quinta-feira, 6 de junho de 2019

A DIVERSIDADE EM PSICOLOGIA

INTRODUÇÃO
#Dâmaris Alcídia da Costa Melgaço

A psicologia tem sua história marcada pela filosofia, sociologia, antropologia até pretender ser uma ciência descolando-se das outras ciências. Inicia-se em Wundt, o primeiro teórico a instituí-la como investigação de laboratório com seu método introspectivo. Com o advento das ciências naturais, oriundas de Charles Darwin, a visão sobre a natureza passa a ser mais biológica descolando-se por completo das explicações míticas. O homem como qualquer outro animal pode ser estudado em sua origem filogenética. As ciências experimentais surgem com os estudos de Pavlov, Watson culminando em Skinner. Essas ciências postulam um caminho experimental, sob a égide do controle dos comportamentos humanos, dando-lhes explicações lógicas indutivas e metodológicas. 

Por conseguinte Freud, em Viena, inicia seus estudos com histéricas, criando assim sua teoria da consciência e inconsciência. Passa a estudar as relações naturais e a tríade familiar, mãe, pai, criança, dando as atividades do prazer conotações voltadas a sexualidade desenvolvimental. A fenomenologia inaugura uma contestação às psicologias experimentais, empíricas, e aos psicologismos inaugurados em Freud, subsequenciando outros como a Gestalt, etc. Sendo, portanto Husserl um matemático cria o método fenomenológico retomando a filosofia antes rechaçada e tornando-a uma ciência de rigor. A partir de Husserl surgem as teorias compreensivas que restabelecem ao homem um lugar privilegiado, no sentido de que esse é único e fenomenologicamente um entre tantos outros seres, podendo assim ser comparado a si mesmo. Diante deste quadro sendo a psicologia uma ciência recente, não forma um único corpo teórico sendo dividida entre muitas psicologias, pois possuem matrizes diferentes, com teorias e métodos distintos. Não que elas não conversem entre si, mas cada uma com suas linhas de pensamento teórico que não são isentos de sua origem cultural, momento histórico, organização social e sistemas políticos. 


1. MATRIZES SOCIAIS DO PENSAMENTO PSICOLÓGICO 

Os constructos da Psicologia não terminaram no séc. XIX, ao contrário existem muitas pesquisas auxiliando em novos constructos teóricos. O conhecimento da psicologia não é um corpo sólido, único, indivisível e totalmente integrado, justamente pela diversidade de epistemologias (FIGUEIREDO, 1992).

Existem em Psicologia diferentes pontos de vista, diferentes afirmações e diferentes explicações teóricas sobre um mesmo assunto. É possível falar em várias psicologias. Pode-se inclusive falar de Psicologias, na medida em que nesta ciência lidamos com a convivência de diversas definições diferentes, que destacam objetos de estudo e métodos próprios (FIGUEIREDO, 1992). 

As matrizes das psicologias são geradoras, são fontes de saberes e instauram o campo da teorização, bem como de diversas possibilidades de ação e inauguram as histórias das psicologias. A psicologia não apresenta um corpo de conhecimentos organizado e coeso, já que suas matrizes são diferentes, algumas teorias coexistem, outras não por serem incompatíveis. Não é um corpo unânime, havendo muitas diferenças (FIGUEIREDO, 1992). 

As matrizes podem ser divididas em três dimensões específicas: as “cientificistas” que surgem a partir dos estudos realizados nas ciencias naturais no séc. XIX, postulando que todas as coisas possuem uma ordem natural e biológica, cujo estudo prevê o controle de eventos psícológicos e comportamentais (FIGUEIREDO, 1992). 

As “românticas que aparecem como oposição ao racionalismo, defendendo que o objeto da psicologia não são eventos naturais, já que a expressão de eventos primitivos ocupam um lugar de valorização das expressões humanas (expressionismo). Dão lugar a subjetividade humana cuja meta é compreender, gerar conhecimentos aptos a apreensão das formas expressivas e singulares dos indivíduos, ampliando a comunicação de cada um consigo mesmo (FIGUEIREDO, 1992). 

As “pós-românticas” ou “compreensivas” que resgatam a compreensão humana, renunciando à esperança de uma apreensão fácil e imediata do sentido das coisas, pois o sentido não coincide com a vivência, já que por detrás dos sentidos existem outros sentidos (FIGUEIREDO, 1992). 

