sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

ORGANIZAÇÃO COMO FENÔMENO PSICOSSOCIAL: SPINK



RESENHA CRITICA

1.      INFORMAÇÕES BIBLIOGRAFICAS
SPINK,P.K. Organização como fenômeno psicossocial: notas para uma redefinição da psicologia do trabalho. Psicologia e Sociedade: 8(1): 174-192, jan./jun., 1996.

2.      DADOS SOBRE O AUTOR
PETER KEVIN SPINK, possui graduação em Psicologia - University of London (1965) e doutorado em Psicologia Organizacional - Birkbeck College (1976). É professor titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e também Coordenador de seu Centro de Estudos em Administração Publica e Governo (CEAPG).
Foi pesquisador visitante na Universidade de Cambridge, Phillips Visiting Professor na Universidade de Texas-Austin, Professor Visitante na Universidade Autônoma de Barcelona e também Professor Associado no Programa de Psicologia Social da PUC-SP onde criou o núcleo de pesquisa em organização e ação social.
No CEAPG-FGV/SP, ajudou a criar o Programa Gestão Pública e Cidadania voltado à identificação e disseminação de iniciativas exitosas de governos subnacionais brasileiros que inovam na prestação de serviços públicos de maneira que gera impacto positivo na construção da cidadania.
Atualmente coordena diversos estudos voltados especificamente à avaliação do impacto de políticas públicas locais na redução das desigualdades. Antes de iniciar na Fundação Getúlio Vargas em 1980, foi membro da equipe permanente do Tavistock Institute of Human Relations, London.
Exerceu vários cargos acadêmicos incluindo a Coordenação da Área de Administração na FAPESP e no CNPq e a Presidência da ANPAD além da Diretoria Acadêmica da EAESP-FGV.
Publica intensamente na área de administração pública, inovação local, gestão de políticas públicas, cidadania e processos sociais e organizacionais. É membro do Conselho Editorial das principais revistas na Área de Administração e membro de comitês assessores de Centros de Pesquisa Aplicada no Brasil e no exterior.
Entre seus livros estão: Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial (com Luiz Carlos Bresser Pereira), Parcerias e Pobreza: soluções locais na implementação de políticas sociais; Governo Local e Desigualdades de Gênero (com Ilka Camarotti) Novos Contornos da Gestão Local: conceitos em construção (com Silvio Caccia Bava e Veronika Paulics), Práticas Cotidianas e a Naturalização da Desigualdade: uma semana de notícias nos jornais (com Mary Jane Spink) e Governance in the Americas: Decentralization, Democracy and Subnational Government in Brazil, México and the USA (com Victoria Rodriguez, Peter Ward and Robert Wilson).

3.      DADOS SOBRE A OBRA
Este texto aborda questões relevantes na área da psicologia do trabalho, informando que a mesma se encontra fragmentada, ou seja; há uma multiplicidade de temas, no entanto esses são trabalhados isoladamente e sem uma moldura que permita a apreciação crítica dos fenômenos no seu todo.
Dessa maneira o autor aponta que diversos elementos e acontecimentos têm contribuído para essa situação. São eles:
1)      A falsa distinção entre psicologia teórica e psicologia aplicada,
2)      A adoção inicial de uma postura valorativa que vê a ação da psicologia como intrinsecamente positiva,
3)      A falsa separação entre o determinismo técnico e a interação social do lado humano dos negócios.
A idéia principal do autor traz luz a esse tema que é contraditório e mutuamente excludente, ou seja, polemizador. Spink considera os contextos que promovem dilemas e defende que “a tendência de aproximar mais a Psicologia do Trabalho da Psicologia Social crítica é vista positivamente”.
Para o autor é positivo porque “permite não somente outras óticas sobre fenômenos organizacionais e do trabalho, mas também sobre formação e dinâmica do próprio campo em que ocorrem esses fenômenos”.
Um exemplo desta aproximação é dado a partir de uma análise da construção do conceito de organização e da maneira como esta vira “algo” dentro do qual o processo social se dá – em vez de ser vista como o próprio processo social.
É dirigido para um público distinto, partindo de um questionamento: “o que fazer para diminuir a fragmentação e criar para esta área imensa uma possibilidade de atuação menos paradoxal?”
Para tanto o autor discorre que “a resposta passa necessariamente pela compreensão do processo de fragmentação, e leva à proposição de uma nova unidade de análise psicológica que possa permitir o redimensionamento do campo como um todo: processo organizativo enquanto fluxo de ações e significados sociais”.

