quinta-feira, 6 de junho de 2019

PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

INTRODUÇÃO 
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A psicologia Social Comunitária faz uso dos conhecimentos tradicionais da Psicologia Social, no entanto objetivam formar intelectuais orgânicos que sejam capazes de fazer uma síntese do que a comunidade pensa e ao mesmo tempo dar diretrizes a processos que transformem o que já está cristalizado. A Psicologia Social inicia-se com duas modalidades: 1) Psicologia Social Psicológica: sentimentos, pensamentos, comportamentos são explicados por outros indivíduos reais ou imaginários (clássica) e 2) Psicologia Social Sociológica: Indivíduo adquire seus comportamentos nos grupos sociais de convivência (fenômenos emergentes dos grupos). A Psicologia Social Crítica é a vertente mais recente. Caracterizada por uma “postura crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual” contra a opressão e a exploração e a favor da mudança social. Fazem parte dela posturas teóricas como: Socioconstrucionismo, Psicologia Discursiva, Psicologia Marxista, o pós-modernismo e o feminismo, entre outros (CAMPOS, 2010; FERREIRA, 2010). 

Na América Latina, anos 70, a Psicologia Social foi influenciada pela Psicologia Social Psicológica americana, porém no final dos anos 70 os psicólogos sociais latinoamericanos começaram a questionar essa psicologia pela realidade latina marcada por desigualdades, miséria, e ditaduras militares. A ruptura deveria ser radical. Martin-Baró foi o pioneiro nessa Psicologia mais crítica, assim denominada Psicologia Social Crítica. Ele defendia uma psicologia que fosse comprometida com a realidade social da América Latina e entendia que os psicólogos sociais deveriam trabalhar para a construção de identidades pessoais, coletivas e históricas cuja finalidade seria romper com a alienação da classe popular que vivia oprimida e desumanizada. Maritza Montero foi outra autora latino-americana a defender a Psicologia Crítica questionando os modos de produção do conhecimento e a Psicologia que estava sendo praticada. Ela defendia uma transformação social, a importância da pesquisa para a sociedade, bem como a intervenção da psicologia nos problemas que causavam terror a população. Suas pesquisas estavam voltadas ao estudo de estereótipos, autoimagens, identidades sociais, nacionalismo, movimentos sociais, poder social, relações de gênero, violência doméstica, direitos reprodutivos da mulher, entre outros (FERREIRA, 2010). 

No Brasil, até os anos 70 a psicologia americana foi dominante, porém no final dos anos 70 psicólogos sociais brasileiros vão participar do movimento de ruptura com a mesma. Aroldo Rodrigues desde o início dos anos 70 passa a pesquisar e desenvolver uma profunda linha de pesquisa em Psicologia Social. Silvia Lane e outros pesquisadores seguiram a mesma linha e defenderam uma Psicologia Social Crítica com interesses nos “problemas sociais enfrentados pelo país, como, por exemplo, a violência doméstica, as crianças de rua, a pobreza, a desigualdade social e a exclusão educacional.” A ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) foi fundada em 1980 sendo desde então uma grande cooperadora na construção de embasamento teórico científico e também divulgadora do pensamento que entende o ser humano como produto histórico-social, ou seja, construído historicamente e socialmente (FERREIRA, 2010). 

A Psicologia Social Comunitária não deve ser confundida com Psicologia Social, embora tenha suas matrizes nela, sendo dela uma área, já que faz uso de teorias e métodos da psicologia para trabalhar em realidades sociais comunitárias cuja renda é baixa, priorizando uma deselitização da profissão, bem como aspirando melhorar as condições de vida da população que é a força operária da exploração do trabalho. Ela é, portanto, um espaço que se institui campo da práxis (teoria-prática em ação) em bairros carentes - favelas – associações locais, igrejas, movimentos populares, sendo estes locais as bases iniciais das experiências em Psicologia comunitária ou na comunidade na década de 60 (CAMPOS, 2010). 

No Brasil, especificamente a Psicologia Social Comunitária surge, durante os anos 70, como uma reação “[...] à opressão política e dominação econômica e ideológica que caracterizaram o período militar na região”. Houve preocupação com a promoção da autonomia nas comunidades carentes no oferecimento de conscientização e ações transformadoras priorizando os vínculos entre condições de vida e a psicologia. Lane define os principais conceitos teóricos da área e como a psicologia social comunitária se desenvolveu no Brasil. Sawaia explorou “[...] as origens do próprio conceito de comunidade na história do pensamento social” e analisou “[...] a evolução do conceito como contraponto ao avanço do senso individualista que caracteriza o capitalismo”. Freitas acompanhou “[...] a evolução do conceito de comunidade em psicologia a partir das representações e práticas dos psicólogos [...]” e observou: “[...] a principal fonte de definição da área da psicologia comunitária [...] vinculava-se a práticas comprometidas com a perspectiva de libertação sócio-política da população”. Nos anos 80-90 com a modificação do sistema de saúde pública há modificações importantes e agora a psicologia da comunidade investiga o indivíduo comunitário, enquanto unidade, construído sociohistoricamente (CAMPOS, 2010, p. 12-15). 

