quando na dose certa nos impulsiona a enfrentar ameaças e detectá-las para defesa, mas em excesso torna-se fobia paralisante que ocasiona prejuízo. O medo é aprendido por imitação – condicionamento e observação - ou por experiência. A raiva, outro sentimento característico da expressão humana pode ser impulso bom ou prejudicial à saúde física. Na cultura ocidental orienta-se a catarse que é a expressão livre da raiva para melhora, porém sabe-se que os resultados são piores, tornando as pessoas adeptas desta orientação mais agressivas e intolerantes. Sendo, portanto o caminho da tolerância e perdão mais benéficos para a saúde física humana. Em relação a felicidade pode-se afirmar que pessoas animadas curam, pois sentem a necessidade de ajudar os outros. Emoções vividas em relação ao humor tendem a diminuir durante o dia conforme os acontecimentos negativos surgem e vice-versa, no entanto quando a positividade ganha permanência há a tendência para adaptação e exigência de novas possibilidades positivas para experimentar nova euforia. Portanto, a felicidade é relativa e a presença de fatores positivos nem sempre a mantém, pois dependem de outros fatores relacionados à interioridade subjetiva (MYERS, 2012).

O estresse é um fator preocupante em relação ao bem estar físico e psicológico dos seres humanos. Para Cannon o estresse é um processo que decorre de situações que nos desafiam e ameaçam, cuja resposta dada é a luta ou a fuga. Hans e Salie vão definir o estresse como uma síndrome de adaptação geral (SAG), cuja divisão se dá em três fases: 1) alarme, 2) resistência e 3) exaustão. Primeiramente diante da situação ameaçadora o indivíduo reage fisicamente através do SNA. Há aumento cardíaco, respiratório, sudorese, diminuição do trabalho digestório, aumento das pupilas, diminuição salivar. Consequentemente há estabilização e diminuição dos sintomas para resistência a ameaça. Finalmente o indivíduo chega a exaustão quando não há a resolução da situação gerando queda do sistema imunológico, podendo ser fatal. Vários são os eventos ou situações que desencadeiam um processo estressor, entre eles, catástrofes, como acidentes inesperados, perdas significativas de entes queridos ou situações cotidianas relacionais.(MYERS, 2012).

Segundo estudos, pessoas com tendências a personalidades intensas e competitivas tem maior probabilidade de sofrerem com problemas de coração pelo entupimento de artérias o que não ocorre com pessoas mais tranquilas e calmas. Outros fatores como depressão e estresse estão associados a problemas cardíacos e inflamações que persistem. O estresse, portanto, desvia a energia do sistema imunológico inibindo a atividade de linfócitos do tipo B e T – macrófagos e células que naturalmente exterminam ameaças ao organismo, deixando-nos mais vulneráveis às enfermidades. Não há nenhuma relação entre estresse como causa do HIV ou do câncer, no entanto há relações de melhora quando o indivíduo com estas enfermidades está fora do alcance de atividades estressoras. (MYERS, 2012).

Alguns requisitos são importantes no combate dos eventos estressores: estar controlado diante das situações vividas nem sempre positivas, possuir uma visão mais otimista da vida e das pessoas, possuir um campo relacional produtivo que nos forneça ajuda e suporte social. Logo, possuir estratégias de enfrentamento das situações estressoras aliviam o estresse, e possuir estratégias de enfrentamento com foco na emoção nos ajudam a experimentar alívio emocional. Logo pessoas otimistas enfrentam melhor a vida possuindo maior resiliência. Juntamente com estratégias de enfrentamento algumas táticas são importantes e ajudam a combater o estresse, como atividades aeróbicas, meditação, relaxamento e religiosidade (MYERS, 2012). 


REFERÊNCIAS 


LOPES, R. B. As emoções. Disponível em: https://psicologado.com/psicologia-geral/introducao/asemocoes. Acesso em 21 mai. 2019. 

