Resumo
Este estudo
objetivou a preparação para o trabalho produtivo do educando, sem criar vínculo empregatício de qualquer
natureza, propor possibilidades psicoterapêuticas em Psicologia, de
acordo com a ética profissional, bem
como; compreender as
possibilidades e limites de atuação clínica do psicólogo em equipes
multidisciplinares e realizar projeto de
Oficinas Terapêuticas com os usuários dos serviços de saúde mental e
familiares. A intervenção, conduzida
por acadêmicos do 8º semestre de Psicologia, teve como público-alvo os moradores
de uma Residência Terapêutica, localizada em um município do sudoeste brasileiro.
Trata-se de um estudo qualitativo com uso de observação participante. Os
resultados apontaram para dificuldades biopsicossociais e organizacionais.
Concluiu-se que as intervenções foram eficazes ao movimentarem reflexões sobre
a ação multiprofissional no cuidado de pessoas com comprometimento mental.
Palavras-chave:
Saúde Mental. Cuidado Humanizado. Residência Terapêutica.
Introdução
Os
moradores em Residência Terapêutica (RT) devido às condições psicopatológicas
que geralmente abalam sua interação social, bem como relações
afetivo-familiares e comunitárias acabam por encontrar-se em situações de
abandono parental, bem como em ambiente restritivo. Isto gera aliado aos
efeitos colaterais de medicações e efeitos próprios da doença uma diminuição da
interação sociocognitiva.
A
presença de estagiários nas RT’s torna-se imprescindível para uma retomada da
interação humana afetiva própria dos indivíduos. “O conhecimento da teoria psicanalítica permite que a equipe responda em
um nível de desenvolvimento apropriado, aceitando a noção de que o paciente é
uma criança no corpo de um adulto. Essa perspectiva ajuda a equipe a evitar os
perigos da despersonificação[1]
. . .” (Gabbard, 2016, p. 156).
Estas
interações pretendem retomar vínculos, bem como estimular aprendizado, já que
estudos apontam para correlação entre: a vida funcional social, ocupacional e
executiva e memória declarativa, memória operacional e vigilância, bem como
capacidade de execução para uma vida independente. Sabe-se que “Muitos
pacientes com esquizofrenia apresentam prejuízos cognitivos significativos,
especialmente em relação à memória, à atenção e ao funcionamento executivo.”
(Monteiro & Louzã, 2007, p. 179).
O Acompanhamento Terapêutico
(AT) se caracteriza como uma intervenção em saúde mental baseada em cuidados
domiciliares, facilitando um retorno a condições existenciais perdidas e, por
conseguinte, ambicionadas. Importante pensar que o AT possui como traços uma intervenção em saúde
mental que se preocupa e se norteia com os cuidados em domicílio já que isto
facilita uma volta às raízes da existência que se perderam, mas que são
desejadas. A compreensão dos limites por parte dos AT’s é
fundamental para o exercício do cuidado, já que o AT atua como aquele que dá
limites à desordem do imaginário, servindo como âncora da realidade, reatando
os laços sociais quando a ordem simbólica se restaura (Neto & Amarante,
2013; Londero & Pacheco, 2006).
O cuidado mais individualizado possibilita
reconstrução de algumas questões que são importantes para a vida social dos
indivíduos. Fica, portanto, evidente que outras maneiras de assistir e inserir
pessoas com psicoses foge de um círculo viciante que se utiliza da reclusão em asilos
e hospitais psiquiátricos. A comunicação é essencial para que o trabalho em
equipe ocorra de forma satisfatória porque é nesta interação que informações
são dialogadas e problematizadas o que culmina no estabelecimento de acordos
sobre as melhores formas de cuidar dos pacientes (Neto & Amarante, 2013; Suguyama,
Buzzo & Oliveira, 2016).
A manutenção de contato
compreensivo sobre as ideias desestruturalistas da pessoa com transtorno mental
com eminência de fim ou apocalíptica é muito relevante, já que se compreende
que é própria da esquizofrenia a existência de uma sensação intuitiva de destruição
personalística, ou de desconhecimento de suas sensações estranhas sendo muito
corriqueira a ideação de que calamidades iminentes estão para acontecer
(Dalgalarrondo, 2000).
