quinta-feira, 6 de junho de 2019

INTERTEXTOS: PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA - PIAGET

INTRODUÇÃO
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A Psicologia Cognitiva Contemporânea postula que o conhecimento não é algo inato, ou supostamente dado a priori, mas é uma construção que se dá em ambientes naturais onde a interação social é prevalente, logo esta abordagem acredita que o conhecimento é estruturado na interação com a cultura. Nesta forma de pensar o comportamento humano é explicado como o resultado da interação entre o indivíduo e o objeto. Neste processo interacional as estruturas cognitivas se constroem e reconstroem à medida que as interações no ambiente relacional mudam. Os pensadores mais importantes desta concepção psicológica são Piaget e Vygotsky (ARGENTO, 2008).

Para Vygotsky, influenciado pelo pensamento marxista, existem determinantes socioculturais que influenciam a forma como os comportamentos se estabelecem estruturalmente, pois para ele o conhecimento é o resultado social já que os indivíduos são seres potencialmente sociais. O pensador acredita que os processos psicológicos superiores, como pensamento, comunicação, raciocínio lógico, signos, etc. não são internalizados sem antes serem adquiridos no contexto social (ARGENTO, 2008).

Para Piaget, biólogo, interessado em como o conhecimento humano se desenvolve, inexiste qualquer categoria de algum conhecimento que venha antes da interação com o meio, ideia que se contrapõe a Kant. Seu contato com as obras de Kant, Husserl, e Bergson, o posicionou dentro do estruturalismo e a presença da criticidade neste contato o levou a investigação epistemológica em interlocução com as ciências biológicas resultando na Epistemologia Genética ou Teoria Psicogenética que compreende o ser humano como um ser biológico em desenvolvimento, que constrói o conhecimento desde o nascimento até a fase adulta, dando ao professor ou a aquele que participa do ensino um papel de espectador deste desenvolvimento cognitivo e que pode favorecer ou não os processos biológicos deste descobrimento que é autônomo e não heterônimo de conceitos, ou seja, para ele o indivíduo é o agente sendo o interventor ativo de sua assimilação do conhecimento (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

As compreensões de tempo, espaço e lógica ocorrem pelas trocas que evocam diálogo com o meio. A interação sujeito-objeto depende de fatores internos que são modificados a cada etapa. Em sua Psicologia de base biológica a ênfase está no desenvolvimento aonde as bases naturais são as da ciência natural, no paradigma do desenvolvimento natural evolucionista de Charles Darwin.  Fruto do Empirismo tradicional compreende as estruturas endógenas da inteligência. Em Piaget o crescimento humano é assemelhado ao orgânico, o corpo está em evolução em busca de estabilização (equilíbrio) e assim que o crescimento se conclui, há maturidade dos órgãos levando-o ao equilíbrio normal de espírito adulto. Logo se pode afirmar que sua teoria é de base naturalizante (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

A teoria epistemológica de Piaget é a mais conhecida no que se refere à formação da inteligência, sendo assim uma concepção construtivista, pois o construtivismo entende que as características cognocentes, sociais e afetivas do ser humano apresentadas no comportamento não são apenas o resultado do ambiente em si e das disposições internas individuais, porém é uma construção particular resultante da interação existente entre o meio e as disposições internas. Portanto, o conhecer não é uma aparente cópia do real, mas é uma construção que o ser humano faz. É uma visão mais ampla e completa do que seja desenvolvimento cognitivo já que investe no desenvolvimento cognitivo desde o momento do nascer até a vida adulta, bem como o desenvolvimento moral, social, lógico-matemático, entre outros (ARGENTO, 2008).

O Interacionismo é uma teoria psicológica que apresenta a representação do real ou da realidade em esquemas organizados cujos elementos efetuam relações entre si. O indivíduo durante a existência constrói modelos desse real cada vez mais elaborado e complexo. Modelos que possuem estabilidade no tempo, mas que estão constantemente em mudança porque são submetidos a ela o que consequentemente leva a uma modificação dos mesmos.  Portanto, para esta teoria inexiste estrutura sem gênese e gênese sem estrutura, já que o individuo só poderá receber um determinado conhecimento se ele estiver preparado estruturalmente para recebê-lo, se puder interagir sobre o objeto que lhe dará o conhecimento, para então poder relacioná-lo em seu sistema estrutural da informação. Pode-se afirmar que a estrutura maturacional individual sofre um processo que é genético e a gênese vai depender dessa estrutura amadurecida. Em outras palavras o indivíduo só aprende quando está com sua estrutura amadurecida (ARGENTO, 2008). 