MYERS, D. Psicologia. Rio de Janeiro: LTC, 2012, cap. 12. 

TOASSA, Gisele. Vigotski contra James-Lange: crítica para uma teoria histórico-cultural das emoções. Psicologia USP, v. 23, nº 01, p. 91-110, jan./mar., 2012.

INTERTEXTOS: PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA - PIAGET

INTRODUÇÃO
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A Psicologia Cognitiva Contemporânea postula que o conhecimento não é algo inato, ou supostamente dado a priori, mas é uma construção que se dá em ambientes naturais onde a interação social é prevalente, logo esta abordagem acredita que o conhecimento é estruturado na interação com a cultura. Nesta forma de pensar o comportamento humano é explicado como o resultado da interação entre o indivíduo e o objeto. Neste processo interacional as estruturas cognitivas se constroem e reconstroem à medida que as interações no ambiente relacional mudam. Os pensadores mais importantes desta concepção psicológica são Piaget e Vygotsky (ARGENTO, 2008).

Para Vygotsky, influenciado pelo pensamento marxista, existem determinantes socioculturais que influenciam a forma como os comportamentos se estabelecem estruturalmente, pois para ele o conhecimento é o resultado social já que os indivíduos são seres potencialmente sociais. O pensador acredita que os processos psicológicos superiores, como pensamento, comunicação, raciocínio lógico, signos, etc. não são internalizados sem antes serem adquiridos no contexto social (ARGENTO, 2008).

Para Piaget, biólogo, interessado em como o conhecimento humano se desenvolve, inexiste qualquer categoria de algum conhecimento que venha antes da interação com o meio, ideia que se contrapõe a Kant. Seu contato com as obras de Kant, Husserl, e Bergson, o posicionou dentro do estruturalismo e a presença da criticidade neste contato o levou a investigação epistemológica em interlocução com as ciências biológicas resultando na Epistemologia Genética ou Teoria Psicogenética que compreende o ser humano como um ser biológico em desenvolvimento, que constrói o conhecimento desde o nascimento até a fase adulta, dando ao professor ou a aquele que participa do ensino um papel de espectador deste desenvolvimento cognitivo e que pode favorecer ou não os processos biológicos deste descobrimento que é autônomo e não heterônimo de conceitos, ou seja, para ele o indivíduo é o agente sendo o interventor ativo de sua assimilação do conhecimento (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

As compreensões de tempo, espaço e lógica ocorrem pelas trocas que evocam diálogo com o meio. A interação sujeito-objeto depende de fatores internos que são modificados a cada etapa. Em sua Psicologia de base biológica a ênfase está no desenvolvimento aonde as bases naturais são as da ciência natural, no paradigma do desenvolvimento natural evolucionista de Charles Darwin.  Fruto do Empirismo tradicional compreende as estruturas endógenas da inteligência. Em Piaget o crescimento humano é assemelhado ao orgânico, o corpo está em evolução em busca de estabilização (equilíbrio) e assim que o crescimento se conclui, há maturidade dos órgãos levando-o ao equilíbrio normal de espírito adulto. Logo se pode afirmar que sua teoria é de base naturalizante (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

A teoria epistemológica de Piaget é a mais conhecida no que se refere à formação da inteligência, sendo assim uma concepção construtivista, pois o construtivismo entende que as características cognocentes, sociais e afetivas do ser humano apresentadas no comportamento não são apenas o resultado do ambiente em si e das disposições internas individuais, porém é uma construção particular resultante da interação existente entre o meio e as disposições internas. Portanto, o conhecer não é uma aparente cópia do real, mas é uma construção que o ser humano faz. É uma visão mais ampla e completa do que seja desenvolvimento cognitivo já que investe no desenvolvimento cognitivo desde o momento do nascer até a vida adulta, bem como o desenvolvimento moral, social, lógico-matemático, entre outros (ARGENTO, 2008).