4.      SÍNTESE DA OBRA
O texto é constituído de cinco tópicas. Na introdução o autor apresenta uma visão geral sobre o tema. Para ele é difícil considerar a Psicologia do Trabalho como um conjunto, visto que a lista de tópicos é tão ampla que não há como dar significado a cada uma delas.
São múltiplas as questões estudadas que torna o termo “Psicologia do trabalho” um amontoado de idéias, sem um ponto de equilíbrio e base teórica sólida.  Esse, segundo o autor; é um dos motivos pelos quais muitos profissionais não se incluem nessa área de trabalho, já que o campo se apresenta demasiadamente confuso.
Spink afirma: “Ora, não se pode criticar esta posição se o campo em si é de fato tão desencontrado; não é possível exigir que alguém fosse assumir algo se não há claras indicações de que este algo existe!”.
O autor informa que a Psicologia do Trabalho ficou conciliada por longo tempo na dimensão do enfoque institucional porque esse proporciona mais tranqüilidade e coerência. Mais coerência, pois não está atrelado aos problemas do capital, visto que tratam do desenvolvimento, do aprendizado e da medicina em âmbito psicossocial.
No entanto, para o autor essa idéia soa falsa, pois apesar de não lidar especificamente com a lógica capitalista da produção e consumo, não está isenta das influencias que seguem a lógica de um país capitalista.
Spink declara: “o capital e os dilemas e conflitos da relação capital-trabalho podem não estar explicitamente presentes, mas as instâncias de estado e governo e sua relação com a cidadania nas questões de política social são igualmente ou até mais complexas e problemáticas”.
Num segundo momento o autor aborda a desconstrução do lado humano da organização.
A idéia principal é distinguir problema a ser resolvido de compreensão das raízes dos problemas que estão na base social. Não se pode conhecer o fenômeno ignorando os problemas que se originam na psicologia aplicada e que precisam ser resolvidos.
Portanto, a Psicologia Social se encarrega dessa aproximação entre o que acontece no fenômeno e a sua relação com as questões sociais, econômicas e políticas que são a base de toda a estrutura social. Ela contribui para a compreensão crítica da ação social.
Enquanto, na Europa essa compreensão foi mais voltada para o campo da reflexão, na América Latina ela foi mais radical por causa das urgentes demandas relacionadas à desigualdade social e aos ajustes de estrutura macroeconômica.
Importante lembrar que na América Latina pela urgência em desvendar os campos da contribuição social houve certo abandono das psicologias mais tradicionais por uma psicologia mais para o campo dos processos sociais. Isso foi bom e contou com a luta individual de muitos teóricos estudiosos e ansiosos por uma psicologia voltada à práxis.
Spink afirma que “seria necessário examinar a própria matriz conceitual da psicologia social em busca de elementos que permitissem uma complementaridade integrativa entre os conceitos de pessoa e processos sociais em vez do distanciamento provocado pelo binômio tradicional do indivíduo-sociedade.”
Como resultado, temos uma dissolução da idéia de que o sujeito está separado do seu contexto e de que, portanto os fatos sociais nada têm a ver com o psicológico. A Psicologia Social desbaratina essa idéia e inclui o indivíduo nas interações sociais que resultam na formação psíquica e, portanto na sua integralidade.
“A psicologia do trabalho nasce e cresce com esta dicotomia de raiz que incorpora, a partir de uma disputa interna e falsa entre os tecnicistas e os humanistas. A briga parece real, especialmente quando vocaliza pelos expoentes das modernas abordagens em recursos humanos, mas a análise é somente superficial. Mantêm um grande circo que nada mais é que um processo de dessublimação repressiva [...]”.
“Se a psicologia, voltada cada vez mais ao estudo isolado de pequenos núcleos de variáveis, não oferece uma leitura problematizadora do fenômeno social, o resultado é um círculo vicioso inevitável”.
“A separação falsa entre a teoria e a prática que levou a psicologia a se conceber enquanto segmentos, nega a possibilidade de uma práxis voltada à compreensão ativa de um mundo social processual”.