Para Piaget na construção da inteligência existem sistemas em progressão na individualidade humana e que são diferentes na ordem cronológica, pois caracterizam etapas definidas que irão repetir-se em todos os indivíduos. Ele estabelece estágios que se sucedem numa ordem crescente com complexos crescentes que desencadeiam um ao outro. Estabelece o construtivismo sequencial cujo estágio ou nível é o resultado de um anterior, ou seja, Piaget separa este processo com duas palavras: aprendizagem e desenvolvimento. A primeira refere-se à apropriação de uma resposta pessoal adquirida pela experiência individual sistematizada ou não. A segunda refere-se a uma aprendizagem real, verdadeira sendo responsável pela formação real do conhecimento. Desta forma ele propõe quatro estágios fixos chamados por ele de fases de transição: Sensório-motor (0 – 2 anos); Pré-operatório (2 – 7 anos); Operatório-concreto (7 – 12 anos); Operatório Lógico-Formal (12 – 16 anos) (ARGENTO, 2008).

Estágio sensório-motor - (do nascimento aos 2 anos) – etapa base caracterizada pela manipulação objetal - a criança desenvolve um conjunto de esquemas de ações sobre os objetos, que lhe permite construir um conhecimento físico da realidade. Semiótica: começa nesta fase pela manipulação imitativa do objeto para a interioridade como imagem mental.  A percepção e a ação são trabalhos que a inteligência faz. Utiliza-se da “ecolalia”, uma palavra significa dizer uma frase. Mundo social reduzido a si mesmo caracterizado por isolamento e indiferenciação. Nesta etapa desenvolve o conceito de permanência dos objetos, constrói esquemas sensório motores, é capaz de fazer imitações construindo representações mentais cada vez mais complexas em que o contato com o mundo é através da figura materna e seu pensamento é sincrético (ARGENTO, 2008).

Estágio pré-operatório - (dos 2 aos 7 anos) – Etapa intuitiva – surge a função da semiótica, como a linguagem, desenho, imitação e dramatização, a criança inicia a construção da relação causa e efeito, bem como das simbolizações. É a chamada idade dos porquês e do faz-de-conta onde com a estruturação do egocentrismo na formação de pequenos grupos ocorre a crise da oposição, da consciência e da hipertrofia do ego. Os interesses são imaginativos e as tentativas de controle das pautas emocionais são uma característica marcante. A criança forma imagens mentais e as transforma em objetos de seu prazer, os diálogos são monólogos embora estejam na coletividade, pois não ouvem o que o outro diz falando todos ao mesmo tempo. Suas frases não se relacionam a fala do outro, embora adeque a sua resposta a palavra dos pares. Embora no coletivo vivem isoladamente, sem liderança e permanência de pares (ARGENTO, 2008). 

Estágio operatório-concreto - (dos 7 aos 11/12 anos) - a criança começa a construir conceitos através de estruturas lógicas, consolida a conservação de quantidade e constrói o conceito de número. Há capacidade de retornar ao anterior – reversibilidade – deixando de ser unidirecional. Capacidade de conservação ou invariância para organizar novas estruturas observadas no lógico-matemática, física e noção espacial. Seu pensamento apesar de lógico, ainda está preso aos conceitos concretos não fazendo ainda abstrações e quanto à questão de dominância apresenta o conhecimento dos fatos participando socialmente do grupo escolar e infantil e descobrindo o que chamamos de estabilidade emocional onde a descoberta do superego influencia na estabilidade emocional. A organização social é a de “bando”, lideram e admitem liderança, compreendem regras e estabelecem compromisso. A linguagem é socializada, discutem maneiras diferentes de ver as coisas e chegam a conclusões.   (ARGENTO, 2008).

Estágio operatório-formal - (dos 12 aos 16 anos) - fase em que o adolescente constrói o pensamento abstrato e conceitual, conseguindo ter em conta as hipóteses possíveis, os diferentes pontos de vista e sendo capaz de pensar cientificamente – raciocínio hipotético dedutivo ou lógico-matemático. Apto para operações probabilísticas, está livre da exigência do concreto. Apesar da possível pseudo-regressão emocional, a necessidade da turma e da equipe para afirmação e interação social é uma constante diante da crise de originalidade, afirmação e consciência do Eu profundo na busca da personalidade adulta. Há dialética, a linguagem evolui para a discussão objetivando chegar a uma conclusão. A objetivação de valores e de ideias remete a volta da subjetividade e turbulência pubertária onde a valorização expressiva é emocional. As relações evoluem para a presença de cooperação e reciprocidade. Transformam o pensamento outrora no campo simbólico e intuitivo para operatório, ou seja, atingem o auge das estruturas cognitivas, cuja representação permite abstração total e aptidão para resolução de qualquer classe de problema (ARGENTO, 2008).

