quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Síntese: SÁ, R. N.; BARRETO, C. L. B. T.. (2011). A noção fenomenológica de existência e as práticas psicológicas clínicas.

SÁ, R. N.; BARRETO, C. L. B. T.. (2011). A noção fenomenológica de existência e as práticas psicológicas clínicas. Estudos de Psicologia. Campinas. 28(3), 389-394, julho – setembro.

O texto objetiva uma reflexão sobre o nivelamento dos conceitos filosóficos e psicológicos existenciais com as concepções naturalistas mais usuais sobre o ser do homem e o esclarecimento do que seja uma compreensão radical da existência que possibilitem refletir as direções corretas para a prática clínica em psicologia fenomenológica-existencial de Heidegger.

Apresenta em síntese que para que a noção de existência seja corretamente compreendida faz-se necessário voltar-se à luz de uma atitude ou maneira específica de atenção que não pode ser encontrada de forma natural no cotidiano, nem mesmo quando os padrões empregados para tal sejam a racionalidade científica.

 A diferença entre a maneira com que o ser é e como as coisas são está limitada quando vista numa perspectiva cartesiana de história de vida, já que ambas podem ter ou não uma extensão da natureza. No entanto, esta diferença não muda o fato de que o que se é e como as coisas são já estão dadas no mundo. Portanto, os autores afirmam que para colocar-se numa perspectiva fenomenológica devem-se suspender as suposições naturais de uma realidade, ou seja; realizar a epoché.

A epoché retorna para as coisas quando foram dadas à experiência, é; portanto estar envolvido atenciosamente a experiencia concreta consciente de que esta não é aquilo que aparentemente se mostra como real, porque o mais concreto é o acontecimento que está inseparavelmente contido na natureza de um ser ou de um objeto naquela experiência, ou seja; é o que dinamicamente constitui o indivíduo e o objeto.

Logo, os autores evidenciam que a existência não é o acontecimento bruto e desconexo de ser, como oposição ao não ser já que significa uma brecha que dá acesso ao ser dos entes, que antecede a compreensão do ser-aí. Portanto, para que haja uma atitude fenomenológico-hermenêutica, que interpreta o fenômeno, faz-se necessário atentar para o fato de que os objetos ideais não se distinguem dos reais ou empíricos, apenas existem de maneiras diversas a partir da experiência interpretada pelo ser.

A partir desta constatação os autores expõem as razões dos equívocos existentes dos nivelamentos associados à noção do que seja a existência. Explicam que é comum a inversão da tradição metafísica “essencialista” e isso se deve a não compreensão do existencialismo francês. Não se trata de “[...] apenas uma subordinação do “espiritual” ao “material”, do “eterno” ao “histórico”, mas subsiste um resíduo de “simplesmente dado” nesse polo oposto às essências que seria a “existência concreta.” (p. 391)”.

Olhar a alienação da real natureza subjetiva do indivíduo no tempo e na história como se fosse uma moldura que determina a existência é uma distração na atenção fenomenológica, pois coloca a existência numa compreensão natural (inatista) do ser: é por que é. É um erro hermenêutico.

Os autores apontam também para outro nivelamento que “[...] toma a noção de ser-no-mundo como uma simples valorização do caráter relacional, holístico, da condição humana, mas fazendo subsistir ainda um mundo simplesmente dado no interior do qual o homem se encontra sempre em uma rede de relações constitutivas de sua existência.” (p. 392).

Para os que assim interpretam a nomeação do homem como ser-no-mundo é emparelhado à ideia de que este seja um ser social, que se constrói subjetivamente e coletivamente no mundo. Estas representações errôneas estão associadas às teorias epistemológicas vigentes que detém os saberes da modernidade ocidental e das ciências mais modernas.

Estas teorias do conhecimento afirmam que um objeto só pode ser estudado na medida em que pode ser controlado ou objetivado. Observa-se que a psicologia nesta tradição buscou elucidar e controlar as realizações da existência, mas ignorou a condição ontológica dos indivíduos que são misteriosamente dentro do tempo e da existência.

Os autores fazem referência, também, as práticas psicológicas existenciais que diferenciam a atitude clínica, já que esta concepção de ser existência fixa marcos na relação terapêutica. Três são os aspectos que se sistematizam e se articulam entre si: redução à objetividade conceitual, quantificação e mensuração.

Primeiramente deve-se abandonar a ideia de reduzir o humano a dimensões biológicas, sociais ou mentais, bem como o cientificismo objetivante do sofrimento existencial. Deve-se também abandonar a ideia de um terapeuta curador e portador de técnicas e conceitos que objetivem realizar mudanças por imposição a outrem.

“Desse modo, a hermenêutica, assumida na analítica existencial como situação constitutiva da existência, pode oferecer, a partir de seus pressupostos ontológicos, novas possibilidades de tematização dos fenômenos psicológicos e da atitude clínica.” (p. 392).

Ao considerar os três aspectos anteriormente citados os autores demarcam uma clínica compreensiva dos fenômenos existenciais. A atitude clínica é entendida como possibilidade de cuidado do ser existente e o terapeuta o acompanha na tarefa de tomar posse daquilo que ele pré-concebe em sua história de vida. Assim o terapeuta possibilita ao indivíduo na sua vivencia e singularidade a compreensão e assumpção daquilo que ele é, bem como daquilo que é uma possibilidade de vir-a-ser.

“Acompanhar o cliente nessa tarefa significa auxiliá-lo a tornar explícito para si mesmo o sentido de suas experiências: dores, alegrias e de suas possibilidades negadas. Pensamos que a maior dificuldade em conceber desse modo a atitude clínica é a de não fazê-la recair em uma nova “técnica” que venha a se opor e substituir as outras. Assim compreendida, a atitude clínica transita entre o ôntico e o ontológico e tem como direção o desvelamento do “poder-ser” por meio do apropriar-se da propriedade e da impropriedade.” (p. 393).

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