Cabe aos psicólogos organizacionais militantes “rejeitarem a falsa separação da teoria e da prática, do puro e do aplicado e sua hierarquizado profissional implícita. Cabe também reconhecer que estas separações – que só foram rejeitadas explicitamente pelos ativistas da pesquisa-ação – compõem uma problemática mais profunda. Poder, dominação, ideologia, conflito social e de classe não habitam um espaço próprio alheio à academia; os campos do saber também têm seu cotidiano.”
Em seguida Spink discute a organização enquanto produto discursivo. O que é afinal esta tal organização sobre a qual todos parecem certos de sua existência enquanto fato real e dentro da qual o psicólogo e a psicóloga aplicam sua psicologia?
Durante muito tempo, e até pelo menos a década de 1930, organização, enquanto palavra ‘descritora’ foi sempre associada à necessidade de dar ou pôr ordem... A arte de administrar foi erguida em volta de atividades tais como planejar, organizar, liderar e controlar; consequentemente a organização de atividades fez parte do empreendimento ou serviço e não era sua característica principal.
Na antropologia da mesma época, organização era usada de maneira genérica para se referir aos processos sociais em agregações humanas, suas religiões, ritos, estrutura familiar e modo de vida.
Este sentido básico de organização enquanto atividade ou ação processual ao alcance de todos continua simbolicamente presente até hoje.
Na década de 1950, o processo de criação do campo profissional gerencial se consolida [...] Expande-se também o campo profissional das ciências sociais para os níveis de mesoanálise da sociedade [...] Agora ela passa a ser um objeto a ser estudado, uma espécie de baú dentro do qual comportamentos podem ser observados, e cresce a discussão sobre suas características e seu gerenciamento.
Ao ser conceitualizada cada vez mais um “algo” em vez de ser compreendido enquanto processo, começa-se a fortalecer a subordinação simbólica da parte ao todo [...] O comportamento, que é visto como uma parte acontece dentro deste “algo”, ou organização-todo [...] A presença desta representação social sobre a constituição da organização levou pessoas a pensar que não se pode fazer nada se não houver participação nas decisões centrais [...] Porém, será que isso é um pressuposto válido, ou será que ao assumir a concretude da organização enquanto um todo, cai-se num erro tautológico?”.
O cotidiano mundano, não é um vazio de restos aleatoriamente espalhados pelo chão, mas, ao contrário, é o lugar onde a gente se reconhece como gente no sentido comunicativo. Reconhece-se também que a capacidade de ordenar atividades e ações, de criar diferentes e novas formas de agir é uma característica essencialmente humana [...].
Dando seqüência a lógica o autor aborda as distinções entre as partes e o todo. Qual é o papel do todo?
Há, simplificando, três opções possíveis. A primeira começa com a noção de que todo é algo fora da parte, a parte é dentro do todo [...] A segunda começa com o mesmo princípio, mas reconhece que as pessoas têm uma tendência a construir seus próprios mundo [...] A terceira opção se inicia pela inversão do todo e parte, concebendo o todo dentro da parte e sem nenhuma existência própria. O todo nada mais seria um produto intersubjetivo transformando em pseudo real pelo seu feito simbólico.
[...] Segue-se que a organização enquanto algo concreto é muito mais produto das contradições e conflitos deste mesmo cotidiano do que é produtora.
Finalizando Spink apresenta a psicologia social de fenômeno organizativo. Em última análise, pessoas, pessoas sabem se virar [...] A estrutura de uma firma [...] pode apoiar ou restringir a ação processual pelo seu efeito simbólico enquanto mecanismo de mediação, mas não a produz nem reproduz; igual a pegada, ela têm algo a contar – só que é diferente daquilo que se está acostumado a ouvir. 
Ao tornar natural autoridade de alguém, desautoriza-se no mesmo tempo a autoridade do outro de quem ou do qual, enquanto conceito, se têm medo.
Ao reconfigurar a psicologia do trabalho enquanto ação processual a partir da psicologia social do fenômeno organizativo abre-se a opção de reassumir a intervenção investigativa da pesquisa-ação como base para um diálogo que apóia a agência do outro na alteração de práticas e formas de agir.