Pela concepção piagetiana, observa-se que para passar de um estágio a outro, é preciso consolidar e superar o estágio anterior. É preciso ressaltar que os estágios agem como mecanismos denominados “equilibração das estruturas mentais”, ou seja, a transformação do conhecimento forma a base da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo da criança. A construção do conhecimento é indefinida e não há conhecimento absoluto, por esta razão é necessário que haja compreensão dos motivos e das estratégias necessárias ao desenvolvimento voltando à gênese, ou seja, absorvendo o máximo possível de todas as fases da evolução humana.  A compreensão de conceitos como organização, adaptação, assimilação, acomodação e esquema são necessários para compreender em Piaget como o processo de conhecimento ocorre. A organização inicial é a base para a adaptação que é expressa em esquema e que não ocorre sem a assimilação e a acomodação. O esquema é o ponto de partida que orienta a atividade do indivíduo sobre o objeto do conhecimento. O indivíduo interioriza a ação através do pensamento que se organiza em esquemas que se constituem pela adaptação, ou seja, adaptação e organização são processos que não se separam (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

A adaptação é contínua e dinâmica numa relação biológica versus externalidade reconstituindo-se sempre, sendo essencial para o funcionamento orgânico e cognitivo. Ela promove um equilíbrio constante entre a assimilação e a acomodação que são intrínsecos a adaptação sem o qual a equilibração não ocorre. Tanto o indivíduo provoca mudança no ambiente externo como o ambiente externo provoca mudanças internas (cognitivas ou intelectuais). A assimilação é um processo ou integração de novas perspectivas da percepção, do conceito, e da motricidade às estruturas cognitivas pré-existentes.  O indivíduo está em contato direto com novas possibilidades que são assimiladas e acomodadas em sua estrutura cognitiva prévia não a destruindo, mas acomodando as novas informações nestes esquemas anteriores (ARGENTO, 2008).

Quando a informação é conflitante com a antiga o indivíduo acomoda o novo dado em um novo esquema ou estrutura, ou seja, cria ou modifica esquemas para acomodar a nova informação. Há, portanto a modificação da estrutura cognitiva. Não pode haver assimilação sem acomodação e vice-versa. Equilibrações e auto-regulações individuais estão constantemente operando nas estruturas cognitivas e formando esquemas. O meio externo não provoca um registro simples de impressões ou cópias, mas provoca ajustes ativos na interioridade cognitiva ou intelectual (ARGENTO, 2008).

O esquema é um exemplo inicial pelo qual o organismo incorpora o meio externo, sendo o ponto de partida das interações sujeito-objeto. Um novo esquema reinicia novas interações entre os indivíduos e o meio. Esquemas são estruturas mentais, cognitivas, padrões de comportamento e pensamento através dos quais os indivíduos se adaptam e organizam o meio. Eles emergem de integrações primitivas, cuja unidade é mais simples e evoluem para unidades mais organizadas, amplas e complexas.  Esquemas não são objetos reais, não são observáveis, não são fixos, são conjuntos de processos que ocorrem dentro do sistema nervoso, são inferidos, são constructos hipotéticos em constante mudança que se tornam cada vez mais requintados e gerais. Essencial na construção de esquemas é a ação do indivíduo sobre o objeto do conhecimento que pode ser exemplificada de duas maneiras: experiência orgânica/física ou lógico-matemática (ARGENTO, 2008).

A inteligência é vista por Piaget como uma forma mecânica pelo qual o organismo se adapta a novas situações construindo continuamente novas estruturas fornecendo instrumentos para a compreensão da realidade e interação espontânea com ela culminando nas representações intuitivas e nos modelos. A inteligência humana pode ser exercitada e quanto mais esse exercício ocorre mais potencialidades vão se aprimorando de um nível elementar para um nível mais aonde é possível às trocas simbólicas. O conhecimento vai se constituindo sendo o resultado das construções individuais reguladas por mecanismos internos – equilibração - relacionados à maturação e a experiência individual, cuja função é auto-regular o indivíduo compensando as perturbações exteriores a ele que acabam por romper o seu equilíbrio interno. O produto de cada reequilibração é um novo estado com qualidades diferentes do anterior – equilibração sucessiva (ARGENTO, 2008).