O Interacionismo é uma teoria psicológica que apresenta a representação do real ou da realidade em esquemas organizados cujos elementos efetuam relações entre si. O indivíduo durante a existência constrói modelos desse real cada vez mais elaborado e complexo. Modelos que possuem estabilidade no tempo, mas que estão constantemente em mudança porque são submetidos a ela o que consequentemente leva a uma modificação dos mesmos.  Portanto, para esta teoria inexiste estrutura sem gênese e gênese sem estrutura, já que o individuo só poderá receber um determinado conhecimento se ele estiver preparado estruturalmente para recebê-lo, se puder interagir sobre o objeto que lhe dará o conhecimento, para então poder relacioná-lo em seu sistema estrutural da informação. Pode-se afirmar que a estrutura maturacional individual sofre um processo que é genético e a gênese vai depender dessa estrutura amadurecida. Em outras palavras o indivíduo só aprende quando está com sua estrutura amadurecida (ARGENTO, 2008). 

Para Piaget na construção da inteligência existem sistemas em progressão na individualidade humana e que são diferentes na ordem cronológica, pois caracterizam etapas definidas que irão repetir-se em todos os indivíduos. Ele estabelece estágios que se sucedem numa ordem crescente com complexos crescentes que desencadeiam um ao outro. Estabelece o construtivismo sequencial cujo estágio ou nível é o resultado de um anterior, ou seja, Piaget separa este processo com duas palavras: aprendizagem e desenvolvimento. A primeira refere-se à apropriação de uma resposta pessoal adquirida pela experiência individual sistematizada ou não. A segunda refere-se a uma aprendizagem real, verdadeira sendo responsável pela formação real do conhecimento. Desta forma ele propõe quatro estágios fixos chamados por ele de fases de transição: Sensório-motor (0 – 2 anos); Pré-operatório (2 – 7 anos); Operatório-concreto (7 – 12 anos); Operatório Lógico-Formal (12 – 16 anos) (ARGENTO, 2008).

Estágio sensório-motor - (do nascimento aos 2 anos) – etapa base caracterizada pela manipulação objetal - a criança desenvolve um conjunto de esquemas de ações sobre os objetos, que lhe permite construir um conhecimento físico da realidade. Semiótica: começa nesta fase pela manipulação imitativa do objeto para a interioridade como imagem mental.  A percepção e a ação são trabalhos que a inteligência faz. Utiliza-se da “ecolalia”, uma palavra significa dizer uma frase. Mundo social reduzido a si mesmo caracterizado por isolamento e indiferenciação. Nesta etapa desenvolve o conceito de permanência dos objetos, constrói esquemas sensório motores, é capaz de fazer imitações construindo representações mentais cada vez mais complexas em que o contato com o mundo é através da figura materna e seu pensamento é sincrético (ARGENTO, 2008).

Estágio pré-operatório - (dos 2 aos 7 anos) – Etapa intuitiva – surge a função da semiótica, como a linguagem, desenho, imitação e dramatização, a criança inicia a construção da relação causa e efeito, bem como das simbolizações. É a chamada idade dos porquês e do faz-de-conta onde com a estruturação do egocentrismo na formação de pequenos grupos ocorre a crise da oposição, da consciência e da hipertrofia do ego. Os interesses são imaginativos e as tentativas de controle das pautas emocionais são uma característica marcante. A criança forma imagens mentais e as transforma em objetos de seu prazer, os diálogos são monólogos embora estejam na coletividade, pois não ouvem o que o outro diz falando todos ao mesmo tempo. Suas frases não se relacionam a fala do outro, embora adeque a sua resposta a palavra dos pares. Embora no coletivo vivem isoladamente, sem liderança e permanência de pares (ARGENTO, 2008). 