5.      POSICIONAMENTO CRÍTICO
Do ponto de vista acadêmico, não poderia descartar o texto como fonte de conhecimento sobre o funcionamento dinâmico da Psicologia do Trabalho e as variáveis positivas e negativas relacionadas à atuação do psicólogo organizacional nas instituições. Contudo, não considero que seja fácil essa atuação em vista da grande dificuldade que se apresenta aos psicólogos iniciantes no campo das estruturas organizacionais. Estruturas que mantêm as idéias dominantes próprias do sistema econômico vigente na maior parte do mundo: “O Capitalismo”.
Infelizmente, muitas vezes, e o autor deixou isso claro, os psicólogos formados acabam abandonando essa área justamente pela confusão e complexidade dos temas. Na página 2, o autor aponta que a própria psicologia acaba deixando essa área numa sobrevida em Recursos Humanos e Gestão de pessoal e relegada na grade curricular acadêmica limitando-se a míseros estágios. Observe no trecho citado:
Tão confuso é este tumulto de temas que não é de estranhar que a própria psicologia prefira deixá-lo sobreviver marginalmente no campo de recursos humanos, ou relegado a um tópico do quinto ano do curso de graduação e a uma experiência triste de estágio na área de seleção pessoal. É raro encontrar psicólogos que fazem do terreno do trabalho seu foco substantivo; muito mais comum é ouvir que a presença neste campo se dá por razões instrumentais.
Codo (1986) afirma que para os profissionais da psicologia a atuação nas indústrias deveria exigir um extremo cuidado, pois essa seria uma preciosidade, porém para esse autor o que ocorre na vida real não é isso. Ele declara que os próprios pesquisadores e acadêmicos consideram essa área como uma “irmã menor”. Declarando certa impureza e dotando esta área de uma vida prostituída.
Isso é grave, já que Spink apresenta um panorama que exalta a ação do psicólogo na construção de uma nova cultura em vistas de sua práxis. Mas como fazer isso quando nem mesmo os acadêmicos formados ou formandos se interessam em sair do campo teórico e crítico?
Codo (1986) revela o preconceito dos mais exaltados afirmando que muitos se põem contra a atuação do psicólogo nas indústrias justamente porque estariam a serviço da indústria ajudando enquanto instrumento para perpetuar a exploração mantendo o indivíduo no lugar certo.
Para Codo (1986, p. 197) “[...] a crítica que produz a não intervenção é uma crítica caolha [...] que lava as mãos e se recusa em inverter o papel da ciência, que não se submete a correr riscos do poder para tentar subvertê-lo”.
Portanto, essas questões, que aqui no texto de Spink ficam na marginalidade, mais do nunca merecem atenção. Se na Europa a ação ficou restrita à reflexão e na América Latina a uma história de luta, parece-me contraditório que o discurso inflamado nas graduações, mestrados e doutorados sejam contrários a práxis. Na verdade como afirma Codo (1986) ainda parece estar fixado no discurso teórico crítico, mas separado da ação, ou seja; da práxis que é transformadora.
Como afirma Codo (1986, p.187) “Triste e irônico conluio entre a consciência e a covardia, em uma palavra, falsa (pseudo) consciência, que se traduz em omissão.”
O texto de Spink é rico nas descrições de como é importante que a Psicologia do Trabalho se aproxime da Psicologia Social-Crítica, de como ela contribuiu para que os sujeitos não mais fossem vistos separados de suas interações sociais e sim como uma integralidade que não pode ser descolada das representações sociais, que possuem uma história individual, mas que ao mesmo tempo é coletiva e construída socialmente. Também discursa sobre “a possibilidade das pessoas assumirem a agência do autor no ator social” (p.11), mas para tal as pessoas precisam da mediação do profissional militante in lócus, como afirma Codo (1986) que os levará a reflexão sobre o seu papel na sociedade e de como esse também é um ser histórico capaz de transformar e produzir novas culturas.
No entanto Spink não atenta para o fato de que infelizmente existe um déficit na atuação desses profissionais nas organizações e que enquanto a cultura acadêmica não mudar o viés, permaneceremos no campo teórico da omissão, ou seja, nada vai mudar.
Embora, ao final de seu texto, Spink (p. 11) reintere “a opção de reassumir a intervenção investigativa da pesquisa-ação como base para um diálogo que apóia a agência do outro na alteração de práticas e formas de agir”, ele não esclarece como.  Há uma falta de aprofundamento do “como fazer” a fim de elucidar grandes dúvidas que o tema desperta nos aspirantes à Psicologia Social.
A ausência de proposições práticas não desmerece de forma alguma o texto, visto que é esclarecedor do ponto de vista histórico e social e enriquecedor a academicidade. É um bom “aperitivo” para aqueles que pretendem se aprofundar no tema abordado.

6.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CODO, Wanderley. O papel do psicólogo na organização industrial (notas sobre o “lobo mau” em psicologia). (IN) LANE, S. & CODO, W. (Orgs.) Psicología Social: o homem em movimento. 4.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. (195-202 p).

                                                                 

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