Além dos comprometimentos orgânicos oriundos das
medicações e da própria doença já estabelecida, pessoas com transtorno mental
também acarretam em si fatores característicos do envelhecimento, sendo papel
dos municípios e das políticas públicas de saúde o direcionamento e
enfrentamento das incapacidades funcionais característicos à idade. “[...] o
que significa a ampliação da família da saúde, pela incorporação das práticas
de fisioterapia na atenção primária” (Aciole & Batista, 2013, p. 11).
Ajudar pessoas com transtorno mental a tomar
consciência de suas emoções e controle das mesmas é tarefa do profissional
psicólogo. Estar atento para esta necessidade auxilia no direcionamento de
processo educativo como o controle da raiva, inveja, medo, entre outras que
provocam emoções secundárias. Logo, “Tomar consciência das emoções nos ajuda a
entender o que as pessoas querem dizer e nos direcionam para a melhor forma de
lidar com aquilo.” (G1, 2017).
Quando se fala de emoções não se pode excluir o
profissional de saúde, pois o exercício desta profissão pode ser bem
estressante. As condições emocionais e psicológicas dos profissionais não podem
ser assim ignoradas. Numa abordagem centrada no indivíduo é preciso levar em
conta todas as pessoas envolvidas no processo. A crítica sempre deve perpassar
as condições holísticas e integrais do social, político, afetivo e psicológico,
pois seres humanos são potencialmente capazes de atualização (Chalom et. al, 1999).
Metodologia
O presente estudo se caracteriza
como uma pesquisa qualitativa e quanto aos procedimentos, diz respeito a uma
pesquisa de campo com observação participante que se caracteriza pela participação ativa do
pesquisador na vida do grupo ou na situação observada. Com essa técnica, o
pesquisador adquire um conhecimento sobre o grupo a partir de sua integração a
ele (Gil, 2006). Um procedimento importante para a coleta
de dados deste estudo foi a observação que se caracteriza pela presença
constante do pesquisador e percepção deste sem a intermediação de outros. Ou
seja, os fatos ou fenômenos são diretamente percebidos e registrados nos
diários de campo. Por meio de intervenções em oficinas terapêuticas e dinâmicas
de interação, discorreu sobre temas relevantes para a articulação entre Psicologia,
saúde, sociedade e direitos humanos. As
intervenções em saúde mental obedeceram aos critérios éticos estabelecidos na
Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510, de 07 de abril de 2016.
Resultados e Discussões
Moradores de
residências terapêuticas possuem em sua maioria dificuldades cognitivas e
sociais, bem como baixa-estima e organicidade afetada por efeitos colaterais
medicamentosos e próprios da doença. As intervenções ocorreram semanalmente às
segundas-feiras com moradores em RT, com faixa etária entre 30-70 anos. A média
de participação ficou entre 50% da amostra, em média cinco moradores
participaram regularmente das atividades interventivas em oficina terapêutica.
Abaixo são apresentados quadros com conteúdos levantados nos diários de campo.
Quadro 1.
Datas e horários referentes às práticas de intervenção
em oficina terapêutica na residência terapêutica
Cronograma
das Atividades Interventivas em Oficinas Terapêuticas |
|||
Práticas Desenvolvidas |
Datas/Horários |
||
Dia |
Início |
Término |
|
Confecção de Massinha de Modelar |
26/08/2019 |
15h |
17h30 |
Confecção de Cartelas de Bingo e Jogo |
02/09/2019 |
15h |
17h30 |
Confecção de Jogos de Memória e Jogo |
09/09/2019 |
15h |
17h30 |
Colagem
com Papel Crepom |
16/09/2019 |
15h |
17h30 |
Confecção
de Porta Retratos com palitos |
23/09/2019 |
15h |
17h30 |
Alfabetização
e letramento |
30/09/2019 |
15h |
17h30 |
Confecção
de Boneco Sensorial c/ bexiga |
07/10/2019 |
15h |
17h30 |
Dinâmica
em Saúde Mental/Confecção de jogo: Batalha das Cartas |
14/10/2019 |
15h |
17h30 |
Arte
e Terapia: Patchwork e Fuxico |
21/10/2019 |
15h |
17h30 |
Recorte
e Colagem |
28/10/2019 |
15h |
17h30 |
Confraternização |
04/11/2019 |
15h |
17h30 |
Nota. O cronograma de datas e horários, bem como de
conteúdos interventivos em oficina terapêutica seguiu orientações acadêmicas em
parceria com a Prefeitura Municipal e a Universidade Paulista no segundo
semestre letivo de 2019.
