quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Síntese: GOMES, W. B.; CASTRO, T. G., Clínica Fenomenológica: Do Método de Pesquisa a Prática Psicoterapêutica.

GOMES, W. B.; CASTRO, T. G., Clínica Fenomenológica: Do Método de Pesquisa a Prática Psicoterapêutica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 81-93.

O texto apresenta a fenomenologia filosófica em Hamilton (diferenças entre conhecimento e crença) e Hegel (descrição histórico-racional da consciência) que tiveram influências do idealismo de Kant, cuja distinção clássica está entre número (o real) e fenômeno (o percebido). Destaca que o termo fenomenologia é reconhecido por nomear o método de Husserl (1859-1938) para estudar a experiência consciente, sendo posteriormente utilizado por Heidegger, com modificações, para a analítica da existência.

Apresenta como exemplo pioneiro para a fenomenologia clínica o livro Psicopatologia Geral (1913/2000) de Jaspers cujas descrições fenomenológicas de anormalidades psíquicas são apresentadas a consciência humana como experiência consciente. “Com essa iniciativa, Jaspers inaugurou a aplicação do método fenomenológico à clínica médica e estabeleceu uma nova ciência da psicopatologia [...]”. (p. 82).

Os autores deixam claro que o termo fenomenologia-existencial é a abordagem objetivada no texto, sendo ela base para todas as vertentes humanistas posteriores. Logo, é intenção abordar aspectos como os diversos significados do termo “fenomenologia”, história e metodologias, como nasce a clínica psicológica e sua perspectiva fenomenológica, características da clínica fenomenológico-existencial no mundo e no Brasil e o pensamento brasileiro sobre ela, Psicologia: Teoria e Pesquisa e evidências da clínica fenomenológica-existencial.

Ao longo do texto os autores expõem que se pode considerar como definição (discurso, descrição e interpretação) para o termo fenômeno o movimento, fluxo e passagem que constituem o tempo da experiência para a consciência e que este não pode ser confundido com fenomenismo “[...] doutrina pela qual o único conhecimento possível é o da aparência, das imagens percebidas, sendo as coisas-em-si incognoscíveis.”. (p. 82).

O texto é interessante porque traz um apanhado geral sobre toda a historicidade desenvolvimental do movimento fenomenológico até o momento atual. Apresenta que a clínica psicológica foi por um tempo relacionado à psicoterapia enquanto arte de aliviar o sofrimento da psique humana, sendo estabelecida em duas bases: a relação interpessoal enquanto tratamento e a reeducação do comportamento, ou seja; expõe que a clínica fenomenológica a princípio se ampara nestas bases tendo uma forte influência da psicanálise.

Em Ludwig Binswanger (1881-1966) se iniciam as variáveis que acabarão dando a clínica existencial novas perspectivas de análise. Binswanger em seu texto “progressos da psicoterapia” apresentou a análise existencial (Daseinsanalyse) como um método de pesquisa fenomenológico psiquiátrico. Este método ganhou relevância mediante as limitadas conquistas das psicoterapias que não cumpriam seus objetivos de aliviar o sofrimento humano e suas diversas lamúrias mentais.  

Questões levantadas por Kierkegaard e Nietzsche alusivas ao vazio existencial ora inconfortável e ora perturbador que colocavam em cheque ideias como existência de Deus, livre arbítrio, decisão e consequências na decisão autônoma foram grandes influenciadores na perspectiva de uma existência protagonista, ou seja; que se responsabiliza pelo que sente, vive e estabelece no mundo consigo e com os outros. Esta problemática da existência caracteriza este período e o surgimento da fenomenologia-existencial.

Sendo elencada a questão da existência era necessário pensar o método. Foi problemática a proposição metodológica entre Husserl e Heidegger, já que para Husserl o método fenomenológico é descritivo: coloca a psicologia como fundamento para a psicologia empírica, pois sendo uma filosofia universal levaria a revisão dos métodos científicos vigentes. Enquanto Heidegger propõe uma análise fenomenológica da existência em si que é circunscrita pelo cotidiano, sendo uma experiência possivelmente inautêntica porque se movimenta em três vias: a facticidade, a existencialidade e a ruína. As relações do ser existente com o mundo poderão se dar na medida em que o indivíduo se apodera criticamente de seu real existente, desta forma pode superar seus limites retornando a si mesmo, revertendo a ruína caracterizada pelo afastamento de si em decorrência da facticidade exigida que esfria sua relação consigo mesmo. “Por isso, o método fenomenológico é a arte sistemática da reflexão [...] a proximidade entre fenomenologia e existencialismo, e o distanciamento entre Husserl e Heidegger parece ter ocorrido em torno das reduções e das suspensões.”. (p. 85).

Enquanto Husserl apresenta as reduções como a capacidade de análise que pode elucidar a relação entre experiência e consciência, e consciência e consciência, Heidegger muda o foco para a relação do ser humano consigo mesmo, que ele chamará de ser-aí.  “Se, para Husserl (1901/2007), a experiência com a sua mundaneidade constitui a consciência, pois a consciência é sempre consciência de algo, para Heidegger (1927/1989) essa experiência aparecerá engrandecida como a existência que se coloca ao Ser-aí.” (p. 86).

Dada característica diferencial na questão do método, os autores apresentam a psicoterapia existencial como àquela que se pauta na história de vida do indivíduo sinalizando a similaridade com outros métodos terapêuticos. No entanto, não se trata de explicar patologias ou desvendar para fim de cura a existência humana, mas compreender os processos ontológicos como modificadores estruturais do ser-no-mundo. Logo, esta modalidade terapêutica não apresenta rasamente as falhas existenciais, mas provoca a experimentação radical de todas as possibilidades de seu existir. “O objetivo será alcançado o quanto mais rápido o terapeuta explorar, não as estruturas temporais, mas as estruturas espaciais do mundo de significação de um paciente.” (p. 86).

A narrativa dos autores segue explorando a chegada da fenomenologia-existencial no Brasil na década de 30. Foram três os pesquisadores brasileiros nesta área: Daniela Schneider, Yolanda Forghieri, e Mauro Amatuzzi. “Schneider (2006) realizou uma análise pertinente da direção do pensamento sartreano em direção à clínica psicológica [...] Forghieri (2007) descreveu o processo terapêutico a partir da vivência imediata e pré-reflexiva entre terapeuta e cliente, seguido da reflexão de ambos sobre esse encontro [...] Amatuzzi (1991) concentra-se no fenômeno da fala em terapia, numa perspectiva hermenêutica. O autor destaca três dimensões presentes na fala: o significado, o sentido e o sinal.” (p. 88).

A primeira revista brasileira a registrar estudos fenomenológicos sobre esquizofrenia foi “Psicologia: Teoria e Pesquisa”. A partir daí muitos estudos se seguiram em diversas literaturas apresentando tratamentos psicológicos de base fenomenológica-existencial. Estes estudos estão registrados no mundo e organizados em sociedades, publicação de livros e periódicos e clínicas de formação. Considera-se que a vulnerabilidade dos estudos está relacionada à pesquisa empírica e a existência de estudos criteriosos que questionam a eficácia dos tratamentos de base fenomenológica-existencial.

Não obstante as críticas existentes é importante salientar a que os temas existenciais estão cotidianamente presentes na vida humana e que os interesses teóricos estão constantemente em alternância e modificação. O surgimento de novas ideias renovam as metáforas de mundo. Importante salientar que a fenomenologia, segundo os autores, continua sendo, até hoje, “[...] o mais rigoroso e efetivo método para conduzir nossas reflexões sobre o conhecimento, sobre a existência e sobre o mundo.” (p. 91).

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