Estágio operatório-concreto - (dos 7 aos 11/12 anos) - a criança começa a construir conceitos através de estruturas lógicas, consolida a conservação de quantidade e constrói o conceito de número. Há capacidade de retornar ao anterior – reversibilidade – deixando de ser unidirecional. Capacidade de conservação ou invariância para organizar novas estruturas observadas no lógico-matemática, física e noção espacial. Seu pensamento apesar de lógico, ainda está preso aos conceitos concretos não fazendo ainda abstrações e quanto à questão de dominância apresenta o conhecimento dos fatos participando socialmente do grupo escolar e infantil e descobrindo o que chamamos de estabilidade emocional onde a descoberta do superego influencia na estabilidade emocional. A organização social é a de “bando”, lideram e admitem liderança, compreendem regras e estabelecem compromisso. A linguagem é socializada, discutem maneiras diferentes de ver as coisas e chegam a conclusões.   (ARGENTO, 2008).

Estágio operatório-formal - (dos 12 aos 16 anos) - fase em que o adolescente constrói o pensamento abstrato e conceitual, conseguindo ter em conta as hipóteses possíveis, os diferentes pontos de vista e sendo capaz de pensar cientificamente – raciocínio hipotético dedutivo ou lógico-matemático. Apto para operações probabilísticas, está livre da exigência do concreto. Apesar da possível pseudo-regressão emocional, a necessidade da turma e da equipe para afirmação e interação social é uma constante diante da crise de originalidade, afirmação e consciência do Eu profundo na busca da personalidade adulta. Há dialética, a linguagem evolui para a discussão objetivando chegar a uma conclusão. A objetivação de valores e de ideias remete a volta da subjetividade e turbulência pubertária onde a valorização expressiva é emocional. As relações evoluem para a presença de cooperação e reciprocidade. Transformam o pensamento outrora no campo simbólico e intuitivo para operatório, ou seja, atingem o auge das estruturas cognitivas, cuja representação permite abstração total e aptidão para resolução de qualquer classe de problema (ARGENTO, 2008).

Pela concepção piagetiana, observa-se que para passar de um estágio a outro, é preciso consolidar e superar o estágio anterior. É preciso ressaltar que os estágios agem como mecanismos denominados “equilibração das estruturas mentais”, ou seja, a transformação do conhecimento forma a base da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo da criança. A construção do conhecimento é indefinida e não há conhecimento absoluto, por esta razão é necessário que haja compreensão dos motivos e das estratégias necessárias ao desenvolvimento voltando à gênese, ou seja, absorvendo o máximo possível de todas as fases da evolução humana.  A compreensão de conceitos como organização, adaptação, assimilação, acomodação e esquema são necessários para compreender em Piaget como o processo de conhecimento ocorre. A organização inicial é a base para a adaptação que é expressa em esquema e que não ocorre sem a assimilação e a acomodação. O esquema é o ponto de partida que orienta a atividade do indivíduo sobre o objeto do conhecimento. O indivíduo interioriza a ação através do pensamento que se organiza em esquemas que se constituem pela adaptação, ou seja, adaptação e organização são processos que não se separam (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

A adaptação é contínua e dinâmica numa relação biológica versus externalidade reconstituindo-se sempre, sendo essencial para o funcionamento orgânico e cognitivo. Ela promove um equilíbrio constante entre a assimilação e a acomodação que são intrínsecos a adaptação sem o qual a equilibração não ocorre. Tanto o indivíduo provoca mudança no ambiente externo como o ambiente externo provoca mudanças internas (cognitivas ou intelectuais). A assimilação é um processo ou integração de novas perspectivas da percepção, do conceito, e da motricidade às estruturas cognitivas pré-existentes.  O indivíduo está em contato direto com novas possibilidades que são assimiladas e acomodadas em sua estrutura cognitiva prévia não a destruindo, mas acomodando as novas informações nestes esquemas anteriores (ARGENTO, 2008).