O propósito não é descobrir qual é a melhor psicologia e ou abordagem psicológica? A reflexão está além da atividade comparativa. A psicologia não possui uma única matriz, embora a cientificidade seja exigida em todas elas, porém alguns conhecimentos vem de uma matriz romântica com maior ênfase aos sentimentos do que a razão, outras compreensíveis, abertas para perceber o que não está pronto ou acabado e as cientificistas, herança positivista que prioriza a razão e o observável para comprovação, sendo reducionistas e de base empirista (FIGUEIREDO, 1992). 

No entanto, a diversidade de matrizes não produz um estado de dezorganização, caos e não dialogicidade, ao contrário ela amplia a capacidade de pensarmos sobre o que acreditamos, o que fazemos e quem somos. Não é, portanto, adoção de um número “x” de teorias, mas de como são essas teorias e abordagens e quais ideologias estão nelas implicadas: românticas, liberais ou disciplinadoras? Logo, é ilusório crer que se é isento na escolha de uma teoria ou abordagem, método e técnica, já que está numa dimensão ética, mas também política da Psicologia (FIGUEIREDO, 1992). 


1.1. A prática psicológica 

A psicologia constitui-se uma diversidade representada por diferentes formas de refletir-se sobre o fenômeno psicológico. A profissão psicólogo não se fundamenta em uma única proposta, há diversidade de abordagens. O conhecimento tácito do psicólogo deve incorporar a teoria na prática e vai além da aplicação, pois é uma autêntica elaboração de conhecimentos mesmo não traduzidos em textos. É o saber do ofício que tem conservados os lugares da experiência, alteridade, negatividade e transformação (FIGUEIREDO, 1992). 

Existem duas reações distintas na prática psicológica que dificultam o entendimento da profissão e da atuação profissional e que poderia gerar um certo mal-estar e possível angústia devido a "[...] ausência de uma compreensão mais abrangente e profunda do nosso espaço de dispersão". Essas práticas seriam perniciosas porque impedem que o indivíduo sinta esse sutil mal-estar e angústia (FIGUEIREDO, 1992). 

A primeira delas é o dogmatismo - "[...] psicólogo em formação ou já formado tranca-se dentro de suas crenças e ensurdece para tudo que possa contestá-las" e a segunda o ecletismo, porque ele "adota indiscriminadamente todas as crenças, métodos, técnicas e instrumentos disponíveis de acordo com sua compreensão do que lhe parece necessário para enfrentar unificadamente os desafios da prática.” (FIGUEIREDO, 1992).

A ideologia que envolve a profissão do psicólogo pode ser identificada quando perguntamos a quais interesses servimos com nossa atuação e a quem beneficiamos com nosso trabalho. Quando acreditamos que o homem nasce dotado de aptidões e características de personalidade, estamos desconsiderando as possíveis influências socioculturais sobre seu comportamento. No campo profissional as discussões históricas, sociológicas e filosóficas sobre o mundo e as formas dominantes dimensionam a ética das psicologias (FIGUEIREDO, 1992). 

Perguntar sobre o que acreditamos, o que fazemos e quem somos dimensiona a que interesses servimos com nossa atuação e a quem estamos beneficiando com o nosso trabalho, também nesse espaço reflexivo quando temos a crença de que a personalidade é inata ao homem, desprezamos a capacidade sociocultural que tem influencia na atuação humana cotidiana, bem como quando conscientes dessa premissa ética indagadora haverá transformação da prática ou no movimento contrário a manutenção da mesma (FIGUEIREDO, 1992). 

A prática psicológica, muitas vezes, tem sido utilizada como instrumento de adaptação às desigualdades produzidas pela divisão de classes. A ideologia liberal não trabalha para a emancipação dos indivíduos, ao contrário surge da necessidade de manutenção de ordem normativa, disciplinadora e adaptadora. Acredita que todos são iguais perante a lei, mas é incoerente pelo sistema de produção que prioriza os interesses próprios, desconsiderando as trocas sociais e o meio social dos indivíduos, demarcando um indivíduo idealizado e utópico. A função social da atuação do psicólogo não se limita a prática do psicólogo, é mais ampla e envolve pesquisa, engajamento político-social e luta de classes (BASTOS; GONDIM, 2010). 

