Meu posicionamento é contra a redução de maioridade penal,
pois se refletirmos à luz de uma ótica mais humanista da psicologia e também
sócio-histórica entendemos que existem bases sociais mais abrangentes que
reafirmam as lógicas da exclusão, bem como os mecanismos existentes nas
manobras sociais que condicionam os seres humanos a situações extremamente
prejudiciais ao desenvolvimento humano.
Na infância vivi a ausência
do ter. Vivia a receber as migalhas. Sonhei com lancheiras, melissas, bonecas,
material escolar que nunca chegaram a mim. Aos onze anos experimentei uma
escalada para a escola privada, mas sem as regalias das necessidades existentes
dentro daquele padrão. Vivi o racionamento da provisão. Éramos quatro a estudar
naquele lugar e sem bolsa. Dividia tudo com os irmãos. Estudei depois disto sempre
na educação privada.
O que descobri é que cada
indivíduo escolhe um caminho, mas uma das grandes culpas existentes nas curvas
da marginalidade são as exigências mercadológicas do consumo e do
aprisionamento consumista. Eu escolhi o caminho da não marginalidade.
Trabalho apresentado para obtenção de nota no curso de Psicologia da UNIP/SJRP-SP à disciplina de DCAI - Direito da Criança do Adolescente e do Idoso.
Alguns argumentos pesquisados que defendem a redução da maioridade penal:
1) “[...]
adolescentes que cometeram atos infracionais já possuem plena capacidade e
consciência dos seus atos, sendo, dessa forma, responsáveis por eles
[...]”.(Araújo, 2003; Borring, 2003; Jorge, 2002 apud Geoffroy, Real &
Conceição, 2013).
Não concordo porque as
lógicas do Capital sugerem uma pirâmide que explora as menores classes
impondo-lhes sentimentos de inoperância mediante as divisões de classe.
Fazem-lhes perceber que existem condições melhores. Anunciam possibilidades de
crescimento social, mas nada fazem para que o alcance equitativo ocorra. A
sociedade inclui para excluir.
Logo, muitos adolescentes
que entram para os atos ilícitos o fazem pela própria exposição marginal a que
são cruelmente expostos. Veem na marginalidade possibilidades de emergirem ao
status quo dos que ocupam as primeiras fileiras da pirâmide social.
2) “[...] o ECA é acusado de
ignorar as capacidades dos adolescentes, protegendo os excessivamente das
consequências de seus próprios atos. A sociedade brasileira partilha a ideia de
que os adolescentes devem ser tratados de forma igual à dos adultos.” (Geoffroy,
Real & Conceição, 2013).
Estou em desacordo já que
culpabilizar crianças e adolescentes está atrelado à ideia de que a sociedade
pode eximir-se da culpa. É uma forma de expelir a consciência de que todos nós
somos responsáveis pelo que ocorre dentro de uma sociedade. Culpabiliza-se para
eximir-se da culpa. A meu ver o ECA possui a riqueza de proteger e tentar
tornar equitativo a responsabilidade individual e coletiva do desenvolvimento
humano, proporcionando possibilidades de resgate social.
3) “[...] compara a
idade penal e a capacidade eleitoral do adolescente que completa 16 anos.” (Geoffroy,
Real & Conceição, 2013).
Não concordo porque esta
comparação possui disparidades gritantes numa relação unilateral, já que votar
é uma introdução ao exercício pleno da cidadania, apesar de eu opinar que é
ainda cedo para um jovem estabelecer decisão crítica concisa nas eleições pela
inexperiência vivida. O assumir da culpa e o padecimento de um
aprisionamento, ao contrário do ato de votar, é uma foice dilacerante nas
possibilidades de reconstrução existentes nos indivíduos que podem a qualquer
tempo rever suas ações irresponsáveis, mediante intervenções sociais.
4) “[...] Código
Penal brasileiro é desatualizado em face de outros países, e que, em
consequência, temos o aumento da violência e o amadurecimento precoce dos
adolescentes [...] Códigos Penais da França, da Alemanha e de Portugal, que
estipulam idade inferior aos 18 anos para fins de imputabilidade penal.” (Geoffroy,
Real & Conceição, 2013).
Discordo, pois vivemos
realidades sociais dispares que não abarcam de forma equitativa todas as
populações, dentre elas todas as questões econômicas, políticas e culturais
desta abrangente nação geográfica chamada Brasil. Outra questão são as inúmeras
brechas da lei e do próprio código penal brasileiro que ora abrem precedentes
não sendo conciso em suas decisões e estipulações dando margem a erros que
poderão soterrar na injustiça os que já estão injustiçados.
5) “Visão preventiva
da punição - a ideia de que a punição tem a capacidade de prevenir a
reincidência de crimes [...].”(Galvão & Camino, 2011, p. 233).