Observou-se de forma
geral que os moradores da residência terapêutica possuem características
próprias e histórico particular de vida, bem como de saúde e doença. Portanto,
suas reações e participações levaram em conta esta subjetividade peculiar a
cada um em específico.
As atividades
desenvolvidas durante as onze semanas objetivaram interação e convivência social,
comunicar medos, expectativas, afetos, sonhos, cooperação, compreensão de
medidas, comparar números e relacioná-los em maior/menor, apropriar-se das
regras de jogo, espírito de jogo, identificar barreiras físicas, coordenação
psicomotora fina e grossa, autoestima, criatividade, lazer, relaxamento, noção
espacial, quantidade e números (0-90), sequência, atenção, memória episódica,
concentração, criatividade, estimulação tátil, percepção visual (cores, formas,
tamanho e peso), manejo de materiais artes, brincadeiras, movimento de pinça,
estética, traçado de moldes, riscado em tecido, recorte, preparação das partes,
fechamento, pertencimento, atitudes, valores, leitura de imagens, estética, imaginação,
vocabulário, escrita e nome próprio.
De forma geral a participação das oficinas
terapêuticas foi produtiva levando-se em conta as limitações orgânicas próprias
das pessoas inclusas na RT-8. Foram ativos no processo quatro moradores. Os
outros seis intervieram a seu tempo, ora com entusiasmo, ora com restrições
físicas, ora com indisponibilidade. Os comportamentos mais evidentes foram:
oposicionismo, dificuldades de interação social, doença orgânica, complicações
da doença, surtos e crises, alternância de humor e ausência vincular. Percebeu-se
que apesar de as pessoas com esquizofrenia e desorganização mental estarem
inclusos nas RT’s, ainda faltam olhares mais apurados e desvelados sobre os
estigmas que encobrem as pessoas com esquizofrenia. Durante as intervenções
verificaram-se algumas práticas consideradas abusivas, como instabilidade
emocional da casa, ataques de estresse e posicionamentos reativos. Alguns
residentes estavam sob efeito de remédios fortes e impossibilitados de
comunicação, outros em crise, outros desanimados. No decorrer das visitas e
intervenções verificaram-se modificações na dinâmica da casa. Houve melhoras
significativas.
As observações referentes às relações entre
cuidadores e residentes, bem como equipe multiprofissional implicaram numa
imersão das condições prévias exigidas para tal, pois durante as observações
semanais e contatos diretos e indiretos na observação das dinâmicas relacionais
houve inquietação. Observou-se uma rotatividade de pessoas, pois geralmente os
cuidadores são diferentes. Geralmente, há medidas de contenção que se utiliza
de formas verbais mais diretivas, o que é apropriado já que o AT também atua
como um superego. No entanto, algumas atitudes foram incômodas já que implicaram
em deboche, impaciência e desrespeito.
Outra questão observada foi a indisponibilidade de
estar presente e atento a quem mais necessita, então; tombos e acidentes graves
ocorreram com frequência. Notou-se que amarrar ou conter na cama ou cadeira com
faixas parece ser mais cômodo. Os cuidadores se ausentam, saem para fumar,
ficam no telefone celular, etc. Entende-se que a demanda é grande e o número de
cuidadores é pequeno, porém muitos na casa (em sua maioria) estão autônomos em
suas funções básicas, o que proporciona um maior acompanhamento àqueles
impossibilitados das mesmas. A crítica não é em relação às demandas e
precariedades notórias, mas ao entendimento ético de que todas as pessoas
precisam ser respeitadas no seu direito de existir e que para atuar nesta área
é preciso disponibilidade interna de assistência, empatia e vínculo.
