sábado, 12 de dezembro de 2020

Síntese do Texto [Evangelista, P. E. R. A., A tarefa de uma nova ciência do homem. Cap. X]

 

Já que a ciência estuda as partes fragmentadas de um objeto, já que a psicologia se difere das outras ciências pelo objeto (existência), já que as tentativas de fazer estudos com humanos e torná-los concretos perdem-se nas interpretações que objetificam o ser, seria possível realizar ciência na ótica humanista e existencial que considera as propriedades mais gerais do ser? Sim, pois a fenomenologia não separa indivíduo-objeto e aponta caminhos possíveis para abordar um mesmo objeto ou indivíduo de diferentes ângulos. É, portanto; um desdobramento da psicologia, enquanto ciência, que foge da ideia de considerar o objeto ou indivíduo como substância ou coisa real desconsiderando sua abstração, ou seja; sua multiplicidade antes inacessível torna-se possível.

Segundo Figueiredo há várias matrizes psicológicas e também várias teorias que embasam o trabalho do psicólogo. Mesmo que o CFP (Conselho Federal de Psicologia) estabeleça normas e diretrizes para o trabalho do psicólogo, não tem como estar presentificado na atuação deste profissional no campo psicológico, a considerar a multiplicidade de formação identitária existente na profissão. Na impossibilidade de estabelecer uma única identidade ao ‘ser psicólogo’ o autor sugere uma compreensão deste profissional como sendo aquele que é propriamente dito, “o encontro”.

Ao encontrar-se com o outro, com suas diferenças, suas propriedades, sua alteridade o psicólogo vê-se diante do desconhecido e do estranhamento às suas próprias singularidades, ou seja, na reflexão no e pelo encontro, ele também entra em movimento para um devir que questiona suas teorias. Nesta perspectiva não é uma identidade social ou mero registro de uma carteira, mas é ‘existência’ à medida que realiza nova possibilidade de ser. Ser psicólogo é, portanto uma possibilidade existencial.

Nesta abordagem, a ciência seria a ciência do encontrar e dos desdobramentos deste encontro. Não existe encontro entre objetos inanimados, logo, aproximar-se, estar junto é característica da existência humana, único ente capaz de compartilhar experiências publicamente pela verbalização da palavra (logos). Diferentemente do que se entende por ‘ser’ na atualidade, em Ser e Tempo, Heidegger busca pela retomada do ser em movimento, ou seja, ser pensante e em constante produção, já que se relaciona com outros seres e nesta interação nomeia, compreende e compartilha conceitos sobre o que as coisas, os outros e ele mesmo é.

Heidegger abandona personificações do humano oriundas da tradição filosófica e teológica que via o ser humano como um animal racional dotado de espírito, corpo, alma ou mais tarde espírito-mente ou somente corpo fisiológico para estabelecer um dasein, traduzido por ser-aí ou estar-aí. Isto significa que devido à história cíclica que se inicia nos conceitos filosóficos mais clássicos, depois teológicos para então culminar em Nietzsche na ênfase da animalidade e do corpo versus a razão, Heidegger rompe com estas proposições, amparadas em Husserl, para estabelecer uma descrição fenomenológica da existência.

Como já explicitado, o sentido da fenomenologia para Husserl é fundar a filosofia como ciência de rigor. A analítica existenciária repete a tradição para dela haurir uma descrição genuína da existência, livre dos pressupostos da filosofia clássica e da tradição teológica e, portanto, da psicologia, da biologia e da antropologia delas derivadas (p. 206).

Heidegger busca a essência do homem, reencontrar o elementar, que está para além do que determina a biologia. O elemento do homem é o ser, porém este não o contém; apenas transporta-o e o exporta. Voltar as matrizes fundamentais do ser é regressar a relação fundante do homem com o seu existir, resgatando-o da prodigalidade para um ser possível antes entulhado pela era da técnica.

Ao se referir à existência Heidegger postula a existência de um dasein, sendo a descoberta deste dasein existente a “daseinsanalytik” e à análise da existência concreta de dasein a “daseinsanalyse”, ou seja; a analítica do dasein é o homem determinado como ser existente a partir de uma interpretação ontológica, relativa ao ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental, em oposição ao ôntico, que se refere aos entes múltiplos e concretos da realidade. A daseinsanalytik é o desvelamento do dasein que se mostra existente fazendo emergir a questão do ser. Os existenciários ou existentes são múltiplos e se acoplam como fundamento do dasein. O dasein contém todas as possibilidades dos existenciários. Cabe a daseinsanalyse evocar a luz os existentes contidos no dasein; “. . . trata-se de compreender seu existir orientado pelos existenciários (p. 212).”.

            É dispensável pensar no ser psicólogo como um mero técnico ou cientista que faz algo sem possuir conhecimento daquilo que faz. Logo, implica na atuação profissional heideggeriana a disposição de assumir a analítica existenciária como ontologia fundamental. Isto significa que o psicólogo existencial deve encontrar o seu próprio dasein, bem como compreender que outros existenciários são dotados de dasein, pois todas as possibilidades são existentes no dasein e se distinguem por suas especificidades antropológicas e sociológicas, a depender; das experiências particulares que os levam a apresentarem-se, aqui e agora, como tal.

 

Referências Bibliográficas

 

EVANGELISTA, P. E. R. A. Psicologia Fenomenológica Existencial: a prática psicológica à luz de Heidegger. Curitiba: Juruá, 2016, pp. 201-214.

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