Quando a informação é conflitante com a antiga o indivíduo acomoda o novo dado em um novo esquema ou estrutura, ou seja, cria ou modifica esquemas para acomodar a nova informação. Há, portanto a modificação da estrutura cognitiva. Não pode haver assimilação sem acomodação e vice-versa. Equilibrações e auto-regulações individuais estão constantemente operando nas estruturas cognitivas e formando esquemas. O meio externo não provoca um registro simples de impressões ou cópias, mas provoca ajustes ativos na interioridade cognitiva ou intelectual (ARGENTO, 2008).

O esquema é um exemplo inicial pelo qual o organismo incorpora o meio externo, sendo o ponto de partida das interações sujeito-objeto. Um novo esquema reinicia novas interações entre os indivíduos e o meio. Esquemas são estruturas mentais, cognitivas, padrões de comportamento e pensamento através dos quais os indivíduos se adaptam e organizam o meio. Eles emergem de integrações primitivas, cuja unidade é mais simples e evoluem para unidades mais organizadas, amplas e complexas.  Esquemas não são objetos reais, não são observáveis, não são fixos, são conjuntos de processos que ocorrem dentro do sistema nervoso, são inferidos, são constructos hipotéticos em constante mudança que se tornam cada vez mais requintados e gerais. Essencial na construção de esquemas é a ação do indivíduo sobre o objeto do conhecimento que pode ser exemplificada de duas maneiras: experiência orgânica/física ou lógico-matemática (ARGENTO, 2008).

A inteligência é vista por Piaget como uma forma mecânica pelo qual o organismo se adapta a novas situações construindo continuamente novas estruturas fornecendo instrumentos para a compreensão da realidade e interação espontânea com ela culminando nas representações intuitivas e nos modelos. A inteligência humana pode ser exercitada e quanto mais esse exercício ocorre mais potencialidades vão se aprimorando de um nível elementar para um nível mais aonde é possível às trocas simbólicas. O conhecimento vai se constituindo sendo o resultado das construções individuais reguladas por mecanismos internos – equilibração - relacionados à maturação e a experiência individual, cuja função é auto-regular o indivíduo compensando as perturbações exteriores a ele que acabam por romper o seu equilíbrio interno. O produto de cada reequilibração é um novo estado com qualidades diferentes do anterior – equilibração sucessiva (ARGENTO, 2008).

Quatro são os fatores que influenciam o desenvolvimento humano: maturação, experiência, transmissão social e processo de equilibração. A maturação é a base biológica do indivíduo cujo amadurecimento ocorre na interação com o meio. A experiência é o contato do organismo com o mundo real e a interação sujeito-objeto. A transmissão social é a apropriação das experiências histórico-culturais e depende da estrutura cognitiva responsável por realizar interações elementares que estão associadas às relações existentes entre os elementos. Processo de equilibração essencial à adaptação que coordena e regula a maturação, a experiência e a transmissão social evocando estados de equilíbrio sempre em progressão. O desenvolvimento, portanto está em equilibração progressiva, ou seja, está continuamente passando de um estado menor de equilíbrio para um estado maior, sendo a estruturação da mente o produto desta equilibração (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Piaget entende o ser humano como um indivíduo biológico, cujos instintos e necessidades adaptam-se ao meio. Ele está cercado pelo meio social que está atrelado ao meio ambiente. Ambos produzem o homem, bem como são produzidos pelo homem. Agindo sobre o meio, o homem produz cultura e através das gerações produz o homem. Neste esforço ativo para restabelecer o equilíbrio o homem é afetado, sendo a afetividade o que impulsiona a ação que está diretamente ligada ao processo mental. A estratégia usada nessa ação é a inteligência, sendo que ela é aprendida, já que é a própria adaptação. Portanto, as leis da organização social são similares as dos animais, ou seja, são comuns a todos os organismos no processo de adaptação (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Dois são os postulados de Piaget em relação à importância da equilibração: 1) Os esquemas de assimilação alimentam-se da exterioridade incorporando elementos externos compatíveis com o fenômeno de seu mundo físico. 2) Os esquemas de assimilação se obrigam a acomodarem-se aos novos elementos assimilados, bem como a modificarem-se de acordo com aquilo que lhes é particular, não perdendo, no entanto, a consecutividade nem as assimilações ocorridas anteriormente (ARGENTO, 2008).