Quatro são os fatores que influenciam o desenvolvimento humano: maturação, experiência, transmissão social e processo de equilibração. A maturação é a base biológica do indivíduo cujo amadurecimento ocorre na interação com o meio. A experiência é o contato do organismo com o mundo real e a interação sujeito-objeto. A transmissão social é a apropriação das experiências histórico-culturais e depende da estrutura cognitiva responsável por realizar interações elementares que estão associadas às relações existentes entre os elementos. Processo de equilibração essencial à adaptação que coordena e regula a maturação, a experiência e a transmissão social evocando estados de equilíbrio sempre em progressão. O desenvolvimento, portanto está em equilibração progressiva, ou seja, está continuamente passando de um estado menor de equilíbrio para um estado maior, sendo a estruturação da mente o produto desta equilibração (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Piaget entende o ser humano como um indivíduo biológico, cujos instintos e necessidades adaptam-se ao meio. Ele está cercado pelo meio social que está atrelado ao meio ambiente. Ambos produzem o homem, bem como são produzidos pelo homem. Agindo sobre o meio, o homem produz cultura e através das gerações produz o homem. Neste esforço ativo para restabelecer o equilíbrio o homem é afetado, sendo a afetividade o que impulsiona a ação que está diretamente ligada ao processo mental. A estratégia usada nessa ação é a inteligência, sendo que ela é aprendida, já que é a própria adaptação. Portanto, as leis da organização social são similares as dos animais, ou seja, são comuns a todos os organismos no processo de adaptação (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Dois são os postulados de Piaget em relação à importância da equilibração: 1) Os esquemas de assimilação alimentam-se da exterioridade incorporando elementos externos compatíveis com o fenômeno de seu mundo físico. 2) Os esquemas de assimilação se obrigam a acomodarem-se aos novos elementos assimilados, bem como a modificarem-se de acordo com aquilo que lhes é particular, não perdendo, no entanto, a consecutividade nem as assimilações ocorridas anteriormente (ARGENTO, 2008).

Existem três tipos de equilibração: 1) sujeito-objeto: a acomodação e a assimilação são equilibradas pelas interações objetais. Esse conceito inicia a conservação mútua: o objeto é necessário à ação e a assimilação dá significado ao objeto da ação e o transforma. 2) subsistema-subsistema: com velocidades distintas e defasagens no tempo surgem os desequilíbrios que precisam ser dominados. 3) subsistema-totalidade: há a hierarquização dos objetos conceituais que não ocorre nas anteriores. O todo integrado tem como exigência a acomodação e para tanto necessita de conservação mútua do todo e das partes (ARGENTO, 2008).

O estado de equilíbrio, portanto faz referencia a um sistema que equilibra as relações sujeito-objeto. O desequilíbrio desencadeia e ativa um esquema. Quando o conflito não é resolvido instaura-se a perturbação. Existem dois grupos de perturbação: 1) em oposição à acomodação: insucesso, erro e devolutiva negativa, “correção supressiva”, afasta impedimentos, modifica esquemas, elimina e substitui um movimento por outro, diminuindo sua força e extensão. 2) lacunas: insatisfação do sistema, esquema mal alimentado, porém nem sempre uma lacuna será uma perturbação. Ela ocorrerá quando acontecer ausência de um objeto ou insuficiência de condições para que uma ação seja realizada. Ocorre uma devolutiva positiva, como reforço em que não há negativa (ARGENTO, 2008).

A regulação é a forma como o organismo reage a uma perturbação. Existem dois processos que percorrem sentidos opostos: 1) retroativo: leva ao início o produto de uma ação, 2) proativo: corrige ou reforça. As compensações – ações individuais – são contrárias a certos efeitos e tentam neutralizá-lo e anulá-lo. São compensações a devolutiva ou feedback negativos e positivos, a inversão e a reciprocidade. Na inversão a perturbação é negada e ignorada, na reciprocidade há divisão do esquema perturbador em dois subesquemas diferenciados e um deles trata a perturbação (ARGENTO, 2008).

Existe uma relação sem subterfúgios entre o desenvolvimento e a aprendizagem, pois para que haja apreensão de conceitos como operações, fatos, ações, leis físicas e matemáticas faz-se necessário um nível cognitivo adequado, ou seja, sem que o indivíduo tenha posse de capacitação intelectual, estas atividades cognitivas não serão executadas. O grau de desenvolvimento é determinante para aquisição de novos saberes que só são possíveis em etapa evolutiva adequada. Uma etapa dá base para outra não sendo possível evoluir para outra se a anterior não estiver em equilibração (ARGENTO, 2008).

