Já que a ciência
estuda as partes fragmentadas de um objeto, já que a psicologia se difere das
outras ciências pelo objeto (existência), já que as tentativas de fazer estudos
com humanos e torná-los concretos perdem-se nas interpretações que objetificam
o ser, seria possível realizar ciência na ótica humanista e existencial que
considera as propriedades mais gerais do ser? Sim, pois a fenomenologia não
separa indivíduo-objeto e aponta caminhos possíveis para abordar um mesmo
objeto ou indivíduo de diferentes ângulos. É, portanto; um desdobramento da
psicologia, enquanto ciência, que foge da ideia de considerar o objeto ou
indivíduo como substância ou coisa real desconsiderando sua abstração, ou seja;
sua multiplicidade antes inacessível torna-se possível.
Segundo Figueiredo há
várias matrizes psicológicas e também várias teorias que embasam o trabalho do
psicólogo. Mesmo que o CFP (Conselho Federal de Psicologia) estabeleça normas e
diretrizes para o trabalho do psicólogo, não tem como estar presentificado na
atuação deste profissional no campo psicológico, a considerar a multiplicidade
de formação identitária existente na profissão. Na impossibilidade de
estabelecer uma única identidade ao ‘ser psicólogo’ o autor sugere uma
compreensão deste profissional como sendo aquele que é propriamente dito, “o
encontro”.
Ao encontrar-se com o
outro, com suas diferenças, suas propriedades, sua alteridade o psicólogo vê-se
diante do desconhecido e do estranhamento às suas próprias singularidades, ou
seja, na reflexão no e pelo encontro, ele também entra em movimento para um
devir que questiona suas teorias. Nesta perspectiva não é uma identidade social
ou mero registro de uma carteira, mas é ‘existência’ à medida que realiza nova
possibilidade de ser. Ser psicólogo é, portanto uma possibilidade existencial.
Nesta abordagem, a
ciência seria a ciência do encontrar e dos desdobramentos deste encontro. Não
existe encontro entre objetos inanimados, logo, aproximar-se, estar junto é
característica da existência humana, único ente capaz de compartilhar
experiências publicamente pela verbalização da palavra (logos). Diferentemente
do que se entende por ‘ser’ na atualidade, em Ser e Tempo, Heidegger busca pela
retomada do ser em movimento, ou seja, ser pensante e em constante produção, já
que se relaciona com outros seres e nesta interação nomeia, compreende e
compartilha conceitos sobre o que as coisas, os outros e ele mesmo é.
Heidegger abandona
personificações do humano oriundas da tradição filosófica e teológica que via o
ser humano como um animal racional dotado de espírito, corpo, alma ou mais
tarde espírito-mente ou somente corpo fisiológico para estabelecer um dasein, traduzido por ser-aí ou
estar-aí. Isto significa que devido à história cíclica que se inicia nos
conceitos filosóficos mais clássicos, depois teológicos para então culminar em
Nietzsche na ênfase da animalidade e do corpo versus a razão, Heidegger rompe
com estas proposições, amparadas em Husserl, para estabelecer uma descrição
fenomenológica da existência.
Como
já explicitado, o sentido da fenomenologia para Husserl é fundar a filosofia
como ciência de rigor. A analítica existenciária repete a tradição para dela
haurir uma descrição genuína da existência, livre dos pressupostos da filosofia
clássica e da tradição teológica e, portanto, da psicologia, da biologia e da
antropologia delas derivadas (p. 206).
Heidegger busca a
essência do homem, reencontrar o elementar, que está para além do que determina
a biologia. O elemento do homem é o ser, porém este não o contém; apenas
transporta-o e o exporta. Voltar as matrizes fundamentais do ser é regressar a
relação fundante do homem com o seu existir, resgatando-o da prodigalidade para
um ser possível antes entulhado pela era da técnica.
Ao se referir à
existência Heidegger postula a existência de um dasein, sendo a descoberta
deste dasein existente a “daseinsanalytik” e à análise da existência concreta
de dasein a “daseinsanalyse”, ou seja; a analítica do dasein é o homem
determinado como ser existente a partir de uma interpretação ontológica, relativa
ao ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental, em oposição ao ôntico,
que se refere aos entes múltiplos e concretos da realidade. A daseinsanalytik é
o desvelamento do dasein que se mostra existente fazendo emergir a questão do
ser. Os existenciários ou existentes são múltiplos e se acoplam como fundamento
do dasein. O dasein contém todas as possibilidades dos existenciários. Cabe a
daseinsanalyse evocar a luz os existentes contidos no dasein; “. . . trata-se
de compreender seu existir orientado pelos existenciários (p. 212).”.
É dispensável pensar no ser psicólogo como um mero
técnico ou cientista que faz algo sem possuir conhecimento daquilo que faz.
Logo, implica na atuação profissional heideggeriana a disposição de assumir a
analítica existenciária como ontologia fundamental. Isto significa que o
psicólogo existencial deve encontrar o seu próprio dasein, bem como compreender
que outros existenciários são dotados de dasein, pois todas as possibilidades
são existentes no dasein e se distinguem por suas especificidades antropológicas
e sociológicas, a depender; das experiências particulares que os levam a apresentarem-se,
aqui e agora, como tal.
Referências
Bibliográficas
EVANGELISTA, P. E. R. A. Psicologia
Fenomenológica Existencial: a prática psicológica à luz de Heidegger. Curitiba: Juruá, 2016, pp. 201-214.
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