Existem três tipos de equilibração: 1) sujeito-objeto: a acomodação e a assimilação são equilibradas pelas interações objetais. Esse conceito inicia a conservação mútua: o objeto é necessário à ação e a assimilação dá significado ao objeto da ação e o transforma. 2) subsistema-subsistema: com velocidades distintas e defasagens no tempo surgem os desequilíbrios que precisam ser dominados. 3) subsistema-totalidade: há a hierarquização dos objetos conceituais que não ocorre nas anteriores. O todo integrado tem como exigência a acomodação e para tanto necessita de conservação mútua do todo e das partes (ARGENTO, 2008).

O estado de equilíbrio, portanto faz referencia a um sistema que equilibra as relações sujeito-objeto. O desequilíbrio desencadeia e ativa um esquema. Quando o conflito não é resolvido instaura-se a perturbação. Existem dois grupos de perturbação: 1) em oposição à acomodação: insucesso, erro e devolutiva negativa, “correção supressiva”, afasta impedimentos, modifica esquemas, elimina e substitui um movimento por outro, diminuindo sua força e extensão. 2) lacunas: insatisfação do sistema, esquema mal alimentado, porém nem sempre uma lacuna será uma perturbação. Ela ocorrerá quando acontecer ausência de um objeto ou insuficiência de condições para que uma ação seja realizada. Ocorre uma devolutiva positiva, como reforço em que não há negativa (ARGENTO, 2008).

A regulação é a forma como o organismo reage a uma perturbação. Existem dois processos que percorrem sentidos opostos: 1) retroativo: leva ao início o produto de uma ação, 2) proativo: corrige ou reforça. As compensações – ações individuais – são contrárias a certos efeitos e tentam neutralizá-lo e anulá-lo. São compensações a devolutiva ou feedback negativos e positivos, a inversão e a reciprocidade. Na inversão a perturbação é negada e ignorada, na reciprocidade há divisão do esquema perturbador em dois subesquemas diferenciados e um deles trata a perturbação (ARGENTO, 2008).

Existe uma relação sem subterfúgios entre o desenvolvimento e a aprendizagem, pois para que haja apreensão de conceitos como operações, fatos, ações, leis físicas e matemáticas faz-se necessário um nível cognitivo adequado, ou seja, sem que o indivíduo tenha posse de capacitação intelectual, estas atividades cognitivas não serão executadas. O grau de desenvolvimento é determinante para aquisição de novos saberes que só são possíveis em etapa evolutiva adequada. Uma etapa dá base para outra não sendo possível evoluir para outra se a anterior não estiver em equilibração (ARGENTO, 2008).

Aos educadores Piaget suporta uma didática particular em relação ao desenvolvimento da inteligência. O conhecimento das possibilidades apresentadas por ele em sua teoria capacita professores a oferecem os estímulos necessários para que os alunos desenvolvam sua cognição. Ele entende que o papel tradicional do mestre evocado e mantido pela educação tradicional em teorias empiristas como o behaviorismo radical, precisa ser mudado. O professor é agora um facilitador, faz o meio de campo, e não detém o saber. Não está para a transmissão de conteúdos, mas ajudar o indivíduo autônomo a assumir o palco de seu aprendizado (ARGENTO, 2008).

A Teoria epistemológica de Piaget e o construtivismo não são uma metodologia pedagógica, pois reduzi-lo desta forma o tornaria apenas um conjunto de técnicas para aprimoramento. Piaget abre campo de estudo para a psicologia, pedagogia, sociologia e antropologia, já que o problema da episteme – conhecimento – está situado em nível interacional sujeito-objeto e sua fundamentação teórica são baseados em investigação científica (ARGENTO, 2008).