Impossível concordar já que
é provado que no Brasil o sistema prisional está falido, já que dados da DEPEN,
2010 mostram claramente que existem mais de meio milhão de presos, mas a
capacidade de vagas é de 298 presos em custódia. Logo, “O sistema carcerário
brasileiro não possui condições adequadas para acrescentar em seus
estabelecimentos a população de adolescentes em conflito com a lei.” (Geoffroy,
Real & Conceição, 2013, p. 660). Numa cela superlotada, com pessoas das
mais diversas culpabilidades e violências não diminuiriam as reincidências
criminais, quadro já observado no sistema prisional adulto vigente. Se nem as
antigas FEBENS davam conta quiçá às celas brasileiras.
6) Lei do Talião - “Para
sentir na pele o que os outros sentiram” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).
A meu ver a lei do talião
proveniente do senso comum e de ordem religiosa expõe claramente que vivemos
numa sociedade que acredita não ser culpada e corresponsável pelos atos
individuais de seus adolescentes. Vivem na ilusão de que a máxima do “olho por olho
- dente por dente” é a solução para as mazelas sociais. Esquecem-se que
violência também gera violência e que a maior violência é a negação das
necessidades mais essenciais dos indivíduos a começar pela fisiológica
(respirar, comer, beber, etc.), segurança (do corpo, do emprego, dos recursos,
moralidade, saúde, etc.), relacionais, de estima e de realização pessoal
(Maslow, 1987).
7) Proteção à Sociedade - “A sociedade ficou
protegida de suas maldades” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).
Argumento ilusório, já que
acredita que a retirada do marginal exclui a ação marginal. Quando estudos de
cunho social comprovam que os indivíduos são resultado de suas interações
sociais e das relações de poder estabelecidas dentro de um sistema
socioeconômico que minimiza as consequências da mais valia e da exploração da
classe trabalhadora. Ignora, portanto que enquanto existir a desigualdade
social, as disparidades econômicas do explorador e do explorado sempre haverá
violência e criminalidade e na maior parte das vezes pela necessidade de ter o
status quo prometido.
8) Direito à Vida - “Ninguém
tem o direito de tirar a vida de outro” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).
Argumentação correta quando
as bases sociais estão equiparadas. No entanto, muitas vidas já nascem ceifadas
pelo próprio sistema, já que este praticamente determina o resultado. A tal da
teoria da tabula rasa. O inatismo em voga “pau que nasce torto nunca se
endireita”, mas pergunto: em que condições nasceram os indivíduos? A depender
de seu ambiente natural, de suas interações sociais e de suas estruturas
humanas relacionais forjam-se o caráter. Dificilmente haverá o despertar de uma
consciência nas amarras da prisão existencial que o próprio sistema capitalista
impõe.
9) Visão
negativa da lei - “Ele confia na lei que o protege, por isso faz isso” (Galvão
& Camino, 2011, p. 233).
Esta afirmativa passa a
ideia falsa de que não exista uma lei para atos infracionais de crianças e
adolescentes. A questão não está que adolescentes não sejam responsabilizados
por seus atos. Existe o ECA que prevê punições e medidas cautelares para os
adolescentes que cometem atos infracionais. A lei já existe, porém não é
cumprida. A falha está no sistema e não na existência de uma lei.
10) Visão social do
crime - A questão é mais complexa, envolve questões políticas e sociais”
(Galvão & Camino, 2011, p. 233).
A visão ideológica com que a questão é vista diz muito sobre como o tratamento humano se estabelece. Pessoas que possuem uma visão liberal ou neoliberal provavelmente serão a favor da redução da maioridade penal, já que estas são movidas pela separação de classes, competitividade, democracia e liberdade comercial. Preocupadas mais com seu status quo e com a sua necessidade de assegurar sua pertença a determinada classe social. Pessoas com uma consciência social sobre as estruturas de base piramidal que separam as classes determinando seu destino tendem a ver esta situação sob uma ótica mais humanitária salvaguardando o direito de todos e não somente de alguns.
REFERÊNCIAS
Alves, C.; Pedroza, R.; Pinho, A.; Presotti, L.; Silva, F. Adolescência e Maioridade Penal: Reflexões a partir da Psicologia e do Direito. Psicologia Política. Vol. 9. nº 17 . pp. 67-83. Jan. - jun. 2009.
Maslow, Abraham H. (1987). Motivation and personality (3rd ed.). New York.
Galvão, L. K. S. & Camino, C. P. S. “Julgamento moral sobre pena de morte e redução da maioridade penal”. Psicologia & Sociedade; 23 (2): 228-236, 2011.
Geoffroy, F.; Real, V. C.; Conceição, M. I. G..
Representações Sociais de Parlamentares Brasileiros Sobre a Redução da
Maioridade Penal. Psicologia Ciência e Profissão,
2013, 33 (3), 656 – 671.
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