Aos educadores Piaget suporta uma didática particular em relação ao desenvolvimento da inteligência. O conhecimento das possibilidades apresentadas por ele em sua teoria capacita professores a oferecem os estímulos necessários para que os alunos desenvolvam sua cognição. Ele entende que o papel tradicional do mestre evocado e mantido pela educação tradicional em teorias empiristas como o behaviorismo radical, precisa ser mudado. O professor é agora um facilitador, faz o meio de campo, e não detém o saber. Não está para a transmissão de conteúdos, mas ajudar o indivíduo autônomo a assumir o palco de seu aprendizado (ARGENTO, 2008).

A Teoria epistemológica de Piaget e o construtivismo não são uma metodologia pedagógica, pois reduzi-lo desta forma o tornaria apenas um conjunto de técnicas para aprimoramento. Piaget abre campo de estudo para a psicologia, pedagogia, sociologia e antropologia, já que o problema da episteme – conhecimento – está situado em nível interacional sujeito-objeto e sua fundamentação teórica são baseados em investigação científica (ARGENTO, 2008).

Em relação ao processo educativo Jean Piaget propõe uma abertura a interdisciplinaridade, às necessidades cotidianas individuais, ao ambiente escolar organizado e uma prática pedagógica estimuladora de atos livres dos discentes visando construir suas verdades. Ele prevê a inclusão de duas áreas do conhecimento ao currículo – programas: 1) Ciência Natural e 2) Psicologia (Filosofia/Epistemologia Geral). Ambas devem contar com o ato livre da pesquisa e experimentação tanto experimental, quanto psicolinguístico (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Para ele o método a ser utilizado é o ativo – aluno dirige seu desenvolvimento – e o máximo da experimentação deve ser desenvolvido, porque o educando precisa passar pela experiência ou a educação escolar não passara de adestramento. Existem dois tipos de relações sociais: 1) coação e 2) cooperação. Na coação há um “superior” que impõe o saber e na cooperação inexiste a hierarquia. Para o autor a coação atrapalha o desenvolvimento da criança e o desenvolvimento de sua autonomia sendo, a transmissão de saberes, uma coação (Professor autoritário) e a cooperação – relações entre pares – uma contribuição para a emancipação (Professor colaborador) (TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Desta forma o papel do educador é animar, incentivar e criar situações que possibilitem descobertas levando a reflexão, estimulando a pesquisa e o esforço. Conhecer as particularidades do desenvolvimento psicológico e utilizar métodos ativos é imprescindível pra uma educação emancipadora. Piaget privilegia as habilidades, aptidões, vocações individuais e a pesquisa espontânea. Para ele a verdade deve ser reinventada e reconstruída pelo aluno. “[...] cada nova geração é convocada a reaprender o que os outros já tinham descoberto por conta própria” (PIAGET, 1998, p. 66 apud TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Uma das ferramentas mais importantes para que um ambiente seja construtivista é um professor apropriado das lógicas da construção do conhecimento apresentados por Piaget, ou seja, ter consciência da forte relação interacional existente entre sujeito-objeto e a construção do conhecimento. Alguns pressupostos são necessários para que um ambiente seja considerado construtivista: a) ambiente deve proporcionar ou obrigar interação sujeito-objeto, integralização do objeto de estudo a realidade do aprendiz, como estímulo para a construção de novos constructos, apropriação de novos saberes e adaptação destes a estrutura cognitiva pré-existente, b) quebra de paradigmas: o professor não repassa a informação, mas proporciona a busca do aprendiz na construção do seu próprio conhecimento. O professor assume o papel de educador-educando. O erro antes visto como motivo de punição, agora é uma fonte de aprendizagem, já que através dele o aprendiz questiona e reflete a consequência da ação e modifica o conceito (ARGENTO, 2008).

