quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Meu posicionamento é contra a redução de maioridade penal, pois se refletirmos à luz de uma ótica mais humanista da psicologia e também sócio-histórica entendemos que existem bases sociais mais abrangentes que reafirmam as lógicas da exclusão, bem como os mecanismos existentes nas manobras sociais que condicionam os seres humanos a situações extremamente prejudiciais ao desenvolvimento humano.

Na infância vivi a ausência do ter. Vivia a receber as migalhas. Sonhei com lancheiras, melissas, bonecas, material escolar que nunca chegaram a mim. Aos onze anos experimentei uma escalada para a escola privada, mas sem as regalias das necessidades existentes dentro daquele padrão. Vivi o racionamento da provisão. Éramos quatro a estudar naquele lugar e sem bolsa. Dividia tudo com os irmãos. Estudei depois disto sempre na educação privada.

O que descobri é que cada indivíduo escolhe um caminho, mas uma das grandes culpas existentes nas curvas da marginalidade são as exigências mercadológicas do consumo e do aprisionamento consumista. Eu escolhi o caminho da não marginalidade.

Trabalho apresentado para obtenção de nota no curso de Psicologia da UNIP/SJRP-SP à disciplina de DCAI - Direito da Criança do Adolescente e do Idoso.

Alguns argumentos pesquisados que defendem a redução da maioridade penal:


1) “[...] adolescentes que cometeram atos infracionais já possuem plena capacidade e consciência dos seus atos, sendo, dessa forma, responsáveis por eles [...]”.(Araújo, 2003; Borring, 2003; Jorge, 2002 apud Geoffroy, Real & Conceição, 2013).

 

Não concordo porque as lógicas do Capital sugerem uma pirâmide que explora as menores classes impondo-lhes sentimentos de inoperância mediante as divisões de classe. Fazem-lhes perceber que existem condições melhores. Anunciam possibilidades de crescimento social, mas nada fazem para que o alcance equitativo ocorra. A sociedade inclui para excluir.

Logo, muitos adolescentes que entram para os atos ilícitos o fazem pela própria exposição marginal a que são cruelmente expostos. Veem na marginalidade possibilidades de emergirem ao status quo dos que ocupam as primeiras fileiras da pirâmide social.

 

2) “[...] o ECA é acusado de ignorar as capacidades dos adolescentes, protegendo os excessivamente das consequências de seus próprios atos. A sociedade brasileira partilha a ideia de que os adolescentes devem ser tratados de forma igual à dos adultos.” (Geoffroy, Real & Conceição, 2013).

 

Estou em desacordo já que culpabilizar crianças e adolescentes está atrelado à ideia de que a sociedade pode eximir-se da culpa. É uma forma de expelir a consciência de que todos nós somos responsáveis pelo que ocorre dentro de uma sociedade. Culpabiliza-se para eximir-se da culpa. A meu ver o ECA possui a riqueza de proteger e tentar tornar equitativo a responsabilidade individual e coletiva do desenvolvimento humano, proporcionando possibilidades de resgate social.

 

3) “[...] compara a idade penal e a capacidade eleitoral do adolescente que completa 16 anos.” (Geoffroy, Real & Conceição, 2013).

 

Não concordo porque esta comparação possui disparidades gritantes numa relação unilateral, já que votar é uma introdução ao exercício pleno da cidadania, apesar de eu opinar que é ainda cedo para um jovem estabelecer decisão crítica concisa nas eleições pela inexperiência vivida. O assumir da culpa e o padecimento de um aprisionamento, ao contrário do ato de votar, é uma foice dilacerante nas possibilidades de reconstrução existentes nos indivíduos que podem a qualquer tempo rever suas ações irresponsáveis, mediante intervenções sociais.

 

4) “[...] Código Penal brasileiro é desatualizado em face de outros países, e que, em consequência, temos o aumento da violência e o amadurecimento precoce dos adolescentes [...] Códigos Penais da França, da Alemanha e de Portugal, que estipulam idade inferior aos 18 anos para fins de imputabilidade penal.” (Geoffroy, Real & Conceição, 2013).

 

Discordo, pois vivemos realidades sociais dispares que não abarcam de forma equitativa todas as populações, dentre elas todas as questões econômicas, políticas e culturais desta abrangente nação geográfica chamada Brasil. Outra questão são as inúmeras brechas da lei e do próprio código penal brasileiro que ora abrem precedentes não sendo conciso em suas decisões e estipulações dando margem a erros que poderão soterrar na injustiça os que já estão injustiçados.

 

5) “Visão preventiva da punição - a ideia de que a punição tem a capacidade de prevenir a reincidência de crimes [...].”(Galvão & Camino, 2011, p. 233).