Guareschi procurou refletir “[...] sobre conceitos fundamentais da psicologia social comunitária, como os conceitos de relações sociais, relações de dominação e relações comunitárias [...]” desta forma ele demonstrou que relações democráticas estruturam-se na comunidade local. Nasciutt procurou “[...] esclarecer as relações entre instituições e comunidades, de um ponto de vista psicossocial [...]”, desta forma mostrou como fazer utilização de conceitos sobre análise institucional em saúde mental. Vasconcelos refletiu “[...] sobre a relação entre qualidade de vida e habitação [...]”, cujo foco era ocupação da cidade e como hábitos se constroem em comunidade, vínculos entre corpo e casa e impactos na qualidade de vida, incorporando-os como contribuição à psicologia social. Finalmente, Campos trabalhou “[...] as relações entre comunidade, cultura e consciência [...]”, desta forma buscou reflexão sobre a práxis – teoria da psicologia social em relação as prática da psicologia comunitária, principalmente no que se refere à conscientização dos processos alienantes do sistema capitalista (CAMPOS, 2010, p. 12-15). 

Com as mudanças relativas à prática profissional da Psicologia, as bases teóricas, reformulações contemporâneas e inserção do psicólogo em diversos contextos como a saúde, jurídico, instituições, organizações que objetivam a promoção do bem-estar e o desenvolvimento social cabe à psicologia social comunitária criar instrumentos que sirvam para analisar e intervir de forma relevante nas problemáticas emergentes que se apresentam aos profissionais da área. Os trabalhos realizados em comunidades iniciam-se pelo levantamento das necessidades e vulnerabilidades dos grupos sociais nas questões de saúde, saneamento básico e educação. Para tanto, a Psicologia comunitária faz uso de métodos e conscientização de papéis sociais objetivando empoderamento por meio do conhecimento da condição histórica, de determinantes políticos e sociais dos indivíduos que lhes impõe as condições atuais de vidas. Desta forma coloca-os como donos de sua história – ativos - para buscar soluções para seus problemas. “A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade, marca a produção teórica e prática da psicologia social comunitária.” (CAMPOS, 2010, p. 10). 

Pode-se afirmar que a Psicologia Social Comunitária possui as seguintes perspectivas: 1) “[...] problematização da relação entre produção teórica e aplicação do conhecimento [...]”; 2) “[...] metodologia da pesquisa participante [...]”; 3) “[...] ética da solidariedade, os direitos humanos fundamentais e a busca da melhoria da qualidade de vida da população focalizada [...]”., ou seja, ela assume problemáticas numa intersecção da praxis, cuja produção teórica deve caminhar concomitantemente a aplicação prática, ou seja, indivíduos interagem na investigação e produzem conhecimento. Essa praxis ocorre numa atuação participante, onde a presença do observador se faz necessário para a produção do conhecimento, cujo processo aparece na totalidade e no modo como o pesquisador experiência. O olhar é panorâmico, mais abrangente na descrição do processo total e a construção deste conhecimento tem relação com esta totalidade, sendo diferido pela qualidade, já que o próprio pesquisador, como instrumento humano, observa e atua provocando reação a sua presença interferindo no processo. Assim ele observa, interpreta e modifica o campo de seu trabalho. Finalmente, a práxis procura estabelecer o indivíduo como um ser em condições de exercer a cidadania, a democracia e a igualdade, bem como questionar as formas de domínio e opressão numa autogestão de cooperação (GÜNTHER, 2006; CAMPOS, 2010, p. 10-11).

Dentro da psicologia social comunitária existem atividades próprias a serem executadas, cuja realização se dá com a participação cooperativa de outros profissionais – equipes multidisciplinares. Estas equipes organizam atividades abalizadas na demanda social e nas possíveis ações de intervenção. Para tanto, elencam-se as principais estratégias de ação: 1) reuniões com moradores locais – levantamento de necessidades e soluções; 2) formação de grupos de autogestão e recursos humanos locais; 3) proposição de atividades específicas; 4) fortalecimento do vínculo com os programas ofertados e suas proposições; 5) a procura ativa da comunidade local por elencar prioridades de atuação (BOMFIM, 1994 apud CAMPOS, 2010). 

O psicólogo nesta perspectiva atua como um “analista facilitador”, pois ele está para promover iniciativas que priorizem a resolução de problemas. Para tanto, ele precisa estudar os constructos que ajudam na análise da construção social dos indivíduos, enquanto resultado da cultura e promotor de novas culturas, bem como estudo das metodologias que produzirão desenvolvimento da consciência (CAMPOS, 2010). 

REFERÊNCIAS 


FIGUEIREDO, L. C. Convergências e divergências: a questão das correntes de pensamento em psicologia Transinformação, 4 (1-2-3): 15-26, jan/dez, 1992. 

BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. 

FERREIRA, M. C.. A Psicologia Social Contemporânea: Principais Tendências e Perspectivas Nacionais e Internacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, Vol. 26, n. especial, p. 51-64, 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a05v26ns.pdf>. Acesso mai. 2019. 

CAMPOS, R. H. F. (Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. 16ª ed. Petrópolis: Vozes, 2010. 

GÜNTHER, H. Pesquisa Qualitativa Versus Pesquisa Quantitativa: Esta É a Questão?. Psicologia: Teoria e Pesquisa. , v. 22, nº 02, Mai-Ago, p. 201-210, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Das introspecções de o ovo e a galinha em Clarice Lispector.

Ilustração da obra Tacuinum Sanitatis Quem sou eu para desvendar tal mistério se nem mesmo Clarice desvendou, embora intuitivamente eu o sai...