Uma sala de aula construtivista deve proporcionar confronto com os problemas existentes em sua realidade, já que estes são cheios de significados. Quando enfrentam seus problemas o aprendiz pode ampliar as possibilidades resolutivas, inventar soluções, colaborar com seus pares, iniciar tentativas e hipóteses, reavaliar seus conceitos e consequentemente apresentar o que de melhor conseguiram sintetizar. Desta forma escapam da tradição que entende o conhecimento como uma mera representação da realidade, separado e independente de quem o possui. Na concepção construtivista há a valorização do diálogo, da pesquisa, dos jogos, com ênfase na colaboratividade entre os pares, na busca do consenso, e no enfoque de convicções, processos de pensamento e concepções dos saberes. A avaliação torna-se uma maneira de ajudar a aprendizagem do aluno e a compreensão do professor em relação ao momento cognitivo do aprendiz. Ela não está para elevar a estima de alguns e rebaixar a de outros como na perspectiva tradicional classificatória: regular, bom, excelente (ARGENTO, 2008).

Um professor construtivista deve: dar apoio às iniciativas autônomas dos alunos; utilizar fontes primárias e objetos manipuláveis; fazer uso dos termos classificar, analisar, criar, predizer em tarefas estipuladas; participação autônoma na condução das aulas, instruções e conteúdos; verificar o que os alunos sabem antes de apresentar seus conceitos; estimular o diálogo; a resolução de problemas em interação com os pares; a tomada para si da responsabilidade; envolvê-los em experiências contraditórias as hipóteses prévias; estimular a discussão; proporcionar tempo para construção de relações, metáforas; manutenção da curiosidade, uso cotidiano dos modelos de ciclos (ARGENTO, 2008; TREVISO; ALMEIDA, 2014).

Piaget critica a aquisição de conhecimentos acumulados na história, porque para ele o homem só se apropria do verdadeiro saber quando está em relação com outros indivíduos em sua prática social. É preciso estar imerso nesta história social e ser objeto dela. Por isto a mediação em contexto escolar é defendida por ele como essencial entre o indivíduo que se apropria do saber e o objeto com significado social posto a ser apropriado. Desta forma o professor possui este papel decisivo no processo de apropriação do conhecimento produzido historicamente e socialmente. Piaget expõe que tanto a História quanto os Estudos Literários merecem crítica, visto que podem não representar a verdade, sendo apenas relatos mentirosos impostos aos indivíduos sociais. Por essa razão defende a recriação de sua própria história, já que não há como recriar o passado descrito na história. Ele dá a história um caráter subjetivo e relativista a medida que propõe que conhecimento é construção. Subjetivista quando questiona o conhecimento em sua avalização: conhecimento evoluído ou involuído? E objetivista quando relativiza os pontos de vista. Ele defende que uma ideia só será verdadeira quando construída pelo próprio indivíduo e não recebida da externalidade por outrem como verdade (TREVISO; ALMEIDA, 2014).     

Embora o construtivismo seja uma teoria considerada “de esquerda”, progressista e com forte prestígio cientifico é fortemente criticada.  As críticas voltadas a esta teoria estão voltadas às questões práticas pedagógicas, afinal por ser uma teoria epistemológica não se propõe a métodos, não sendo formulada com esta intencionalidade encontrada nas teorias psicológicas e pedagógicas. Para Silva o construtivismo é conservador e despolitizado, e mesmo que fosse uma teoria meramente pedagógica é deficiente em relação às questões atuais como inclusão, globalização e teorias do currículo (ARGENTO, 2008).

Outras críticas estão no campo político e social, já que os estudos de Piaget estão baseados num modelo biologizante, abortam o desenvolvimento histórico e social. Essa negação da realidade objetiva relativiza a verdade colocando-a numa condição subjetiva – realidade do fetiche – próprio do capitalismo. Esta visão de subjetividade coloca o currículo numa condição empobrecida, sem referenciais, extirpando o conhecimento sistematizado, fruto do acúmulo de conhecimento histórico. A pedagogia do “aprender a aprender” volta-se a satisfação das necessidades exigidas pela sociedade sendo subterfúgio para manutenção da divisão de classes e do sistema de produção capitalista. A relação existente entre a educação e a sociedade permanece desta forma, idealizadas. Esta visão se choca com a visão de alguns críticos que defendem a apropriação universal de conquistas produzidas historicamente pela ação humana – cultura tanto material como intelectual – visto que através da apropriação delas o desenvolvimento ontogenético ocorre, sendo fruto das relações sociais (TREVISO; ALMEIDA, 2014).



REFERÊNCIAS

ARGENTO, H. Teoria construtivista. 2008. Disponível em: <http://www.robertexto.com/ archivo5/teoria_construtivista.htm/>. Acesso em: 10 mai. 2019.

TREVISO, V. C., ALMEIDA, J. L. V. O conhecimento em Jean Piaget e a educação escolar. Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro-SP, v. 01,  nº 01, 233-244 p., 2014.

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