 

Impossível concordar já que é provado que no Brasil o sistema prisional está falido, já que dados da DEPEN, 2010 mostram claramente que existem mais de meio milhão de presos, mas a capacidade de vagas é de 298 presos em custódia. Logo, “O sistema carcerário brasileiro não possui condições adequadas para acrescentar em seus estabelecimentos a população de adolescentes em conflito com a lei.” (Geoffroy, Real & Conceição, 2013, p. 660). Numa cela superlotada, com pessoas das mais diversas culpabilidades e violências não diminuiriam as reincidências criminais, quadro já observado no sistema prisional adulto vigente. Se nem as antigas FEBENS davam conta quiçá às celas brasileiras.

 

6) Lei do Talião - “Para sentir na pele o que os outros sentiram” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).

 

A meu ver a lei do talião proveniente do senso comum e de ordem religiosa expõe claramente que vivemos numa sociedade que acredita não ser culpada e corresponsável pelos atos individuais de seus adolescentes. Vivem na ilusão de que a máxima do “olho por olho - dente por dente” é a solução para as mazelas sociais. Esquecem-se que violência também gera violência e que a maior violência é a negação das necessidades mais essenciais dos indivíduos a começar pela fisiológica (respirar, comer, beber, etc.), segurança (do corpo, do emprego, dos recursos, moralidade, saúde, etc.), relacionais, de estima e de realização pessoal (Maslow, 1987).

 

7)  Proteção à Sociedade - “A sociedade ficou protegida de suas maldades” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).

 

Argumento ilusório, já que acredita que a retirada do marginal exclui a ação marginal. Quando estudos de cunho social comprovam que os indivíduos são resultado de suas interações sociais e das relações de poder estabelecidas dentro de um sistema socioeconômico que minimiza as consequências da mais valia e da exploração da classe trabalhadora. Ignora, portanto que enquanto existir a desigualdade social, as disparidades econômicas do explorador e do explorado sempre haverá violência e criminalidade e na maior parte das vezes pela necessidade de ter o status quo prometido.

 

8) Direito à Vida - “Ninguém tem o direito de tirar a vida de outro” (Galvão & Camino, 2011, p. 232).

 

Argumentação correta quando as bases sociais estão equiparadas. No entanto, muitas vidas já nascem ceifadas pelo próprio sistema, já que este praticamente determina o resultado. A tal da teoria da tabula rasa. O inatismo em voga “pau que nasce torto nunca se endireita”, mas pergunto: em que condições nasceram os indivíduos? A depender de seu ambiente natural, de suas interações sociais e de suas estruturas humanas relacionais forjam-se o caráter. Dificilmente haverá o despertar de uma consciência nas amarras da prisão existencial que o próprio sistema capitalista impõe.

 

9) Visão negativa da lei - “Ele confia na lei que o protege, por isso faz isso” (Galvão & Camino, 2011, p. 233).

 

Esta afirmativa passa a ideia falsa de que não exista uma lei para atos infracionais de crianças e adolescentes. A questão não está que adolescentes não sejam responsabilizados por seus atos. Existe o ECA que prevê punições e medidas cautelares para os adolescentes que cometem atos infracionais. A lei já existe, porém não é cumprida. A falha está no sistema e não na existência de uma lei.

 

10) Visão social do crime - A questão é mais complexa, envolve questões políticas e sociais” (Galvão & Camino, 2011, p. 233).

 

A visão ideológica com que a questão é vista diz muito sobre como o tratamento humano se estabelece. Pessoas que possuem uma visão liberal ou neoliberal provavelmente serão a favor da redução da maioridade penal, já que estas são movidas pela separação de classes, competitividade, democracia e liberdade comercial. Preocupadas mais com seu status quo e com a sua necessidade de assegurar sua pertença a determinada classe social. Pessoas com uma consciência social sobre as estruturas de base piramidal que separam as classes determinando seu destino tendem a ver esta situação sob uma ótica mais humanitária salvaguardando o direito de todos e não somente de alguns.


REFERÊNCIAS 

Alves, C.; Pedroza, R.; Pinho, A.; Presotti, L.; Silva, F. Adolescência e Maioridade Penal: Reflexões a partir da Psicologia e do Direito. Psicologia Política. Vol. 9. nº 17 . pp. 67-83. Jan. - jun. 2009.

Maslow, Abraham H. (1987). Motivation and personality (3rd ed.). New York.

Galvão, L. K. S. & Camino, C. P. S. “Julgamento moral sobre pena de morte e redução da maioridade penal”. Psicologia & Sociedade; 23 (2): 228-236, 2011.

Geoffroy, F.; Real, V. C.; Conceição, M. I. G.. Representações Sociais de Parlamentares Brasileiros Sobre a Redução da Maioridade Penal. Psicologia Ciência e Profissão, 2013, 33 (3), 656 – 671.

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