A clínica durante muito tempo foi a principal atividade dos psicólogos aliados à estudos médicos e educacionais. Atualmente não ocupa mais esse lugar privilegiado por não ser próprio para determinados contextos. A psicoterapia pode ser utilizada não apenas para ajudar na resolução de problemas, mas também para fins de autoconhecimento. A psicoterapia é uma atividade que pode ter uma maior duração, enquanto que a orientação e aconselhamento objetivam tarefas mais objetivas e, portanto, menos demoradas (BASTOS; GONDIM, 2010). 

O aconselhamento e a orientação aparecem em diferentes contextos de atuação psicológica e não somente na clínica. O aconselhamento/orientação possui características próprias de uma abordagem centrada no indivíduo e nos seus sentimentos, conflitos e percepções dando voz as potencialidades de decisão e capacidades de crescimento e ressignificação da própria vida. Propõe uma abordagem mais humanista como a de Rogers (BASTOS; GONDIM, 2010). 

A observação é um instrumento utilizado já nos primeiros contatos com o paciente, triagem, psicodiagnóstico e psicoterapia. O psicodiagnóstico é um processo que abre possibilidades para compreensão do indivíduo em sua integralidade e portanto antecede a psicoterapia e tratamentos. Os testes são instrumentos do profissional e podem ser utilizados em diversos contextos por ele. É importante ter-se em mente que os testes são instrumentos de auxílio e não de “tratamento” (BASTOS; GONDIM, 2010). 

O trabalho do psicólogo deve ser em equipes multiprofissionais ou multidisciplinares como garantia de prática voltada para a prevenção, promoção da saúde, bem estar e humanização. O trabalho em equipe é fundamental em todas as instancias e contextos porque viabiliza a troca de experiências e objetiva o paciente e seu bem-estar (BASTOS; GONDIM, 2010). 


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conclui-se que a psicologia é uma ciência recente precedida por outras ciências. Ela não é um corpo sólido e único, pois possui diferentes matrizes teóricas. Possuem em comum o objeto de estudo, sendo este a subjetividade humana. Pode-se afirmar que existem psicologias e cada uma delas trilha um método e um constructo teórico e que esse não está descolado de seu tempo histórico, político, social e cultural. Alguns servem a ideologias liberais, outros as ideologias críticas e sociais. A escolha por uma delas implica em assumir uma postura ideológica e não há como descolar a práxis de nossas concepções de mundo. Logo, cada profissional optará por uma abordagem conforme suas próprias crenças e valores.

Isso não tira da ciência seu lugar de idoneidade e aplicabilidade, pois todas as teorias possuem constructos científicos diferenciando-se apenas na forma de direcionar o olhar ao estudo das subjetividades humanas. Muitos são os contextos para o exercício da prática psicológica, desde a clínica às instituições, organizações, etc. O psicólogo pode atuar em ambiente escolar, jurídico, hospitalar, empresarial, etc. Cada lugar diferencia-se pela demanda e portanto, cada espaço necessitará de intervenções diferenciadas. O importante é prezar pela qualidade de vida dos indivíduos num trabalho transpassado pela coletividade, alteridade e ética, entendendo que cada indivíduo é responsável por si mesmo e capaz de tomar decisões acerca de sua própria vida. A integralidade do sujeito é a premissa básica deste trabalho. 

Não estamos lá para decidir por ele e nem mudá-lo, mas auxiliá-lo a decidir pelo melhor para si. O trabalho multiprofissional envolve atividades interdisciplinares e colaboram por uma melhor compreensão da realidade biopsicossocial e de religiosidade do paciente, bem como melhores formas de intervir sem roubar-lhe o direito de ser no mundo da forma como deseja ser. O mais importante é ter-se em mente que cada indivíduo é responsável por si mesmo, cabendo a ele e somente a ele decidir sobre como deseja ser ajudado e se deseja ser. 


REFERÊNCIAS 


FIGUEIREDO, L. C. Convergências e divergências: a questão das correntes de pensamento em psicologia Transinformação, 4 (1-2-3): 15-26, jan/dez, 1992. 

BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. 


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