quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO/FICHAMENTO

Segundo Oliveira (2000) o olhar contém impressões pessoais que podem contaminar a observação. Antes de começarmos o processo de olhar é preciso domesticá-lo, ou seja, limpá-lo de nossas impressões teóricas apreendidas empiricamente e pela história. 
O olhar sofre uma espécie de refração, ou seja, depende de minha formação e informação acadêmica, ou não. Cada observador carrega em si uma maneira própria de olhar, que é carregada de experiência. 
Um etnógrafo fará suas percepções com bases nos conceitos acadêmicos antes apreendidos. Faz-se necessário, então, um mergulho na interação das relações sociais. Para tanto, o olhar não é suficiente por si só. 
É preciso adentrar as teorias de parentesco e dominar essa teoria. As relações de parentesco servem para que apreendamos as construções sociais existentes na cultura observada, ou seja, como as coisas funcionam de determinada maneira e por que funcionam assim? 
Para Oliveira (2000) já que o olhar por si só não dispõe de todos os recursos para entendermos isentamente uma cultura, é necessário abrir-se para o ouvir. No entanto, sabemos que nem o olhar, nem o ouvir estão isentos ao condicionamento que sofrem pelas disciplinas e seus paradigmas. 
Por que isso ocorre? O pesquisador enfrenta dificuldades que obstruem a compreensão do que se vê e ouve. Uma dessas dificuldades está nas diferenças culturais, como a própria linguagem. Há inegavelmente um mundo à parte que pertence ao pesquisador, brasileiro ou antropólogo, e ao pesquisado, nativo. 
A entrevista é o recurso que será comumente usado, e; está permeada pelo estranhamento entre esses dois mundos. Como ser neutro então já que no ato de ouvir o informante o etnólogo exerce um poder extraordinário sobre o mesmo? Potencializando o contato dialógico. Transformando esse informante em um interlocutor, ou seja, alguém que ouve e se faz ouvir. Transformando esse confronto em um encontro etnográfico, estabelecendo um diálogo entre iguais, fundindo horizontes, sem medo de impor ao informante, agora, um parente, elementos de seus próprios conceitos discursivos. 
Oliveira (2000) afirma que ao escrever o pesquisador começa sua segunda jornada. É no gabinete que se dará a excelência. Fora do campo de pesquisa o pesquisador estará cumprindo sua mais nobre função: a da cognição. 
Para ele existe interação entre a linguagem e o saber, já que ambos possuem a mesma condição apreendida no diálogo. Portanto, o homem é um ser social que constrói seus saberes nas interações que faz com seus pares, ou seja, "ele se pensa no interior de uma representação coletiva." (OLIVEIRA, 2000, p. 26). 
Podemos entender então a etnografia como algo de extrema responsabilidade e por isso difícil, pois lida com a vida de outras pessoas e registros dessa no papel. Existe uma autonomia na transcrição de dados observados nesse exercício e que pertence ao autor. Suas interpretações se fundamentam em categorias e conceitos constituintes da disciplina. Conceitos e dados se opõem, porém; conversam. 
É aí, portanto, que acontece relação dialética de interinfluências. Essa interpretação no gabinete faz com que os dados sofram uma nova refração. Isso significa que o ato de escrever não se dissocia do ato de pensar, é escrevendo que o pensamento toma direção. Essa direção vem associada daquilo que é constituinte do pensamento e esse vem contaminado pelas conversas de corredores, debates, congressos, pesquisas características do academicismo. 
Para Oliveira (2000) não há como estabelecer conclusões antecipadas ao ato de escrever dos dados recolhidos. É quando começamos a escrever que as linhas do pensamento de quem escreve vão traçando conclusões acerca desses dados. Lembrando que esses relatos sofrem escritas e reescritas até que seja satisfatório aos olhos de quem escreveu. 
Ainda segundo o autor o ato da pesquisa ou investigação etnológica é constituído de duas etapas. A primeira parte são o olhar e o ouvir e a segunda o escrever. 
Oliveira(2000) informa então que os artigos e teses acadêmicas devem ser considerados versões escritas intermediárias: 
1) Monografia Clássica: possuem uma estrutura narrativa normativa, ou seja, seguem as regras da imparcialidade com registros específicos da observação. 
2) Monografia Moderna: possuem um tema que proporciona a sociedade ou cultura uma análise, interpretação e descrição global. Apreensão holística de um grande tema que proporciona uma visão geral de toda a sociedade, embora isso não signifique que em apenas uma perspectiva ela possa ser totalizada, visto que é um organismo vivo e em constante transformação. 

3) Monografia pós-moderna: costumam ser intimistas e impõem a presença do autor. Muitas vezes apresentam-se na pessoalidade da primeira pessoa do singular, com a utilização do "eu" e do "nós". Isso não quer dizer que todas são intimistas. Criticamente ela não deve ser expressão da subjetividade do autor, mas intersubjetiva, caracterizando o autor como um ser menos ingênuo. Esse tipo de monografia, apesar das críticas, traz uma contribuição que não pode ser negada para a teoria social. 


Referências Bibliográficas: 

OLIVEIRA, Roberto C. de. O trabalho do Antropólogo. 2 ed, São Paulo: UNESP, 2000. 220 p.

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