Em relação ao processo educativo Jean Piaget propõe uma abertura a interdisciplinaridade, às necessidades cotidianas individuais, ao ambiente escolar organizado e uma prática pedagógica estimuladora de atos livres dos discentes visando construir suas verdades. Ele prevê a inclusão de duas áreas do conhecimento ao currículo – programas: 1) Ciência Natural e 2) Psicologia (Filosofia/Epistemologia Geral). Ambas devem contar com o ato livre da pesquisa e experimentação tanto experimental, quanto psicolinguístico (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Para ele o método a ser utilizado é o ativo – aluno dirige seu desenvolvimento – e o máximo da experimentação deve ser desenvolvido, porque o educando precisa passar pela experiência ou a educação escolar não passara de adestramento. Existem dois tipos de relações sociais: 1) coação e 2) cooperação. Na coação há um “superior” que impõe o saber e na cooperação inexiste a hierarquia. Para o autor a coação atrapalha o desenvolvimento da criança e o desenvolvimento de sua autonomia sendo, a transmissão de saberes, uma coação (Professor autoritário) e a cooperação – relações entre pares – uma contribuição para a emancipação (Professor colaborador) (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Desta forma o papel do educador é animar, incentivar e criar situações que possibilitem descobertas levando a reflexão, estimulando a pesquisa e o esforço. Conhecer as particularidades do desenvolvimento psicológico e utilizar métodos ativos é imprescindível pra uma educação emancipadora. Piaget privilegia as habilidades, aptidões, vocações individuais e a pesquisa espontânea. Para ele a verdade deve ser reinventada e reconstruída pelo aluno. “[...] cada nova geração é convocada a reaprender o que os outros já tinham descoberto por conta própria” (PIAGET, 1998, p. 66 apud TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Uma das ferramentas mais importantes para que um ambiente seja construtivista é um professor apropriado das lógicas da construção do conhecimento apresentados por Piaget, ou seja, ter consciência da forte relação interacional existente entre sujeito-objeto e a construção do conhecimento. Alguns pressupostos são necessários para que um ambiente seja considerado construtivista: a) ambiente deve proporcionar ou obrigar interação sujeito-objeto, integralização do objeto de estudo a realidade do aprendiz, como estímulo para a construção de novos constructos, apropriação de novos saberes e adaptação destes a estrutura cognitiva pré-existente, b) quebra de paradigmas: o professor não repassa a informação, mas proporciona a busca do aprendiz na construção do seu próprio conhecimento. O professor assume o papel de educador-educando. O erro antes visto como motivo de punição, agora é uma fonte de aprendizagem, já que através dele o aprendiz questiona e reflete a consequência da ação e modifica o conceito (ARGENTO, 2008).

Uma sala de aula construtivista deve proporcionar confronto com os problemas existentes em sua realidade, já que estes são cheios de significados. Quando enfrentam seus problemas o aprendiz pode ampliar as possibilidades resolutivas, inventar soluções, colaborar com seus pares, iniciar tentativas e hipóteses, reavaliar seus conceitos e consequentemente apresentar o que de melhor conseguiram sintetizar. Desta forma escapam da tradição que entende o conhecimento como uma mera representação da realidade, separado e independente de quem o possui. Na concepção construtivista há a valorização do diálogo, da pesquisa, dos jogos, com ênfase na colaboratividade entre os pares, na busca do consenso, e no enfoque de convicções, processos de pensamento e concepções dos saberes. A avaliação torna-se uma maneira de ajudar a aprendizagem do aluno e a compreensão do professor em relação ao momento cognitivo do aprendiz. Ela não está para elevar a estima de alguns e rebaixar a de outros como na perspectiva tradicional classificatória: regular, bom, excelente (ARGENTO, 2008).