Observou-se como a atenção e escuta das
problemáticas que envolvem as relações nas RT’s são necessárias. O momento da
ludicidade não foi descartado, nem ao menos os jogos em dinâmica e apesar das
dificuldades na realização foi possível que as mesmas ocorressem com as devidas
mediações. Da mesma forma os jogos interativos foram excelentes porque
resgataram a interatividade entre pares, já que não se joga sozinho. A presença
do outro foi essencial para o resgate de vínculos. Foi difícil ver expressões
de afetos entre os residentes, mas não foi impossível. A busca por uma maior
interatividade não só com residentes, mas com toda a equipe multiprofissional foi
muito importante e necessária.
O conhecimento das condições de saúde física desta
população é importante [o que é observado existir na RT], porém observou-se que
é preciso conhecer os aspectos alterados desta população que decorrem da idade
para, a partir deste conhecimento, atuar efetivamente na prevenção dos riscos
que esta condição impõe. Observou-se que a incapacidade funcional é um destes
riscos na população interna na RT [maioria de idosos]. Logo, atentar-se para o
fato de que é deles o direito de participarem de atividades de lazer, recreação
e próprias de prevenção em saúde, como fisioterapia e hidroginástica, etc. é
imprescindível e esta não ocorre na RT.
Considerações
Finais
Considera-se que a
intervenção foi importante. Foi possível constatar que no cotidiano destes
indivíduos existem tanto expressões de afetividade negativas como positivas e
que trabalhar com elas é fundamental para a formação dos futuros profissionais
da psicologia que possivelmente estarão envolvidos na reabilitação de pessoas.
Por esta razão compreende-se que as intervenções devem estar pautadas naquilo
que ocorre em tempo real e nas emoções que afetam os indivíduos promovendo
possibilidades de reavaliação e readaptação do que se tem estudado e praticado
no passado para inovação do presente, objetivando um único fim que é a promoção
do bem estar social destes cidadãos.
Como equipe, refletiu-se que alguns posicionamentos
impregnados na ação comportamental de cuidadores em geral levam a práticas
desumanas apreendidas na cultura da exclusão e da ótica manicomial. Verifica-se
que como equipe não podemos coadunar com as mesmas lógicas. Não são somente os
pacientes psiquiátricos que não conseguem descrever suas próprias emoções, mas
todos os indivíduos humanos. Por esta razão acredita-se que é preciso prestar
atenção nas emoções e valorizar cada porção mínima dela, pois esta é uma
maneira de compreender a si mesmo e educar-se para viver de uma forma mais
plena.
Analisando estas premissas e as ocorrências
interacionais, bem como as dinâmicas que aconteceram nas RT’s verificou-se que
as pessoas com esquizofrenia são indivíduos que devem ser entendidos em sua
integralidade, pois sentem falta da família e do convívio familiar. Os momentos
ali vividos com os estagiários restabeleceram de alguma forma estes vínculos,
pois os mesmos esperavam ansiosos os retornos da equipe. De alguma forma
resgatou-se a autonomia, já que eles puderam decidir participar ou não dos
processos interacionais com respeito a sua subjetividade.
Concluiu-se que o trabalho nas residências
terapêuticas envolvem muitas variáveis relacionadas à constituição
psicoemocional de todos os envolvidos no processo de adoecimento. Se os
residentes sofrem pela sua condição orgânica que trás como consequência
abandono familiar, desvinculação social, isolamento, fragilidades egoicas e
fisiológicas, também os envolvidos no cuidado destas pessoas possuem em suas
humanidades restrições psicoemocionais que de alguma forma afeta sua atuação
profissional. Algum destes fatores pode ser a falta de preparo para a lida com
pacientes desorganizados mentalmente, estresse laboral, condições precárias de
trabalho, ausência de auxílio psicológico, pois para além do profissional
existe um ser humano necessitado de acolhimento e escuta. Por que não dizer!
Tão necessitado de ajuda quanto os que dele dependem.
Referências
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[1]
“. . . se espera que o paciente se
comporte como um adulto maduro e educado, apesar de sua grave patologia.”
(Gabbard, 2016, p. 156).
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