Um professor construtivista deve: dar apoio às iniciativas autônomas dos alunos; utilizar fontes primárias e objetos manipuláveis; fazer uso dos termos classificar, analisar, criar, predizer em tarefas estipuladas; participação autônoma na condução das aulas, instruções e conteúdos; verificar o que os alunos sabem antes de apresentar seus conceitos; estimular o diálogo; a resolução de problemas em interação com os pares; a tomada para si da responsabilidade; envolvê-los em experiências contraditórias as hipóteses prévias; estimular a discussão; proporcionar tempo para construção de relações, metáforas; manutenção da curiosidade, uso cotidiano dos modelos de ciclos (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Piaget critica a aquisição de conhecimentos acumulados na história, porque para ele o homem só se apropria do verdadeiro saber quando está em relação com outros indivíduos em sua prática social. É preciso estar imerso nesta história social e ser objeto dela. Por isto a mediação em contexto escolar é defendida por ele como essencial entre o indivíduo que se apropria do saber e o objeto com significado social posto a ser apropriado. Desta forma o professor possui este papel decisivo no processo de apropriação do conhecimento produzido historicamente e socialmente. Piaget expõe que tanto a História quanto os Estudos Literários merecem crítica, visto que podem não representar a verdade, sendo apenas relatos mentirosos impostos aos indivíduos sociais. Por essa razão defende a recriação de sua própria história, já que não há como recriar o passado descrito na história. Ele dá a história um caráter subjetivo e relativista a medida que propõe que conhecimento é construção. Subjetivista quando questiona o conhecimento em sua avalização: conhecimento evoluído ou involuído? E objetivista quando relativiza os pontos de vista. Ele defende que uma ideia só será verdadeira quando construída pelo próprio indivíduo e não recebida da externalidade por outrem como verdade (TREVISO; ALMEIDA, 2014).     

Embora o construtivismo seja uma teoria considerada “de esquerda”, progressista e com forte prestígio cientifico é fortemente criticada.  As críticas voltadas a esta teoria estão voltadas às questões práticas pedagógicas, afinal por ser uma teoria epistemológica não se propõe a métodos, não sendo formulada com esta intencionalidade encontrada nas teorias psicológicas e pedagógicas. Para Silva o construtivismo é conservador e despolitizado, e mesmo que fosse uma teoria meramente pedagógica é deficiente em relação às questões atuais como inclusão, globalização e teorias do currículo (ARGENTO, 2008).

Outras críticas estão no campo político e social, já que os estudos de Piaget estão baseados num modelo biologizante, abortam o desenvolvimento histórico e social. Essa negação da realidade objetiva relativiza a verdade colocando-a numa condição subjetiva – realidade do fetiche – próprio do capitalismo. Esta visão de subjetividade coloca o currículo numa condição empobrecida, sem referenciais, extirpando o conhecimento sistematizado, fruto do acúmulo de conhecimento histórico. A pedagogia do “aprender a aprender” volta-se a satisfação das necessidades exigidas pela sociedade sendo subterfúgio para manutenção da divisão de classes e do sistema de produção capitalista. A relação existente entre a educação e a sociedade permanece desta forma, idealizadas. Esta visão se choca com a visão de alguns críticos que defendem a apropriação universal de conquistas produzidas historicamente pela ação humana – cultura tanto material como intelectual – visto que através da apropriação delas o desenvolvimento ontogenético ocorre, sendo fruto das relações sociais (TREVISO; ALMEIDA, 2014).



REFERÊNCIAS

ARGENTO, H. Teoria construtivista. 2008. Disponível em: <http://www.robertexto.com/ archivo5/teoria_construtivista.htm/>. Acesso em: 10 mai. 2019.

TREVISO, V. C., ALMEIDA, J. L. V. O conhecimento em Jean Piaget e a educação escolar. Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro-SP, v. 01,  nº 01, 233-244 p., 2014.

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

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